A forma de expressão mais relevante do século XXI
Top 10 Virtual Illusion 2013.
Sempre que chegamos ao final de cada ano, olhamos para trás e procuramos perceber o que mudou. Nesse sentido, aquilo que aqui trago hoje é uma análise dessas mudanças no campo dos videojogos, nomeadamente no campo do design e desenvolvimento de videojogos verbalizadas através de uma lista dos 10 melhores videojogos de 2013. Mas esta é mais do que uma análise do ano de 2013, é uma análise que olha para este ano como um culminar dos últimos 40 anos de desenvolvimentos.
Em 2013 acredito que atingimos um patamar marcante na história do meio. Ao fim de 40 anos conseguimos dar às pessoas aquilo que lhes vinha sendo prometido, e que por alguma razão - da narrativa, da performance, da arte audiovisual, da programação ou do design - nunca se tinha efetivado. Em 2013 tivemos um jogo completo, coeso, maduro e capaz de ombrear no tratamento da condição humana com qualquer outra forma de expressão artística, da literatura ao cinema. Os videojogos são em 2013 uma grande arte, como já o atestam vários museus [1], mas mais do que isso são já a grande forma de expressão do século XXI. No século XIX tivemos o Teatro, que no século XX viria a dar lugar ao Cinema, por sua vez agora chegou o momento do Cinema dar o lugar aos Videojogos.
E é a própria crítica do meio a reconhecer que os videojogos se estão a tornar mais importantes do que o cinema. Isto fica bem evidente quando uma revista internacional da área de cinema, a Empire, realiza uma entrevista com Bruce Straley e Neil Druckmann e intitula a entrevista da seguinte forma: "The Last Of Us: O Melhor Filme do Ano (Que de Facto Não é um Filme)" [2]. Para corroborar tudo isto, escolhi dez títulos deste ano que demonstram porque se tornaram os videojogos tão importantes.
1 - The Last of Us (2013)
Tenho visto algumas listas deixarem o jogo de fora, sabendo que ele aparecerá nomeado numa imensidão de outras listas, dando assim oportunidade a jogos menos conhecidos. Do meu lado considero demasiado importante tudo o que foi conseguido por "The Last of Us" para o poder fazer. Porque este não é apenas o melhor jogo de 2013, este é um jogo que carrega às suas costas todas as conquistas deste meio ao longo das últimas décadas, e das várias gerações tecnológicas. É uma obra-prima, porque é perfeito em todas as frentes que constituem a essência de um videojogo. É um blockbuster é verdade, mas talvez tenha sido preciso todo o investimento que um blockbuster necessita, para se conseguir acertar na multiplicidade de variáveis que constituem o objecto final. Por forma a resolver um dos maiores problemas de sempre nos videojogos, a junção entre história e jogo, "The Last of Us" fez uso de dois diretores principais, um de jogo (Bruce Straley, Game Director) e outro de narrativa (Neil Druckmann, Creative Director). A simbiose conseguida é algo nunca visto neste meio, e como se isso não bastasse com uma história capaz de desvelar profundezas do sentir humano. Para a história existirá um antes e um depois de "The Last of Us", porque este marca o início da superioridade dos videojogos como forma de expressão deste século.
2 - Brothers: A Tale of Two Sons (2013)
"Brothers" não está em segundo lugar por acaso, não tivesse existido "The Last of Us" e "Brothers" teria sido o meu jogo do ano. O que mais nos entusiasma em "Brothers" é a forma como a narrativa vem até nós, como nos agarra àqueles dois personagens, nos deixa a suspirar pelo seu futuro. "The Last of Us" é conceptualmente o melhor jogo deste ano, mas "Brothers" é provavelmente o mais sentimental, aquele que nos consegue levar às lágrimas, como qualquer boa história sabe fazer. "Brothers" juntamente com "The Last of Us" demonstram como ultrapassámos os problemas de intersecção entre jogo e narrativa, e fazem-no ambos de uma forma brilhante. "Brothers" tem ainda a particularidade de desenvolver através da sua mecânica particular, de controlo dos irmãos, momentos únicos não possíveis em outros media.
3 - Gone Home (2013)
Em terceiro lugar coloco "Gone Home", mais uma vez pela capacidade de fazer cruzar história e narrativa, mas fazendo-o de uma forma totalmente diferente dos demais jogos desta lista. Em "Gone Home", não vemos personagens, nem interagimos com eles, temos apenas acesso a uma casa na qual habitaram e habitam alguns personagens. À medida que vamos interagindo com a casa, vamos ficando a saber mais sobre cada um desses personagens, o enredo enreda-se e a um determinado ponto damos por nós totalmente embrenhados nas vidas daquelas pessoas, sem as conhecermos, sem sabermos como são, construindo apenas na nossa cabeça uma ideia do que cada uma personifica. É um trabalho magistral de storytelling espacial, que sustenta o poder expressivo dos videojogos demonstrando que estes não estão dependentes de uma única formula para se expressar.
4 - Papers, Please (2013)
"Papers, Please" dá conta de um trabalho que realiza na perfeição a entrega do agenciamento ao jogador. É este quem decide como o jogo se desenrola, porque é ele quem decide sobre o futuro dos restantes personagens do jogo. Obedecendo a um conjunto de regras, possui um espaço de ação alargado, que lhe permite agir, e aprender sobre o mundo através das ações que vai realizando. Não é um jogo de entretenimento, é um jogo pesado que joga com emoções de culpa, capaz de nos deixar com um pesado fardo na consciência. "Papers, Please" dá assim conta de um dos formatos mais interessantes que os videojogos podem explorar em termos narrativos, que passa por colocar o jogador a assumir um determinado cargo, levando-o a compreender os meandros do cargo, objectivos e efeitos, através das decisões que toma ao longo do jogo.
