Nintendo Wii U é casa de alguns dos melhores jogos
Como uma consola que vendeu abaixo do esperado está longe de ser um mau sistema.
Anunciada a Switch como a próxima plataforma da Nintendo a chegar ao mercado em Março do próximo ano, não tardou até ser confirmada a cessação da produção da Nintendo Wii U, no começo do mês passado. É a mudança de testemunho esperada. A decisão inevitável põe um ponto final em quatro anos de exercício (mais algum tempo de transição). Não obstante o enorme e indefectível esforço da companhia em entregar jogos de comprovada qualidade, servindo os fãs com algumas das melhores pérolas editadas em consolas da Nintendo, nem assim a Wii U conquistou mercado ou ofereceu luta às outras consolas, e sobretudo faltou convencer os jogadores para lá do reduto preenchido pelos fãs, o que faz da Wii U o sistema doméstico da Nintendo com a pior performance, cifrada em pouco mais de 13 milhões e meio de unidades vendidas.
Isso corresponde a um valor um pouco acima da Dreamcast, com aproximadamente 9 milhões mas com menor período de vida, ainda assim bem distante dos quase 22 milhões da GameCube. Depois do sucesso estrondoso da Wii, a sua sucessora, baseada num sistema de ecrã duplo e de ecrã táctil a partir do GamePad, emulando o conceito DS, não conseguiu singrar, como era intento de Satoru Iwata, então presidente da Nintendo. O ponto quiçá mais dramático da evolução da Wii U é que nem mesmo os produtores se sentiram confortáveis em tirar proveito das possibilidades emergentes e conceito exclusivo da máquina. Embora haja jogos que cumpram o desafio, de forma mais ou menos sustentada, poucos realmente tocaram no nervo com sucesso, ao ponto de apresentarem jogos transformadores desse ponto de vista.
Nintendo Land, vendido em "bundle" com a consola na sua estreia em Novembro de 2012, é um dos poucos títulos que mais consenso reúnem sobre o aproveitamento do Gamepad, juntamente com ZombiU, claramente o melhor jogo do "line up" de lançamento, título oriundo de uma "third party" (a Ubisoft) que à semelhança de tantas outras acabaram por saltar do barco, entregando-o à sua sorte e ao critério da Nintendo, quando começaram a ver que grande parte dos seus jogos (é verdade que muitas vezes conversões preguiçosas) não saíam das prateleiras das lojas. O advento da Wii U prometia efectivamente produções mais fascinantes e melhores que as verificadas na Wii, ainda que fossem visíveis sinais que davam a perceber que poderia ser mais uma vez a Nintendo a carregar às costas a sua plataforma. A Nintendo possui um naipe de produtoras e departamentos de produção, que por si, chegam para abastecer uma consola de grandes exclusivos. Os fãs sabem disso e outros jogadores que não aderiram à Wii U também o sabem, mas o esforço com esta nova consola não chegou para os trazer para o barco.
A performance estrondosa da Wii dependeu quase exclusivamente dos jogos adaptados ao formato por movimento, uma novidade facilmente adoptada pelos jogadores casuais, movidos pela curiosidade e pelo baixo preço da máquina (quando uma PS3 e Xbox 360 custavam bem mais). Muitas produtoras "third party" encontraram sucesso na fórmula e muitos jogos venderam bem. Outros, de formato mais tradicional, designadamente os multiplataformas, compostos por adaptações ligeiras, nem tanto, embora os jogadores pudessem sempre contar com a experiência e o saber da Nintendo. Super Mario Galaxy é dos melhores jogos que joguei nos últimos dez anos e foi a razão, aliás, porque só comprei a minha Wii em 2007.
Mas será que uma consola incapaz de singrar no mercado e alcançar uma performance ao nível das consolas com pior performance significa que estamos diante de um mau sistema? Faltaram bons jogos à Wii U? Será que a Nintendo arriscou demasiado na originalidade em prol da eficiência? Ou será que as preferências do mercado mudaram? Julgo que há uma série de factores que ajudam a perceber o fracasso. A Nintendo cometeu erros com a Wii U, subvalorizou dúvidas que muitos apontaram na fase final da Wii, nomeadamente que a bolha dos casuais poderia esgotar-se depressa com a ascenção do mobile. Também é verdade que o mercado está a mudar, cada vez mais comandado por jogos triple A e os crónicos contendores de final do ano, que simplesmente aniquilam toda a concorrência e lideram os tops de vendas, embora isso seja sempre assim desde há gerações. A esmagadora maioria dos jogadores move-se dentro de determinados géneros e conceitos. São os gostos dos jogadores que prevalecem, os seus votos e as editoras sabem que explorando isso vendem mais facilmente os seus produtos e recuperam depressa os seus investimentos.
Já não é tão certa qualquer tentativa de ver a Wii U como uma má consola. Mais próxima do poder de processamento da PS3 ou Xbox 360 e mais longe de uma PS4 ou Xbox One, encontramos na Wii U jogos de uma performance assinalável; experiências fluidas, vibrantes e deveras coloridas, que não ficam nada atrás do melhor produzido para as rivais. O catálogo de jogos "third party" pode ser escasso. Já não vimos uma Capcom a publicar uma bomba do tipo Resident Evil 4 (eu sei que há quem abomine este jogo mas eu adoro-o e não vou desistir de escrevê-lo) ou uma Konami a puxar pelos galões, através dos Castlevania "old school" (os melhores até saíram na GBA e na Nintendo DS), mesmo tendo faltado o magnífico Metal Gear Rising Revengeance. No entanto, vimos uma Platinum Games esmerada, com um altíssimo The Wonderful 101, pérola do excêntrico Kamiya. E mesmo sem dirigir a sequela de Bayonetta, a edição que sucedeu o original, exclusivamente para a Wii U, quando a Sega perdeu o entusiasmo e orçamento para publicação, é uma das experiências imprescindíveis e mais estonteantes. Juntando Rayman Origins à lista e temos um naipe de produções independentes, lideradas pelo notável Shovel Knight. Não faltaram jogos editados para lá da esfera da Nintendo, embora pudessem ter sido mais, muito mais.
