A dimensão militar e estratégica é o núcleo de Advance Wars 1+2 Re-Boot Camp
Comandar as tropas por ar, terra e mar no teatro de operações.
Após uma série de adiamentos, um dos quais motivado em 2022 pela invasão da Rússia à Ucrânia, dado que o jogo seria lançado com a guerra em curso, a Nintendo optou por adiar por praticamente um ano este “reboot” da franquia Advance Wars para a Nintendo Switch. Curiosamente, o original Advance Wars, para a GBA, fora lançado na versão ocidental para os Estados Unidos no dia 10 de Setembro de 2001, véspera do ataque às torres gémeas de Nova Iorque, o que condicionou o lançamento para a Europa, forçando um adiamento.
Não sei se outra companhia tomaria a mesma decisão, mas a Nintendo parece trabalhar esta questão de consciência, numa postura que alguns poderão qualificar como demasiado zelosa para um jogo que reproduz a guerra do ponto de vista estratégico e militar, mas cuja forma se materializa de uma forma leve, distante dos horrores e atrocidades que se vivem numa guerra. Em Advance Wars prima a estratégia e até uma certa boa disposição, como a que vivemos quando jogamos à batalha naval e acabamos de afundar um porta-aviões. Não há sangue, corpos mutilados, nem explosões.
Os combates e choques entre os diferentes exércitos são recriados com leveza do ponto de vista da apresentação, mediante uma série de características definidoras de um conjunto de unidades e que, uma vez postas em confronto, podem produzir diferentes desfechos. Há uma arte gráfica da autoria de Ryo Hirata que nos lembra os visuais das séries animadas japonesas, bem como da manga, especialmente no desenho das personagens e comandantes dos exércitos em oposição.
Esse traço particularmente colorido evolui depois para o teatro de guerra, apresentado sob a forma de uma grelha quadriculada na qual vemos as nossas unidades distribuídas, em tamanho miniatura mas deliciosamente detalhadas, à espera das nossas ordens para a movimentação no terreno. O confronto directo é precedido de uma breve cena animada, na qual um ecrã dividido nos mostra o resultado do ataque, levando o nosso comandante a um esgar e o rival a um cerrar dos dentes quando a sua unidade é desfeita. Não há nada de horrendo, antes uma espécie de confronto engre unidades, como um combate que se resume a números.
Conhecida no Japão como a Saga Wars, é produzida pela Intelligent Systems, subsidiária da Nintendo e a mesma produtora de Paper Mario e Fire Emblem, desde os longínquos sistemas Famicom e Game Boy. Só com a chegada do sistema Game Boy Advance, em 2001 é que os jogos da série passaram a ser editados também no ocidente, levando a sua popularidade para fora de portas. Para a GBA foram editados o original Advance Wars e a sequela Advance Wars 2: Black Hole Rising, dois títulos títulos que se tornaram emblemáticos precisamente por terem sido os primeiros a chegar até nós. Num tempo em que a importação ainda era reduzida, não obstante o conhecimento da série Fire Emblem, com a qual Advance Wars partilha bastantes afinidades do ponto de vista da construção das batalhas, a saga ganhou uma conotação central ao ponto de serem editados mais jogos para as plataformas sucessoras da GBA.
Mas os dois primeiros permaneceram icónicos. Se a série não tem conhecido novos desenvolvimentos nos últimos anos, este remake dos dois jogos editados para a GBA será uma oportunidade para muitos contactarem pela primeira vez com Advance Wars. O subtítulo 1+2 Re-Boot Camp refere precisamente a inclusão das duas campanhas. Mas há também o multiplayer online (ausente nos originais), uma série de personalizáveis, uma loja com novos mapas e uma redefinição visual dos gráficos e da própria arte do jogo. A tarefa deste remake está a cargo da WayForward, veterana na produção de jogos 2D dos tempos 16 e 32-bit.
"Conhecida no Japão como a Saga Wars, é produzida pela Intelligent Systems, subsidiária da Nintendo e a mesma produtora de Paper Mario e Fire Emblem"
Com quase uma dezena de horas registadas, o contacto com esta versão de Advance Wars para a Switch mostra-nos muitas diferenças para os originais. Os múltiplos “tutorials” dos originais desapareceram e alguns deles passaram a estar integrados nas diferentes fases da campanha. O ardil do confronto está numa série de ataques causados por uma nação vizinha à outra. Aqui vestimos a pele dos comandantes do Orange Star, enquanto que Blue Moon é o exército rival. As missões são de grau de dificuldade variável, mas comparado com o mais recente Fire Emblem não se pode dizer que seja um título mais acessível, pelo contrário. Nalgumas missões um erro ao movimentar uma unidade pode ser suficiente para deitar tudo a perder.
Para vencer o rival é possível fazê-lo por duas vias: ocupando o quartel-general com as tropas de infantaria ou “mechs” (estão a imaginar os ucranianos equipados com os Javelin), essencial para capturar bases e fábricas, ou então, mais difícil, derrotando todas as unidades do exército rival. Do ponto de vista estratégico e essa é uma das maiores virtudes destes jogos, estamos perante uma espécie de compêndio sobre a estratégia militar contemporânea, em que todas as dimensões de uma batalha estão em jogo, desde unidades de reconhecimento, à infantaria, transporte, tanques, artilharia, defesa anti-aérea, aviões de combate e transporte, submarinos e corvetas.
A dimensão estratégica é realmente impressionante de acordo com o equipamento disponível. Por outro lado, o terreno desempenha um papel fundamental no avanço e na distribuição das tropas e unidades de combate. As variáveis são grandes. As fábricas que permitem a construção de mais tanques, infantaria e equipamento, estão em constante actividade. É normal que no decurso de muitas missões cheguem a ter combates com duração superior a uma hora. Acredito que é esta dimensão estratégica, diversificada nas opções e equipamento à disposição, que fazem destes dois jogos uma espécie de compêndio vivo da estratégia e combate em pleno século XXI. Destituído dos elementos de fantasia de um Fire Emblem, é a componente militar e realista que sobressai em Advance Wars 1+2:Re-Boot Camp.