5 - Beyond: Two Souls (2013)
Foi o título deste ano da Quantic Dreams, mas quando o jogámos foi inevitável pensar em "Heavy Rain" (2010) ou "Farenheit" (2005) como seus antecessores. David Cage anda há mais de uma década a tentar resolver o problema da integração da narrativa nos videojogos. E apesar de acreditar que a indústria muito lhe deve por tudo o que tem feito na resolução desse problema, julgo que foi ultrapassado pela direita pela equipa da Naughty Dog. Cage conseguiu trazer as histórias maduras para os videojogos, conseguiu tocar-nos com narrativas bem desenhadas, mas teve sempre grande dificuldade em integrar a profundidade explorada nas histórias com as mecânicas de jogo desenhadas de forma sempre demasiado superficial. "Beyond: Two Souls" deixa para trás muitos dos problemas ridículos do design de interação dos jogos anteriores e apresenta mais uma vez uma imaginativa abordagem não-linear do storytelling, com uma interatividade assente em escolhas narrativas que nos responsabilizam e ligam à progressão da história. Além da narrativa conta com uma belíssima performance de Ellen Page, que contribui com imensa "vida" para o personagem.
6 - Proteus (2013)
"Proteus" é uma espécie de antevisão dos videojogos do futuro. Tudo aquilo que vemos no mundo do jogo é criado em tempo real pelo sistema - montanhas, árvores, pássaros, sapos ou coelhos. Assim cada vez que recomeçamos, não jogamos o mesmo jogo como seria de esperar, mas antes um mundo diferente, criado ali pela máquina para nós. Ou seja, no futuro os videojogos serão capazes de ser mais reativos às ações dos jogadores, porque estes poderão gerar em tempo real, diferentes respostas a essas ações. Deixaremos de estar dependentes de personagens pré-criados, de cenários pré-desenhados tudo o que hoje nos jogos é imutável. Deste modo poderemos criar histórias muito mais interativas, capazes de criar a cada momento respostas personalizadas às ações de cada um de nós. Proteus é isso embora num mundo visual com estética 8bits mas capaz de nos dar uma ideia do que será o futuro deste meio.
7 - Year Walk (2013)
A sueca Simogo já nos vinha surpreendendo nos anos anteriores com os seus trabalhos para a plataforma tablet, mas este ano apresentou um trabalho que transporta a plataforma para um novo patamar no campo da interação. "Year Walk" apresenta toda uma nova abordagem ao mundo das aventuras gráficas, fazendo uso da interação gestual que permite criar todo um design de interação inovador e assim uma maior envolvência e imersão no espaço do jogo. Os puzzles são crípticos, e obrigam-nos a recorrer ao lápis e papel, mas a recompensa da sua resolução é suficientemente gratificante para nos manter a jogar até ao final.
8 - Luxuria Superbia (2013)
O oitavo lugar vem da Bélgica, do duo Tale of Tales, que passou este ano por Portugal, fazendo uma palestra na Videojogos 2013 em Coimbra. Neste seu último trabalho resolveram pegar na plataforma táctil do tablet e levar ao extremo a estimulação sensorial. Como o próprio nome indica, o objectivo do jogo passa por despoletar uma espécie de orgulho luxurioso, ou como diria o próprio autor, Michael Samyn, um "orgasmo estético". "Luxuria Superbia" é uma experiência interativa, que por meio de algumas mecânicas bastante simples e da atmosfera visual e sonora, nos seduz emocionalmente permitindo o envolvimento e a evasão.
9 - Rain (2013)
É a pequena joia da PS3 de 2013, tal como em 2012 foram "Journey" e "Unfinished Swan". Não conseguido ser tão brilhante como esses, é um jogo que apresenta uma mecânica narrativa nova, o nosso personagem só é visível quando está à chuva, quando debaixo de coberturas torna-se invisível. Tal como os anteriores é um jogo carregado de sentimento, o ritmo sereno, a chuva constante, a arte sombria, e a música melancólica conseguem criar um espaço singular que nos cativa e nos ajuda a evadir. Mais algum polimento no design de interação e exploração da mecânica em termos narrativos e poderia estar no topo desta lista.
10 - Remember Me (2013) / Tomb Raider (2013)
Em último lugar deixei um empate, porque não me consegui decidir quanto a qual colocar de fora. Cada um à sua maneira apresenta problemas, assim como elementos de enorme qualidade. Se "Remember Me" é um triunfo no campo da arte visual, "Tomb Raider" é-o no campo da fluidez de jogo. "Remember Me" brilha com uma narrativa de ficção científica que nos lembra autores como Philip K. Dick, enquanto "Tomb Raider" nos faz viajar ao longo de décadas de títulos da série, e nos permite descobrir as origens de Lara Croft. Ambos os títulos apresentam problemas de navegação que tiveram de ser colmatados através da inclusão de marcadores evidentes no espaço. Ainda assim são duas grandes aventuras de 2013, que permitem conhecer o que de melhor se tem feito na área.
Ficam todos os jogos apresentados, se quiserem obter análises estendidas de cada um, podem passar no Virtual Illusion onde encontrarão links para as análises que realizei de cada um destes jogos ao longo do ano [3].
- [1] Museu Smithsonian adquire videojogos, e chama-lhes "Media Arts", in Virtual Illusion
- [2] "The Last Of Us: O Melhor Filme do Ano (Que de Facto Não é um Filme)", in Empire
- [3] O que jogámos em 2013, in Virtual Illusion