A Manipulação dos Jogos Sociais
O uso da psicologia de persuasão no desenho dos jogos sociais.
Este modelo assenta nos princípios do ato de jogar, que é um ato formatado por regras e que leva a que se criem quadros de resultados, campeonatos, prémios, etc. São todos estes elementos que geram a motivação de grupo e que incitam à continuidade de qualquer jogo. No fundo é isto que provoca a vontade de estar em primeiro lugar num quadro de resultados (score). No tradicional conceito de jogo estas lógicas perfilam um aumento da qualidade e eficiência no jogo, em que os scores são as próprias metas e obrigam a que os jogadores melhorem, que se superem para figurar na tabela.
O problema com os jogos sociais é que a informação veiculada funciona apenas com o intuito de estimular os comportamentos automáticos que a prova social induz, ou seja atrair jogadores para o jogo. A informação produzida não tem como intuito melhorar o jogo, ou incentivar os seus jogadores a superarem-se, mas apenas e só aumentar a massa de jogadores. Porque é com a entrada de mais jogadores que este poderá garantir maiores percentagens de lucro. No fundo assistimos a uma manipulação das lógicas de jogo, tendo por base os factores de persuasão para assim influenciar o volume de negócios.
Atração
Como regra, preferimos dizer sim aos pedidos de pessoas que conhecemos e de quem gostamos. Neste sentido não é por mero acaso que o Facebook usa as funcionalidades/palavras "Amigos" e "Gosto" e impede a utilização do "Não Gosto", apesar dos milhares de pedidos dos utilizadores que se podem encontrar na rede. Porque são estas as palavras mágicas que podem garantir um aumento constante da sua rede social. É por esta via que se garante a atratividade de mais e mais pessoas, porque estas seguem mais quem gostam, criando efeitos massivos de ligação em pirâmide.
De uma forma mais simples, a atracão é o ingrediente que amplia o factor de prova social anteriormente discutido. Porque se as pessoas têm tendência a seguir o grupo, maior tendência têm a seguir quem dentro desse grupo for amigo ou atrativo (ex. celebridades ou o mais popular da escola). Daí que a corrente de informação apesar de funcionar pela via da prova social pode funcionar no seio desta também pela via da atratividade.
Ora este é mais um elemento que Farmville e Cityville não deixam ao acaso. Sabendo dos princípios da reciprocidade e prova social estes vão exigir aos seus jogadores que para atingir determinados patamares tenham de ter um número mínimo de "vizinhos". Ou seja, o jogador é levado a ter de conquistar pessoas reais para o universo do jogo. O modo como o fará será quase sempre apelando às pessoas que "gostam" de si, de modo a poder garantir que estas vão realmente entrar no jogo e assim atribuir-lhe mais um ponto na tabela do número de vizinhos. As pessoas porque gostam uma da outra, podem até nem gostar de jogar, mas por amizade real, dizem sim, e entram no jogo de um modo, ainda que indireto, totalmente manipulado pelos criadores do jogo.
"Podemos dizer que os jogos sociais não são mais do que uma estratégia de manipulação dos jogadores para ganhar dinheiro."
Como pudemos ver os jogos sociais, nomeadamente Farmville e Cityville, fazem uso de técnicas de manipulação no design das mecânicas de jogo, incidindo sobretudo sobre estratégias de persuasão de carácter social. Os jogos sociais socorrem-se de estratégias claras de persuasão do interesse das comunidades e de modos de manipulação da atenção dessas comunidades. Em certa medida o jogador sente que as suas ações concretas no jogo têm pouca relevância para o desenrolar do jogo, tem noção que as recompensas aparecem abundantemente, mais para autojustificarem o interesse do jogo do que para certificar o mérito do jogador. Mas por outro lado sente-se acossado pela implacabilidade do jogo em exigir mais e mais amigos, mais e mais publicitação de novas conquistas, pelo aparecimento constante de novos objetos para adquirir e novas atividades onde nada se faz, nas quais apenas se compra ou se convence mais amigos a jogar e a comprar.
Deste modo podemos dizer que os jogos sociais não são mais do que uma estratégia de manipulação dos jogadores para ganhar dinheiro. Que os seus criadores se têm limitado a seguir uma cartilha puramente economicista, desenhando os seus jogos em função da obtenção do lucro imediato, deixando de lado qualquer intenção de criação de valor de entretenimento, esquecendo que as audiências se constroem a médio e longo prazo.
Nelson Zagalo é professor de media interativos na Universidade do Minho e presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.