1 2 Switch - Análise
Quebra o gelo.
Não há muitas companhias dispostas a arriscar da mesma forma que a Nintendo vem fazendo para cima de dez anos, sobretudo no que toca ao design dos jogos criados com base nas funcionalidades das plataformas. A Nintendo Game Cube e a Game Boy Advance foram de certa maneira as últimas peças tecnológicas projectadas dentro dos cânones mais tradicionais; produtos expectáveis demonstrativos de poder tecnológico, com inevitável regularidade dentro da marcha produtiva de "software". Contudo, com a introdução primeiro da Nintendo DS e depois com a Nintendo Wii, a Nintendo inaugurou um capítulo novo na forma de tirar proveito da tecnologia proporcionada pelas plataformas, apresentando ao mesmo tempo conceitos diferenciadores em design.
Enquanto que na DS foram os jogos com interacção através do ecrã táctil a assumirem diferentes configurações face ao que era até então habitual, nomeadamente Brain Training, com a Nintendo Wii foram os movimentos desenhados com o Wii remote que ditaram uma expansão no "design", numa certa retoma das experiências arcade, que salvo algumas produções da Sega e outras menos conhecidas, constituíram de um momento para o outro sinónimo de adesão universal. Para uma plataforma doméstica, a Wii proporcionou um modelo diferente de interacção e Wii Sports foi a primeira concretização do potencial da consola.
Algo similar sucedeu na 3DS com Nintendogs, assim como na Wii U através da colectânea Nintendo Land, um catálogo de mini jogos representativo das funcionalidades do GamePad como segundo ecrã, podendo também funcionar de forma autónoma. Quando a Nintendo apresentou a Switch em Janeiro passado, num evento mundial, 1 2 Switch foi de novo a grande surpresa, o jogo que não deixou ninguém indiferente, sendo óbvio que para lá do interesse da Nintendo em reconquistar a audiência que noutros tempos aderiu à Wii e DS, a companhia demonstra o potencial dos Joy Con, os comandos vitais para este jogo nitidamente multiplayer.
E no entanto, sabendo que ao tornar 1 2 Switch um cartão de visita da nova consola, da forma como o jogo está concebido para ganhar destaque através dos "joy con", tornando o ecrã do televisor (ou da Switch) um mero folheto de instruções com vídeos reais de apresentação das regras do jogo, depressa levaria muitos adeptos de videojogos a questionarem a admissibilidade de um produto nestes moldes. 1 2 Switch desvia-se dos moldes de interacção com o televisor a que estamos acostumados, oferecendo uma experiência orientada para o exercício de certas actividades de comando na mão, peça esta suficientemente esperta para perceber até que ponto estão a cumprir as regras.
Há pontos de aproximação a Wii Sports, mas também de afastamento. Enquanto que em Wii Sports temos os movimentos similares à pancada de uma raqueta a empurrarem a bola do nosso Mii para o outro lado do "court", em Quick Draw, um movimento em falso é imediatamente detectado, o suficiente para desqualificar o contendor. De alguma maneira isto serve para evidenciar a melhoria dos comandos, que a Nintendo classifica como um "rumble" de alta definição, isto é, um sistema de movimentos e vibração mais precisos, ao ponto de detectarem ao pormenor os mais pequenos movimentos, produzindo até uma sensação de fragmentação das vibrações.
Em resultado, temos um jogo fabricado em torno destas possibilidades, que ao mesmo tempo lateraliza o ecrã do televisor, afastando-o do centro do jogo, e aproxima os dois jogadores. 1 2 Switch é sobretudo uma experiência para ser partilhada. Duas pessoas são suficientes para tirarem proveito dos 28 mini jogos que integram a lista, mas acrescentem mais e terão a plateia a funcionar como combustível, enquanto os participantes quebram o gelo a partir de uma multiplicidade de jogos que tiram partido da tecnologia, numa espécie de combinação tripartida (ou bipartida se jogarem através do ecrã da Switch). É talvez o jogo mais invulgar que terão à vossa frente para os próximos tempos.
Desde logo porque é um jogo apresentado com imagens reais e com introduções exemplificativas da forma de se jogar, algo que por momentos requer a atenção dos participantes, o que envolve uma certa calma antes da tempestade. Mesmo quando a jogar, não há gráficos ou imagens tradicionais, apenas uma descrição simples do processo de evolução, podendo ser acompanhada de imagens reais. Na verdade, os jogadores não precisam de estar a olhar para o ecrã. A tendência para olharmos naquela direcção é como um reflexo condicionado, a que nos habituamos fazer sempre que jogamos um videojogo. Tornar isso prescindível, ao ponto de deixar olhos nos olhos os participantes, deriva da natureza dos jogos.
