A duração da experiência de jogo
Os jogos não terminados e a rejogabilidade.
Chamou-me a atenção esta semana o artigo, "Your Play Brain and You" [1] de Tadhg Kelly na Edge, por tentar uma nova explicação para o facto de não jogarmos muitos dos jogos que compramos até ao final. Este é um assunto recorrente nas discussões entre jogadores e nos media. De modo que se o trago aqui é porque me parece que o Tadgh toca em alguns pontos interessantes, ao mesmo tempo que diz algumas coisas com as quais não concordo.
O ponto interessante da sua abordagem é o aliviar do peso de culpa que todos nós sentimos quando não terminamos um jogo. Tadhg cria para isso um novo conceito que ele chama de "play brain" e que define como aquela parte de nós sempre ávida por ganhar, aquela vontade e força que nos impele para decifrar regras, ultrapassar obstáculos, delinear estratégias, progredir no jogo, vencer e ser recompensado. Assim quando o jogo deixa de oferecer condições para que estas ações aconteçam, seja porque se torna tudo fácil demais, e logo as recompensas se tornam enfadonhas, seja porque se torna tão difícil que impede a progressão e o acesso às recompensas, o nosso "play brain" desiste. O jogo deixa de ter interesse para nós, e por isso Tadhg diz que está na hora de o abandonar, partir para um novo, porque este já deixou de ser interessante para o nosso "play brain".
Visto assim faz todo o sentido. A questão maior é, então mas se assim é, porque é que eu continuo a sentir um vazio cada vez que pego na caixa de um jogo que me diz muito e que nunca acabei?
A explicação está para além deste conceito simplista de "play brain" criado por Tadhg, porque este fala apenas de uma das vertentes da experiência de jogar um jogo com história (do género ação e aventura, aventura gráfica, ou RPG). Jogar um videojogo deste tipo, é muito mais do que apenas decifrar as mecânicas, ter recompensas e ganhar, é também o experienciar de momentos contextualizados por elementos narrativos que nos marcam, e nos transformam emocional e cognitivamente. Se por um lado somos conduzidos e incitados pelas mecânicas de jogo, por outro lado somos também aliciados pela informação intrínseca à história. Sentimos a progressão no jogo na ultrapassagem dos obstáculos, mas é através da informação que vamos obtendo que a progressão se constrói realmente, porque é esta que nos vai permitindo compreender o que se passa com aquele personagem, ou com aquele mundo.
"Então mas se assim é, porque é que eu continuo a sentir um vazio cada vez que pego na caixa de um jogo que me diz muito e que nunca acabei?"
Ora quando não acabamos um jogo, é exatamente essa a informação que nos fica em falta. Até podemos ter compreendido as mecânicas, sabemos claramente como fazer uso das armas, dos saltos duplos, do atirar em movimento, da captura de objetos ou eliminação de inimigos sem dar nas vistas. Mas na verdade, não sabemos o que acontece no final, o que é que está lá à nossa espera, não temos respostas para todas as questões que o jogo foi levantando ao longo do tempo que investimos nele, falta-nos um fechamento daquele mundo ficcional. Todos nós sabemos o quanto nos custa começar a ver um filme e depois não poder acabar de o ver. Tentamos alugar o mesmo, ou por qualquer meio aceder-lhe e ver como acaba.
Mas se assim é, perguntamos agora, porque é que isto não é suficientemente forte para manter o jogador a jogar, mesmo quando o gameplay já não interessa, ou dificulta demasiado a progressão? Aqui a resposta está num problema que foi criado tanto pela indústria, como pela crítica, e que está relacionado com a ausência de valor de rejogabilidade nos jogos com história. Por um lado a crítica criou o item de avaliação de duração da jogabilidade, e começaram a chover críticas à indústria de que esta estava a produzir jogos muito curtos e a cobrar de modo injustificado por experiências, ditas menores.
A indústria pelo seu lado não sentia que pudesse dar mais do que aquilo que dava, porque aumentar a narrativa implicaria aumentar os custos de produção que eram já bastante elevados. Desse modo as consequências disto seriam inevitáveis e aconteceriam ao nível da qualidade dos jogos. Foram criados estratagemas na jogabilidade para alongar a experiência, que descuraram completamente a narrativa. Nomeadamente dificultar a progressão, complexificando os níveis, criando mecânicas com puzzles e enigmas por vezes indecifráveis, ou criando bosses de dificuldade exacerbada. O resultado disto, não poderia ser outro, os jogadores começarem a deixar de conseguir acabar os jogos. Como exemplo, Myst (1993), um dos jogos mais vendidos dos anos 1990, é também um dos jogos com a mais alta taxa de pessoas que nunca o conseguiu acabar.
Com o tempo as coisas foram mudando, foi-se investindo mais nos jogos, puderam começar a criar-se mais conteúdos e alongar um pouco mais experiências. Mas nunca é suficiente. Por isso nos dias de hoje, temos jogos como a série Uncharted, que não são propriamente difíceis de acabar, mas com experiências de tal ordem estendidas, que quando chegamos a cerca de 75% do jogo, já só queremos é ver o fim do jogo. A jogabilidade começa a tornar-se repetitiva, a história não avança, e sentimos que apenas se está a tentar manter viva a experiência à conta de artificialismos no design das mecânicas de jogo. Perde a narrativa, porque a uma determinada altura, e com tanta repetição já nos esquecemos do que é que estamos a tentar descobrir em termos de história. Perde o jogo porque a jogabilidade se repete, o desafio decresce e o desânimo instala-se. E perde a experiência, porque se esvai no tempo, rendilhada de ações repetitivas, e envolvida por fragmentos de uma história que perdeu a oportunidade de se fechar de modo intenso e assim perdurar na memória do jogador.
[1] Kelly, Tadhg, (2012), "Opinion: Your play brain and you", in Edge Online, March 15, 2012.