Xenoblade Chronicles
O regresso de Takahashi aos épicos.
Não é preciso recuar muito no tempo. Há sete anos uma boa parte do mundo rir-se-ia se soubesse que os europeus receberiam um rpg japonês de assinalável dimensão antes dos norte-americanos. Cumpre lembrar que este género sempre foi muito popular no Japão e até se ocidentalizar foram precisas insistências e petições dos fãs que queriam conversões em inglês das séries que faziam furor no Japão. A década de noventa ficou marcada por grandes transformações a este respeito, especialmente após a segunda metade, quando muitos desses pedidos foram satisfeitos. E boa parte dessa mudança se deveu à força da antiga Squaresoft (depois Square Enix), detentora de algumas séries de sucesso em especial Final Fantasy e Dragon Quest.
Sem querer discutir os méritos do jogo, quero antes aqui sublinhar que existe um antes e um depois de Final Fantasy VII. Com FF VII finalmente os japoneses caíram na realidade, percebendo que as suas produções podiam crescer noutros continentes se fosse cumprido o esforço da localização. De certo modo o género internacionalizou-se a partir do momento que passaram a responder ao pedido de forma constante, mas já no que dizia respeito à Europa, a situação era bem diversa. Os jogadores europeus que queriam experimentar estas suculentas novidades do role play não tinham outra solução que não fosse a de abrir cordões à bolsa e importar consolas, porque o que chegava cá era pouco ou nada.
Final Fantasy VII foi preponderante na afirmação e crescimento do jogo role play japonês pelos vários continentes, mas Xenogears foi para mim o role play japonês definitivo da década de noventa e ainda hoje não sou capaz de me embrenhar no género ou no melhor que posso encontrar nele se me cingir a esse espaço temporal sem me lembrar imediatamente deste jogo fabricado por Tetsuya Takahashi. Este japonês era em 1998 um funcionário e proeminente produtor da Square. Com o seu currículo preenchido por jogos importantes títulos como Final Fantasy e Chrono Trigger, conquistou um lugar ao sol quando Xenogears inundou as lojas, um exclusivo Playstation da sua autoria que nunca chegaria à Europa.
Em 2004 cometi a "pequena" loucura de comprar uma PSOne modificada para correr jogos NTSC, exclusivamente para jogar Xenogears. Tinha comprado o jogo através de uma loja de importação, a reedição sob a forma de greatest hits - lançada pela Square Enix em 2003. Quando acabei o jogo no verão em que Portugal deixou escapar (jamais perdoarei ao Scolari não ter colocado o melhor guarda-redes da Europa) a taça do europeu para a Grécia, percebi que aquele era um jrpg único, especial e marcante. Diferente do que tinha até então experimentado. No fundo e sem me aperceber realmente, estava a dar os primeiros passos nas obras de Takahashi, ele que já era uma espécie de "one man show", fazendo quase tudo nas produções em que se envolvia a valer, desde guião a cenários e personagens.
A relação com a Square não durou muito mais tempo para o produtor japonês. Após um conflito em 1998, Takahashi e outros que trabalhavam com ele bateram a porta da empresa e fundaram o seu estúdio Monolith Soft, tendo sido adquirido maioritariamente pela Namco que passou a tratar da edição dos jogos. Com mais poderes de direção Takahashi partiu para um dos seus maiores projetos, Xenosaga, uma série que tinha visíveis raízes em Xenogears (abandonando os Mechs na crosta terrestre e partindo para uma mega demanda no espaço e desenvolvida no futuro). Inicialmente prevista para seis episódios, haveria de se ficar pelo terceiro episódio. Faltou-lhe o fulgor do mercado para os quarto, quinto (este seria uma possível readaptação de Xenogears, já que os direitos ficaram na Square Enix) e sexto episódios.
Em 2001, quando os americanos jogavam o primeiro episódio de Xenosaga (Der Wille Zur Macht - o subtítulo é de uma obra de Nietsche, do qual Takahashi retirou muitos conceitos para explorar no argumento), os europeus limitavam-se aos vídeos e a pouco mais do que os americanos contavam sobre o jogo. Em 2006 a Namco acabou por aceder aos fortes pedidos vindos da Europa e adaptou o segundo e terceiro episódio aos territórios PAL. Nessa altura já tinha jogado o primeiro jogo, pelo que a adaptação às duas sequelas ficou de certo modo facilitada.
Por isso, quem jogou Xenogears e Xenosaga apercebe-se imediatamente do estilo de Takahashi. É verdade que continua a pesar muita moralidade e há todo um conflito emocional e expressivo entre o bem e o mal que também encontra paralelo noutros jogos do género. O que há de diferente nos trabalhos de Takahashi, especialmente estes dois, é que o argumento reveste-se sobre a forma de um épico em constantes sobressaltos, prendendo realmente o jogador a determinados momentos que rompem com o rumo da narrativa e o levam a aceitar as transformações que ocorrem naquele universo de relações entre personagens.
Xenoblade não é diferente no "pacing" e facilmente se descobriria a autoria do jogo se não soubéssemos quem efetivamente o dirigiu. Não se preocupem se não jogaram os jogos que atrás referi. Xenoblade é um "stand alone product" que não está ligado em termos de narrativa com Xenosaga ou Xenogears. Numa fase de desenvolvimento até esteve para receber uma designação diferente. O prefixo Xeno está aqui antes como uma assinatura, uma rubrica de Takahashi, ele que pensou no jogo de corpo e alma e o executou a pensar no momento atual dos jogos de role play japoneses. O que podem encontrar é uma afinidade espiritual, um traço e um cunho muito específicos ao contar a história. Blade tem como referência a espada Monado, um instrumento bélico que é a peça-chave do jogo. Estão por isso reunidos os ingredientes para uma obra notável. Conseguirá Takahashi voltar a triunfar?
É sabido que os jrpg's estão a atravessar uma fase de menor fulgor. Depois de um tempo de grande aceitação e penetração no mercado, os custos dos projetos dispararam pela abundância de cenas cinematográficas e não encontraram o mesmo eco de outrora no mercado. Outra das razões para o declínio do género passa também pela manutenção de um "gameplay" que dá poucos sinais de inovação e quando se põe num plano de equiparação com propostas de cariz ocidental mais estimulantes e pouco rígidas, já não causa a mesma admiração.
Com o controlo da Monolith Soft agora assegurado pela Nintendo, não haveria melhor oportunidade para relançar o género. Fabricar um jrpg na consola melhor sucedida da atual geração é uma oportunidade que poucos ousariam desperdiçar. Takahashi sabe que dificilmente mudará o mundo, mas quando é preciso uma injeção de sangue novo ele sabe fazê-lo. E que melhor prenda poderiam ter os europeus nesta altura, por saber que os americanos estão, por enquanto, à margem desta imensa obra. Há uns anos seria uma piada. Mas o que me parece é que desta forma a Nintendo aguça o apetite dos americanos, ao ponto de os colocar de joelhos por uma conversão que seja bem sucedida.