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Quando os videojogos amadureceram

Do íntimo para o social.

Ryan Green tem um filho de 4 anos que sofre de cancro cerebral. Ryan Green criou um videojogo sobre a sua relação com o filho e a doença. "That Dragon, Cancer" [1] é esse videojogo, ainda em desenvolvimento, mas já apresentado em vários eventos internacionais [2], chocando e perturbando muitos dos que se atreveram a jogar. Ryan Green é programador informático, por isso socorreu-se da linguagem que melhor conhecia para expressar o seu interior, a linguagem da interatividade multimédia. "That Dragon, Cancer" é arte, não porque é melancólico, nem porque nos faz chorar, mas porque expressa o que de mais íntimo o seu autor tem para nos oferecer. Porque enquanto obra, serviu o seu propósito de catarse autoral.

Ao longo do último ano temos assistidos ao lançamento de vários pequenos jogos que se arriscam na tentativa de dar corpo aos sentires mais íntimos dos seus autores. Em 2012 Anna Anthropy colocava em "Dys4ia" [3] os traumas através dos quais tinha passado durante o seu processo de mudança de sexo. Este ano Zoe Quinn, Patrick Lindsey e Isaac Schankler criaram "Depression Quest" (2013) [4], que segundo eles "pretendia mostrar às outras pessoas, que sofrem de depressão, que elas não estão sozinhas nos seus sentimentos, e para ajudar quem nunca passou pela a depressão, a compreender a doença e as suas profundezas, e o que ela pode fazer às pessoas".

Pouco depois Sunil Rao criava "Inner Vision" (2013) [5] um jogo em que o objectivo principal passa por evitar que três pessoas cometam suicídio. Rao referia a propósito da enorme reação que o jogo gerou, "eu criei-o para mim, para expressar alguns pensamentos sobre a morte que eu durante os últimos meses fui tendo. Eu tinha uma mensagem que queria retratar com o jogo, mas achei que ninguém iria entender o que eu tinha para dizer."

That Dragon Cancer demo from Dennis Scimeca on Vimeo.

Apesar de qualquer um destes jogos estar mais preocupado em transmitir aquilo que o seu autor pensa acerca do tema, ou seja descrever momentos autobiográficos, o que cada um acaba por fazer é produzir uma experiência altamente realista, uma imitação tão perfeita da realidade que qualquer pessoa que esteja a jogar acaba a sentir-se mais próxima do autor. Ou porque já passou pelo mesmo, ou porque conhece alguém que já passou, ou porque simplesmente empatiza com os sentimentos de quem se expressa, e se deixa levar pelo jogo. No fundo, o que cada autor procura fazer, é encontrar a melhor forma, de através de um videojogo, levar os outros a compreender aquilo que ele sente no seu interior. O videojogo é assim uma externalização, e uma imitação dos momentos passados por cada um dos autores. E por isso acaba também por funcionar como um momento forte de aprendizagem para quem joga.

Neste sentido importa saber o que a linguagem interativa pode fazer por estes autores e por aquilo que nos querem transmitir. Ryan Green, o autor de "That Dragon, Cancer", diz-nos que "quando percebemos 'eu não posso resolver isto'. Como jogador é chocante. Nos videojogos estamos acostumados a pensar que se formos suficientemente bons, podemos resolver o puzzle. No cancro, a coisa que nós aprendemos mais rapidamente, é que está fora das nossas mãos... Eu posso amá-lo. Mas não posso consertá-lo". Ou seja, Green utiliza o fundamento da interatividade, que assenta na ação, para o subverter, e deste modo conseguir levar o jogador a compreender, o que está intrinsecamente em questão na mensagem que se quer passar. Nenhuma outra forma de arte poderia dar a entender esta ideia, da forma tão experiencial como os videojogos!

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