A importância social dos videojogos
League of Legends, o novo “terceiro lugar” social.
Esta semana argui uma dissertação de mestrado que tinha como foco a analise do "League of Legends" de uma perspectiva sociológica [1]. A ideia principal passava por estudar o modo como os jogadores encaram o espaço de jogo em termos sociais, ou seja a criação de sentimento de comunidade. Susana Soares, jogadora hard-core de "League of Legends", desenhou o seu método de análise a partir da obra "The Great Good Place" (1989) do sociólogo americano Ray Oldenburg.
No seu trabalho Oldenburg defende a divisão do espaço social em três lugares: o primeiro lugar, a casa ou lar, o lugar de socialização primária; o segundo lugar, o do trabalho que representa um investimento de tempo considerável porque é fundamental no sustento e realização pessoal do sujeito; e o terceiro lugar que constituído pelos locais de convívio - cafés, restaurantes, bibliotecas, etc. Ao longo da sua vida Oldenburg dedicou a sua investigação à defesa da importância deste "terceiro lugar", categorizando-o de "coração da comunidade", defendendo a comunidade como vital para o bem-estar físico, social e psicológico do indivíduo.
Ora a proposta de Soares, na sua dissertação, é de que os terceiros lugares sofreram transformações profundas nos últimos anos graças ao avanço tecnológico e consequente desenvolvimento de novas formas de comunicação, nomeadamente no chamado plano online. Dessa forma Soares propõe que "League of Legends" seja visto como um desses terceiros lugares. Um lugar que segundo Oldenburg se define pela natureza igualitária, acessível ao público em geral, não discriminatório. Um lugar no qual a conversa é agradável e o ambiente tende a ser divertido. Além disso um lugar ao qual as pessoas se podem deslocar sozinhas, em qualquer altura do dia, sabendo que terão sempre ali companhia à sua espera. O centro de interesse são as pessoas, e não o espaço em si, que é visto apenas como um potenciador ou mediador da relação entre as pessoas. Os terceiros lugares pela sua importância chegam a competir com os primeiros lugares, a casa, uma vez que "providenciam regeneração social, liberdade, calor e apropriação".
Ora tudo isto, que define o terceiro lugar, pode ser encontrado no café da esquina, na praça central da aldeia, no campo de futebol do concelho, nas redondezas do centro comercial do bairro, no cabeleireiro das senhoras, assim como pode ser encontrado em "League of Legends" como nos diz Soares depois de ter realizado a sua investigação. Mas podemos dizer que também pode ser encontrado em "WoW", em "Dota", em "Eve Online", etc. etc.
Ou seja, provavelmente será tempo de assumirmos os videojogos como parte integrante da nossa cultura. Assumir os videojogos não como um elemento estranho que invadiu as cabeças das crianças, adolescentes e adultos, mas antes como uma evolução natural dos espaços culturais que habitamos. Os videojogos foram criados por nós, porque nós quisemos, porque nós os desejámos. Os videojogos não são um mero entretenimento, desprovidos de sentido, desprovidos de mais valia para o ser humano, não se dedicam apenas a derreter o nosso tempo com inutilidades. Os videojogos, neste caso concreto os videojogos online, são vitais nesta fase evolutiva da nossa sociedade, para a criação e manutenção de comunidades que por sua vez são vitais para o bem-estar psíquico dos indivíduos, e consequentemente para a estabilidade emocional da sociedade como um todo.
E é por isso que não deixa de ser bastante incómodo ver numa apresentação da PS4 num dos canais britânicos nacionais, o Channel 4, o guionista da série "Black Mirror", Charlie Brooker, a entrar quase em desespero com as perguntas ou provocações, sem o menor nexo, de um dos jornalistas de televisão mais respeitados de Inglaterra, Jon Snow [ver vídeo acima]. Brooker não fala aqui especificamente do online, mas defende muitíssimo bem a importância dos videojogos quando refere que este é um dos poucos media que ainda se encontra em evolução, e que por isso nos permite continuar a inovar e a criar sem limites, geração após geração. Mas Snow parece estar apenas interessado nos alegados problemas dos videojogos, pois esse é o discurso popular, ou melhor, o discurso de quem pertence às esferas de elite e que pretende ditar o comportamento dos demais.
No fundo o que podemos reter de tudo isto, é que estamos assistir a um outro fenómeno social que avança em contraponto, a reação dos indivíduos à mudança. Sempre que algo se altera na sociedade, a resposta mais comum não é procurar perceber porquê e como nos podemos adaptar, mas antes refutar e retaliar por todos os meios. Procurar manter o que se conhece, mesmo que isso não seja o melhor para nós enquanto indivíduos. Contudo, e apesar de toda esta retaliação a que a cultura dos videojogos tem sido exposta, em 2013 é por demais evidente que o espaço conquistado por este meio de expressão não tenderá a diminuir, mas antes a aumentar. Se ainda alguém, jogador ou não, tiver dúvidas, aconselho apenas o visionamento de "2013 in Gaming: The Year in Under 2 Minutes" de Malcolm Klock [ver vídeo abaixo] para poder aceder a uma pequena amostra daquilo de que esta indústria é capaz.
[1] Susana Alexandra Gomes Soares, (2013), A Representação Dos Lugares No Jogo Online League Of Legends, Mestrado em Comunicação Multimédia, Universidade de Aveiro