"Quick Draw é um dos jogos mais badalados da colectânea e um dos que melhor exemplifica esta interacção."
Quick Draw é um dos jogos mais badalados da colectânea e um dos que melhor exemplifica esta interacção. O tempo de espera até que seja anunciada pelo árbitro a palavra "Fire" deixa os jogadores alheados do que se passa no televisor, focados no momento da palavra, para logo apontar o comando na direcção do peito do adversário, apertando o gatilho no momento certo (um disparo para os pés não é contabilizado).
Em Fake Draw, o árbitro profere outras palavras no mesmo tom de Fire, mas basta um movimento em falso para que um dos jogadores seja imediatamente desqualificado. O jogador só pode movimentar o comando quando ouvir a palavra "Fire". Telefone é outra agradável surpresa deste conjunto, que mostra bem como o ecrã assume uma posição secundária. Com os "joy con" pousados sobre a superfície, os jogadores são informados sobre o tom de toque que denunciará o momento a partir do qual ambos devem pegar no respectivo comando e atender a chamada, proferindo a expressão de atendimento. Mas só quando ouvirem o tom exacto da chamada. Qualquer outro tom é um engano que por vezes se torna inevitável.
Depois, há jogos como Ball Counting ou Safe Crack, que apresentam um modo de funcionamento com base no preciso sistema de vibrações. Os mais rápidos a sentirem o contacto produzido por esferas no caso das bolas e das vibrações na abertura do cofre, sairão vitoriosos mais depressa. É esta a mais valia de 1 2 Switch, a forma como combina design com tecnologia. Neste momento não há outro jogo igual. E enquanto que Wii Sports era muito mais abrangente em termos de resposta e interacção, nestes mini jogos o grau de precisão da vibração e dos movimentos origina novos desafios, ainda que fora da vulgar experiência interactiva. Contudo, dos 28 mini jogos apresentados, nem todos funcionam da melhor forma.
"Shaver" (fazer a barba) pode envolver alguma sorte. Ao começo é-nos mostrada a posição que devemos tomar com o comando para cortar os pelos da cara, mas basta um desvio significativo para que uma parte fique por cortar. No entanto, movimentos muito largos produzem efeitos ainda mais drásticos, pelo que terão que ouvir o som, de forma a perceber se os pelos estão a ser cortados. O mini jogo não parece oferecer tanta precisão e pode produzir situações menos justas ao contemplar uma variedade de movimentos que conduzem ao mesmo desfecho. O mesmo sucede com "Table Tennis", ao permitir tacadas simples, até que um dos jogadores quebre com uma pancada mais tardia. Estes três jogos não oferecem tanta precisão nos movimentos e dependem em grande medida da nossa atenção aos sons.
O Milk é uma boa tentativa de combinar rapidez com movimentos sincronizados. Replicar a extracção de leite de uma teta da vaca é um desafio primordial que deixará satisfeitos aqueles que conseguirem encontrar o movimento certo, embora não seja tão decisivo olhar o oponente a não ser para criar um efeito de distracção com vista a quebrar a obtenção de copos de leite.
Na mesma linha de "Baseball" está "Samurai Training", um jogo cuja mecânica repousa nos sons produzidos sempre que um dos jogadores desce a espada que tem sobre a cabeça, enquanto que o adversário vai procurar interceptá-la com a palmada. O movimento, conjugado com o som, denuncia a abertura das fracções de segundo, espaço no qual terão que reagir. O alheamento ao televisor é total, embora seja essencial perceber o som como marcação da partida.
28 mini jogos constituem uma oferta significativa, bem suficientes para levarem os jogadores a percorrer todos sem sentir que está tudo visto. Alguns inconvenientes ocorrem quando há necessidade de remover as pulseiras, ou acoplar os "Joy Con" à Switch a fim de adormecerem o bebé. Se estiverem a jogar com o ecrã da Switch terão que tirá-lo do sítio. No entanto estes inconvenientes não prejudicam gravemente o fluxo da experiência, que tem na sua base uma definição muito assertiva sobre o potencial dos "joy con", ao mesmo tempo que lateraliza o ecrã e retoma desafios entre duas pessoas de olhos postos uma na outra, balizados por um árbitro que é no fundo o sistema tecnológico dos movimentos e vibração.