Ni No Kuni: Wrath of the White Witch - Análise
Oliver Quest.
Para quem não sabe, Ni No Kuni chegou primeiro à Nintendo DS no final de 2010, numa versão que nunca viria a conhecer a luz do ocidente. Talvez porque os planos da Namco Bandai passavam por destaque à versão PS3, essa sim preparada para atingir a Europa e América do Norte, privilegiando todo um trabalho de localização de texto e voz. É por isso que Wrath of the White Witch nos chega com mais de um ano depois do lançamento no Japão, mas muito a tempo para saciar as expectativas dos veteranos e novatos jogadores de jogos de role play de feição nipónica.
Localizar um jogo da magnitude de um jrpg é sempre um processo moroso e dispendioso. Nem todas as editoras se mostram empenhadas e dispostas a arriscar localizações custosas que podem devorar todo o investimento, se as vendas para os respectivos territórios não atingirem os mínimos pretendidos. Há que aplaudir o esforço da Namco Bandai que mais uma vez apoiou uma obra especial saída da Level 5 em colaboração com os famosos Studio Ghibli. Esta editora japonesa tem vindo a ganhar projecção nos territórios ocidentais e é mais um exemplo de que o Japão ainda consegue exportar as suas produções com sucesso.
Boa parte deste interesse em Ni No Kuni por parte da Namco Bandai deve-se à presença da Ghibli Studios. Famosa pelos seus filmes animados, cujo expoente máximo dos desenhos à mão ainda é Hayao Miyazaki (coadjuvado pelo filho nos seus últimos filmes), é sempre um excelente cartão de visita e uma referência da animação. Fruto da produção conjunta entre Ghibli e Level 5, Ni No Kuni é uma bela representação do melhor que essas produtoras já nos trouxeram. A Level-5 tem conquistado os ocidentais por intermédio de franquias como Inazuma Eleven e Professor Layton, ambas para as consolas portáteis da Nintendo, mas ainda é Dragon Quest VIII: Journey of the Cursed King que mais se aproxima de Ni No Kuni.
Esta produção mostra-nos numa mesma moeda dois lados distintos no seu melhor. Pode ter sido a Level-5 a criar o guião e orientar as linhas básicas do design, mas a materialização desse resultado, em termos de produção animada e influência na arte em muito dos diversos territórios que integram o mundo de Ni No Kuni, jamais pode ser disfarçada como sucesso Ghibli. Na verdade, Ni No Kuni é um role play que transporta abundante arte e conceitos materializados nos seus jogos. Num mundo pejado de fantasia e lugares que nos transportam para vários momentos das produções de Miyazaki, como Spirited Away, My Neighbour Totoro e Ponyo by the Sea, este jogo conquista pela aglutinação das duas dimensões, fascinando pelo toque visual e não impressionando menos nas suas mecânicas de combate e progressão de personagens.
São motivos mais que suficientes para criar uma dimensão de maravilha e espectacularidade. A transformação das cenas animadas em jogabilidade significa que a manutenção do colorido se faz através da técnica de cel shade. Mas esta não tem aqui um aspecto tão cru, poligonal ou recortado como noutros jogos. Existem mais contornos, mais profusão de cor e o resultado é muito mais próximo ao de uma animação, sendo suaves as transições entre animação e jogabilidade. Para lá das cenas animadas, as cut-scenes derivam do motor gráfico, mostrando uma atenção ao detalhe impressionante.
O arco narrativo dá-nos a conhecer Oliver, um rapaz de 13 anos de idade, residente na cidade Motorville e que embarca para uma longa demanda numa realidade paralela depois de adquirir plenos poderes de feiticeiro. A acompanhá-lo está Drippy, uma estranha, mas cómica, empática, original e decisiva personagem que se torna numa espécie de guia dentro do novo território, revelando preciosos detalhes sobre as forças em colisão, ao mesmo tempo que é especialmente feliz na acomodação ao sotaque que exibe e comentários/observações que tece para as mais variadas situações. Além disso, este colega de viagem de Oliver é a fonte de explicações importantes sobre as regras de combate e magias que o protagonista terá à sua disposição.
Ni No Kuni é um jogo pleno de recursos e dotado de bastantes sistemas de gestão, que vão desde os esquemas de combate, até ao livro de feitiços usado pelo protagonista que lhe permite interagir a vários níveis com as personagens que encontra na sua viagem. Um dos graus mais importantes de interacção é a possibilidade de transitar entre realidades. Ao chegar a Ni No Kuni, a realidade paralela ao seu mundo, Oliver apercebe-se de como tudo é diferente. As pessoas vestem-se como na era medieval e as construções da época possuem uma sumptuosidade indescritível. Mas esta transição entre realidades é determinante. Funcionando como um "twist" do jogo, cada pessoa que vive em Ni No Kuni possui uma alma gémea que habita na realidade de Oliver. Frequentemente, teremos que transitar entre realidades para resolver puzzles e compor situações que de outro modo bloqueariam a progressão.
"Isto é quase uma importação do Dark Souls, o que significa que se nalgumas passagens encontrámos um ponto de gravação e sabemos que de seguida temos de preparar as personagens para o embate"
Existe, no entanto, alguma moderação nesta dualidade de realidades. Enquanto que Ni No Kuni ocupa a dimensão de um mapa mundo, já Motorville é uma cidade incomparavelmente menor, que é percorrida numa perspectiva 3D isométrica. Nas cidades de Ni No Kuni, a nossa personagem tem atrás de si a perspectiva de jogo e os espaços são bem maiores.
Assim que entrarem no jogo vão descobrir que todos objectivos e puzzles a resolver são facilmente identificados se tiverem ligada a função que coloca uma estrela sobre o ponto de destino. Este sistema poderá parecer demasiado redutor e até linear, mas também existem eventos imprevistos e situações que mudam rapidamente a percepção da linha condutora. É o caso de algumas batalhas com "bosses" de grande nível, que podem acontecer sem que tenhamos previamente qualquer pista sobre a sua eventualidade.
Isto é quase uma importação do Dark Souls, o que significa que se nalgumas passagens encontrámos um ponto de gravação e sabemos que de seguida temos de preparar as personagens para o embate, outras vezes entramos inesperadamente numa batalha, sem que as personagens se encontrem abastecidas e equipadas de magia, e acabámos por sofrer uma copiosa derrota. Para continuarmos daquele ponto temos duas opções: despender 10% dos recursos financeiros ou voltar para o ecrã de início e recomeçar a partir do último ponto de gravação.