A persistência nos videojogos
A nossa representação virtual e o futuro dos jogos online.
A internet é um fenómeno que modificou não só a forma como comunicamos, mas mudou também a nossa forma de pensar e em última análise mudou quem nós somos. Assiste-se a uma espécie de socialização e humanização da tecnologia, ao aparecimento de um campo novo de experiências para os humanos, não mais somente no mundo físico, mas por ações em ambientes complexos simulados computacionalmente. No caso dos videojogos isto significa que passamos de um nível onde a experiência se limitava a jogar com os amigos no sofá, para uma plataforma global onde podemos interagir, comunicar e nos compararmos com um universo imenso de jogadores semelhantes a nós.
Goste-se ou não, o sucesso dos jogos online é inegável e as produtoras têm cada vez mais caminhado no sentido de adicionar persistência aos seus títulos, mesmo no caso dos títulos com uma vertente central de "single-player". Tabelas de líderes globais, mercados online, ligação com as redes sociais, perfil online, avatar, os achievements, o sucesso dos jogos do Facebook, os MMO's, são mais do que exemplos suficientes do aumento de preponderância do online no nosso media.
Mesmo fora do PC, que tradicionalmente era visto como a plataforma online de excelência, cada vez mais as experiências de jogo estão de alguma forma ligadas à rede, dedicadas à interação com o outro. O crescimento constante dos videojogos online tem acompanhado o aumento de utilizadores da internet, tendo como maiores exemplos de sucesso o World of Warcraft e mais recentemente o League of Legends.
É verdade que muitas vezes os videojogos são vistos como um escape, uma forma de penetrar num mundo diferente daquele que nos é imposto dia-a-dia na nossa vida "real". A possibilidade de vestir a pele de Link numa aventura em The Legend of Zelda, ou a pele do comandante Shepard em Mass Effect proporciona uma experiência à parte e impossível na vida real.
Mas o homem é um ser social por natureza, cada indivíduo aprende a ser homem através das relações com os outros e da apropriação da realidade criada pelos outros. Numa era em que tudo parece artificial, onde somos forçados a vestir máscaras em todas as nossas atividades, no trabalho, na escola, damos por nós presos, controlados, sem possibilidade de exteriorizar o nosso individualismo.
"É possível que as relações que se estabelecem na rede estejam a assumir uma maior importância do que estávamos habituados."
Isto lembra-me a famosa apresentação de Jesse Schell na DICE2010 ("Beyond Facebook"), onde se questionou sobre o sucesso do filme Avatar, lançando a hipótese "sabemos que a tecnologia nos retira da vida real. O filme trata a questão, será que podemos depois utilizar essa mesma tecnologia para penetrar numa nova realidade, em algo novamente genuíno?".
É possível que as relações que se estabelecem na rede estejam a assumir uma maior importância do que estávamos habituados, e o sucesso dos MMO's em particular advém imenso das relações que nascem da interação entre os indivíduos em contexto de videojogo. O facto de jogar cooperativamente com objetivos partilhados e antagonistas comuns ajuda à criação de laços cuja importância extravasa o simples conteúdo e prazer de jogar.
No caso dos videojogos online, a forma como somos representados varia de jogo para jogo, desde um simples nome numa tabela de líderes, ao perfil no League of Legends até a um avatar em três dimensões num MMO, estes elementos representam uma parte de nós, dizem algo sobre quem somos. Existem jogadores que utilizam o seu nome real, outros que preferem o anonimato de um avatar fantasioso, em qualquer um dos casos, aquela é a nossa representação virtual.
Pode ser uma representação mais simples ou mais complexa dependendo do tipo de plataforma em causa, nas redes sociais e jogos sociais tradicionais são normalmente bastante simples, na maior parte das vezes apenas uma imagem e texto informativo. Já no caso dos videojogos online são normalmente representados com a complexidade possibilitada pela plataforma de jogo em causa.
