Amplitude HD - Análise
Percussões e percepções cerebrais.
Antes de subir a parada com as guitarras de plástico em Guitar Hero, antes da introdução do Kinect em Dance Central e antes do ataque às massas com as baterias de Rock Band, o estúdio Harmonix já fazia do género "ritmo e música" a sua paixão. Até à chegada de Guitar Hero, até ser introduzido o factor fixe, em grande parte devido à irreverente e ousada postura de quem envergava uma guitarra de plástico sem complexos, o Harmonix começou a dar os primeiros passos com Frequency. Numa altura em que os adeptos do género iam ficando fascinados com Parappa the Rapper, Busta-A-Moove, UmJammer Lammy, Guitaroo Man ou Beatmania, o Harmonix mostrou como poderiam chegar mais além.
Enquanto a grande maioria das produções no género vinham do Japão, com uma loucura característica e temas feitos propositadamente, o Harmonix decidiu aproximar o género das multidões ao recorrer a temas de artistas Ocidentais muito conhecidos do público. Depois da primeira tentativa, veio Amplitude para a PlayStation 2, em 2003, que pegava em temas de artistas como David Bowie, Slipknot, Garbage, P.O.D., Weezer, Pink e Blink-182, entre outros, basicamente temos aqui a banda sonora de grande parte dos adolescentes no final dos anos 90/início dos anos 2000, e os colocava num jogo simples mas frenético.
Utilizando apenas três botões, o conceito era tão simples que até podíamos estranhar. Cada instrumento da música correspondia a uma faixa que surgia no ecrã e o jogador tinha que pressionar o botão correcto no devido momento e manter a música a tocar. Após completar uma breve secção de um instrumento, tinha que saltar de imediato para outro de forma a conseguir tocar o maior número de notas sucessivas. Se falhasse demasiadas notas, falhava o tempo de passagem para outro instrumento e rapidamente começava a ouvir somente um ou dois instrumentos, mudando completamente a música.
Descrever o Amplitude original é descrever este remake HD já que o Harmonix voltou às origens para se despir de todos os adereços desnecessários e se focar no que importa, o gameplay. Sem os grandes orçamentos que permitiram desenvolver Rock Band ou Dance Central, sem os apoios de uma grande editora para estourar o dinheiro que desejasse, o estúdio foi forçado a recorrer a uma campanha de financiamento e a adoptar uma postura ainda mais criativa. O que conseguiu é aquilo que pode ser considerado como um autêntico trabalho de amor por um género ao qual dedicou todo o seu tempo de vida.
Sendo lançado de forma independente, com um orçamento reduzido, e que até esteve em risco de nem existir, é fácil compreender que Amplitude HD chegue limitado e sem a exagerada espectacularidade a que o Harmonix nos habituou nos tempos recentes. No entanto, a noção que o estúdio lutou e de tudo fez para que este jogo existisse, com tantos contra-tempos, é uma prova da dedicação que colocou em tudo o que o que o compõe. Assim sendo, é fácil perceber que a lista de músicas não conta com artistas conhecidos pela grande maioria, mas sim com produções internas e por colaborações de artistas que frequentam os corredores dos estúdios que desenvolvem videojogos.
Poderá ser o elemento que mais distancia Amplitude HD do mainstream, a ausência das músicas mais ouvidas nas rádios, as bandas mais sonantes que todos os amigos conhecem, que tornariam o jogo mais amigável do grande público. No entanto, é fruto de algumas das mais criativas mentes da actualidade, a trabalhar nesta indústria dedicadas a este género. Podem não ser conhecidas mas vão ficar na cabeça e isso é o suficiente. Algumas delas contêm uma melodia, ou batida, que captam o nosso ouvido e conseguem cumprir o propósito de nos agradar de forma a procurar repetir para melhorar a pontuação.
Dito isto, temos então um jogo que pega na fórmula do original, que se mantém irresistivelmente simples, qualquer um olha e pensa que consegue jogar, mas que nos mergulha numa experiência frenética, de dificuldade considerável. Enganam-se todos os que acreditam que um gameplay com apenas três botões é desde logo fácil de dominar. Adicionem uma boa velocidade, a constante necessidade de trocar de faixas para manter os diferentes instrumentos a tocar, mais notas do que acreditariam ser possível num espaço tão pequeno, e rapidamente o pensamento inverte-se, agradecem por apenas termos três botões.