Ao longo de quatro anos encontrei na Wii U um dos melhores redutos "gaming". Experiências que jamais esquecerei, sobretudo quando equacionamos as fantásticas produções da casa. Neste espaço de vida útil a Nintendo foi hábil em publicar no tempo certo o seu melhor, preenchendo cada ano com um bombardeamento quase cirurgico. Este ano foi óbvia a redução das publicações, assim que a empresa percebeu que não valia mais a pena canalizar esforços para uma consola incapaz de corresponder. Ainda é cedo para perceber até que ponto o impacto dos jogos exclusivos da Wii U terá numa avaliação póstuma. A GameCube, por exemplo, é talvez um dos sistemas mais elogiados pela comunidade "gaming" em termos de qualidade de oferta. Um F-Zero GX, jogo com mais de dez anos, ainda hoje se joga estupidamente bem. A GameCube é a última consola com a qual a Nintendo competiu directamente com as rivais, a últma com especificações ao nível das outras plataformas. Numa equiparação entre o que GameCube e Wii U representarão no futuro, em termos de avaliação entre as consolas com menor projecção, os resultados não andarão muito longe. As diferenças são pontuais: se à GameCube faltou um Super Mario com o selo de um Galaxy ou 3D World, à Wii U faltou um Zelda novo (adiado para a Switch e que poucos aproveitarão na Wii U), não obstante duas excelentes remasterizações.
Mas é na linha dos títulos "first party" que a Wii U se mostra como uma bela consola, capaz de algumas das melhores experiências dos últimos anos. Mario Kart 8 é notável em termos de experiência arcade, marcado pela acessibilidade, desafio e performance. Super Mario 3D World lembra-nos como jogar é gratificante, um daqueles jogos em que a corrente passa e passa. Se a Nintendo conseguiu não perder de vista o legado Mario Galaxy em 3D, já no 2D, com Super Mario Maker, conseguiu trazer nostalgia e sentido de partilha entre a comunidade. Super Mario Maker é o tributo supremo da própria Nintendo à origem da série. Eu sei como isso é porque estive em Los Angeles em 2015 a assistir ao mítico Nintendo World Championships e senti como aquela gente reagiu, sem palmas ou risos gravados, quando os finalistas iniciaram a competição naqueles níveis engenhosamente criados em 2D. Aquilo foi genuíno. Pena que a Nintendo não tenha querido ir nesse sentido quando optou por publicar a versão 3DS no formato que sabemos (sem uma verdadeira partilha de níveis). No entanto é o melhor Mario 2D em anos e quiçá de sempre, disponível na Wii U.
E quando chamada a mostrar o que podia fazer num género dominado pelos ocidentais, como o sempre hiper realista género FPS (first person shooter), a Nintendo surpreende o mundo/indústria com o brilhantismo e classe de Splatoon, mostrando que competir através de armas é um exercício que pode ser com tintas e pinta em vez de sangue. Que os fps's podem apresentar humor, um design impecável e especial, sem ser sempre a guerra no médio oriente, a primeira ou segunda guerra mundial. Durante um ano Splatoon concentrou os jogadores e provou que a Nintendo consegue fazer diferente com sucesso, sem ter que recorrer às cópias ou aquilo que é mais requisitado no mercado, mesmo com algumas limitações como a ausência do "chat por voz" e um modo individual algo restrito. Splatoon é uma das memórias mais ricas da Wii U.
A lista é imensa, e prossegue, seja em torno do carinhoso e engenhoso Captain Toad, até no regresso de Pikmin, embora neste ponto seja inevitável o encontro com Xenoblade Chronicles X, seguramente o trabalho mais emblemático e profundo de Tetsuya Takahashi (criador de Xenogears e Xenoblade Chronicles), que nos apresentou mais uma vez um mundo brutal e toda uma componente de exploração que faz as delícias dos fãs dos jogos de role play. É um dos mais impressionantes jogos do catálogo da Wii U e claramente um título que ficará entre os melhores.
Este último ano foi claramente um ano menos abundante e destituído de surpresas positivas. Star Fox Zero não conseguiu alcançar um sistema de comando cómodo e sólido e Paper Mario Color Splash está bem longe do brilhantismo de Paper Mario: Thousand Year Door. Pelo meio um novo Zelda remasterizado (The Twilight Princess) não chegou para tapar o vazio deixado por Breath of the Wild (2016 esteve para ser o ano dele). Claramente em fase de encerramento e transição não se esperam grandes lançamentos. Seria um erro e uma oportunidade para deitar fora uns tantos jogos com potencial.
Apesar de um ano menos bom, os três primeiros foram notáveis e evidenciam de forma clara que a Wii U pode ser muitas coisas menos um sistema com mais jogos, antes pelo contrário, é casa de alguns dos melhores títulos produzidos pela Nintendo. Outros factores que não os jogos contribuíram para a menor performance no mercado. Ainda agora é uma consola teimosamente fixa nos 300 euros (quando podia ser libertada), com um sistema online deveras limitado e um conceito que ficou por explorar, incapaz de cativar os jogadores casuais e cair na moda. Mas entre os jogadores de sempre, fãs e aqueles que procuram boas experiências, a Wii U foi e é um bom lugar para se estar. À Wii U só faltou acertar onde não podia falhar, nas vendas, para ser o sonho perfeito tornado real, porque em qualidade de experiências a Nintendo concretizou na "mouche".