Nos MMO's por exemplo, o avatar é um aspeto fundamental na experiência dos agentes dentro do mundo virtual. Desde sempre o homem sente a necessidade de aumentar a sua existência, e como tal, para lá de todo o potencial narrativo e de imagem que os videojogos online possam proporcionar, são estas personagens que dão vida ao mundo de jogo, que o tornam especialmente real na nossa mente.
A forma como nos vemos representados cria uma ligação definitiva entre o real e o virtual, ao ponto de a certa altura a representação virtual se tornar mais apelativa, mais gratificante. Distingue-se por ser uma versão invencível de nós próprios, com a capacidade de viver, morrer, renascer, tentar, falhar, e voltar para vencer, ou falhar de novo.
Não posso deixar de partilhar uma definição de Lahti, que é válida para qualquer tipo de avatar num videojogo, não apenas no online, ele fala do avatar como "…uma prótese imaginária que liga o corpo do jogador ao mundo da ficção, enfatizando um contínuo entre o mundo deste e o mundo do jogo".
"Para conhecermos realmente o nosso valor com qualquer tarefa, precisamos nos comparar com um semelhante."
O factor competição é na minha opinião, um dos maiores responsáveis pelo sucesso dos jogos online. Esta competição pode ser direta entre dois ou mais indivíduos, como uma partida de PES ou um mapa de Counter Strike. Pode ser cooperativa, de um grupo contra um desafio controlado pela IA (como as "raids" dos MMO's). E pode ser de estatuto, como o número de conquistas ("achievements") no nosso perfil, ou o facto de pertencermos a uma equipa famosa de LoL ou uma guilda de topo do WoW. A persistência nos videojogos modernos ganham imenso com este último elemento, gravando na rede as conquistas que conseguimos.
Para conhecermos realmente o nosso valor com qualquer tarefa, precisamos nos comparar com um semelhante. Nada mais gratificante do que golear outra pessoa num simulador de futebol ou outro desporto, ou conseguir um grande score numa partida de Battlefield 3. Todos estarão de acordo que vencer outra pessoa é mais divertido do que vencer a inteligência artificial de um jogo, mas melhor ainda, é ter um sistema que prove essas mesmas vitórias.
Coisas como o equipamento de um avatar, o número de jogos platinados num perfil ou os pontos de conquistas servem para isso mesmo. Inicialmente, os "achievements" surgiram como uma forma simples de gratificar o jogador moderadamente de forma constante, e o seu sucesso fez com que as companhias adotassem estes sistemas com cada vez mais força, ao ponto de hoje em dia eles estarem um pouco por todo o lado, mesmo nos remakes que surgem de jogos de gerações anteriores.
Um colega de um MMO dizia-me a certa altura que "os achievements são algo que todos os jogadores ambicionam, mas nenhum admite", não pude deixar de concordar com ele, pelo menos no caso daquele jogo em particular, onde todos inicialmente diziam que as conquistas eram para pessoas sem nada para fazer ("no lifers").
A vitória é algo que para ser pleno, tem que ser partilhado, as nossas conquistas, os nossos gostos e conhecimentos não são nada no vazio. Mesmo no início da indústria nos jogos arcade, os jogadores gastavam horas e muitas moedas apenas para colocar o seu nome na tabela classificativa das máquinas de Tetris ou Metal Slug, mesmo tendo já jogado o mesmo jogo centenas de vezes, faziam-no pelo estatuto.
Não interessa aqui julgar os tipos de conquistas que os jogos oferecem, alguns não têm grande sentido e a maioria continua apenas a servir para "atirar uma bolacha ao jogador", ainda assim, imaginem um futuro onde o nosso avatar poderá ser transversal às várias tecnologias, com informação sobre todos os jogos, todas as conquistas em todas as plataformas, é este o mundo para onde nos dirigimos? É pelo menos neste sentido que temos caminhado, desde as redes sociais até às plataformas online das grandes companhias de videojogos.