Como já é tradição, existem pequenos power ups que podemos recolher ao completar com sucesso a respectiva sequência de notas e estes permitem duplicar a pontuação (acreditem que se quiserem subir nas tabelas de pontuações precisam mesmo encadear com sucesso não só notas sucessivas mas alternar com sucesso entre diferentes faixas), abrandar a velocidade da música, permitir por algum tempo não ter notas para tocar, ou até limpar toda uma secção de um instrumento de uma vez. São muito úteis e como manda a lei nos jogos de ritmo e música, temos um sistema de maior profundidade pois permitem tornar-se em factores importantes na nossa estratégia de jogo.
Amplitude HD enverga um factor altamente curioso, na forma das naves que vemos à nossa frente. Estas naves disparam lasers sempre que pressionámos um botão e representam, de certa forma, os instrumentos. Estas naves, existem quatro diferentes, são um elo condutor para que o jogador tenha um indicador visual de quando pressionar o botão. Com a ajuda da velocidade e ritmo da experiência, conciliado com a componente gráfica que rodeia as faixas de jogo, criam uma espécie de experiência abstracta na qual o nosso cérebro é testado.
"Amplitude HD exige treino e dedicação. Parece simples mas o vosso cérebro precisá assimilar muita coisa para corresponder."
Podem acreditar que Amplitude HD foi um dos jogos em que mais senti a evolução em termos cerebrais. Quando peguei no jogo, mal conseguia tolerar os visuais, a velocidade e o ritmo indicado para pressionar os botões pois tudo parecia demasiado agressivo para a minha mente. E isto a jogar em Intermédio. Passadas algumas horas, já dominava essa dificuldade mas ainda não estava pronto para Avançado (depois ainda existe Experiente) e ainda não conseguia acompanhar o ritmo. Passados dois dias, com algumas sessões intensas pelo meio, já tolerava os visuais, o ritmo de jogo e acima de tudo a dificuldade. Já consigia terminar a maior parte das músicas em Avançado e os reflexos já aumentaram o suficiente para jogar quase sem pensar, executando assim que via as indicações.
Nas cerca de 15 músicas aqui presentes, que podem desbloquear num modo campanha ou no modo Livre, as duas opções que temos à escolha, é fácil sentir a progressão e como nos estamos a habituar ao jogo porque os reflexos aumentam e a nossa capacidade de resposta é premiada. De igual forma, é fácil sentir que, tal como na campanha, esta é uma experiência sensorial e cerebral que vai testar as nossas capacidades. Tal como o paciente que é alvo de um teste de percepção, também nós sentimos que os nossos sentidos estão a ser testados e apurados por uma experiência que engana ao fazer-se parecer simples quando na verdade é brutal e um vício autêntico.
É especialmente um êxtase para quem for jogar com amigos, até quatro em cooperativo ou competitivo, já que permitem unir os esforços ou mostrar quem manda. No entanto, o gameplay simples e desprovido de elementos artificiais para enganar o jogador, apenas focado naquilo que é e na experiência que procura oferecer, são mesmo dos seus melhores argumentos. Visualmente, acaba por captar a atenção do jogador pelos diversos efeitos e pela experiência visual abstracta que se vai desenrolando à nossa frente. Altamente colorido e por vezes demasiado para o nosso cérebro, Amplitude HD pode até escapar-nos em termos visuais. Frequentemente, só recorrendo aos filmes gravados via Share é que conseguia visualizar o resto, de tal forma compenetrados que ficámos enquanto jogámos.
Amplitude HD pode não ter músicas conhecidas mas tem músicas que vão ficar na vossa memória e cujo melhor elogio que posso fazer é que se vão lembrar delas e depois associar ao jogo. Existem elementos gameplay que aprofundam o género, como certos segmentos que nos obrigam a executar sequências sem falhar senão uma barreira corta-nos a energia da nave correndo o risco de perder a meio da música, e sem quaisquer dúvidas que demonstra a habilidade destes programadores, sem esquecer a paixão e dedicação ao género.
Amplitude HD não ostenta a grandiosidade de outras produções do Harmonix, o que pessoalmente até acaba por ser bom pois não temos serviços constrangedores ditados por uma qualquer grande editora, nem sequer temos mecanismos artificiais para ocupar tempo. O que temos é um trabalho de paixão, feito por quem se dedicou ao ritmo e à música, para quem é apaixonado pelas frequências sonoras que nos percorrem o cérebro. Exige alguma adaptação e treino, não ouvirás sonoridades populares e provavelmente os teus amigos vão acreditar que não é o jogo fixe de música que te esperavam ver jogar, mas tu vais-te sentir muito fixe com este Amplitude HD.