Another World - 20th Anniversary Edition - Análise
Uma viagem no tempo e no espaço.
Another World é uma das produções mais relevantes no quadro das aventuras de ficção científica, acção e plataformas, e uma das primeiras a apresentar segmentos cinematográficos, numa combinação muito segura de design, ambiente e efeitos especiais. As aventuras gráficas tiveram, desde o princípio dos anos noventa, um desenvolvimento exponencial, representado, hoje, nas aventuras modernas de acção, com todo um acervo de personagens reproduzidas ao mais ínfimo detalhe e eivadas de emoções e personalidades.
Mas, em 1991, o trabalho desenvolvido pelo designer Eric Chahi e o criador Martial Esse Dreville deixou uma marca, sobretudo a partir daquela memorável abertura, quando observamos a personagem central do jogo, um jovem cientista chamado Lester Knight Chaykin, estacionar o seu Ferrari à entrada do laboratório, onde leva a cabo uma experiência nuclear. Durante mais algum tempo e através de segmentos de forte traço cinematográfico, observamos que algo corre mal e que por força de um relâmpago, a personagem é puxada para outro mundo.
O que se segue é o primeiro contacto com um mundo novo. A descoberta, os primeiros passos, a corrida, o salto, o pontapé às primeiras criaturas alienígenas. Os movimentos são básicos mas o erro parece espreitar dentro de um simples "frame". Basta uma desconcentração, um avanço prolongado ou mais destemido, para que algo imprevisível suceda, como uma mordidela de um tentáculo ou uma queda sobre espinhos. É a morte do cientista. Mas logo tornamos a repetir a secção, num processo cíclico de aprendizagem que perdura até que tenhamos sido capazes de sair daquele espaço estreito. E enquanto vamos descobrindo um pouco mais sobre aquele mundo misterioso, os intervalos, através de cenas animadas, desvendam um pouco mais do espaço que nos rodeia. Entre sons como ecos de gotas de água caindo numa caverna, rajadas de vento e motor de um elevador, a narrativa constrói-se como quem ergue um muro, capítulo sobre capítulo.
Embora o cenário ao fundo seja desolador e inquietante, acabamos sempre por encontrar pormenores que fazem a diferença, especialmente assim que acedemos a uma pistola deixada por um dos guardas que vigiava a gaiola de onde conseguimos fugir e com a qual podemos interagir mais dentro de certos espaços, derrubando paredes, matando inimigos e quebrando a defesa de certos sistemas. Em zonas abertas encontramos tentáculos venenosos, plantas carnívoras e criaturas com dentes afiados. Todo o ambiente é perfeito e suficientemente intrigante, ao ponto de aguçar a curiosidade do jogador, porque no meio daquele nenhures, algures entre zonas montanhosas, como que oriundas de um planeta Marte suposto antes de descoberto, encontramos instalações como prisões e áreas interiores dotadas de electricidade e outros sistemas. O que se esconde naquele mundo é a questão que se atravessa do princípio ao fim do jogo.
Mas Another World requer paciência e uma boa dose de disponibilidade para repetir certas secções até passar o erro. No fundo, o jogo é quase como aqueles "shooters on rails". O caminho está predefinido e só pode ser seguido o trajecto criado pelo produtor. Cabe-nos ser eficazes nos momentos de decisão. Com tempo, aprendemos a dosear a emoção, a avançar escutando o ambiente e a observar de onde poderão emergir obstáculos. Só que isso é uma tarefa quase impossível. A margem de imprevisibilidade supera toda a tentativa de antecipação e só na posse de um faq alcançaríamos a proeza de acabar o jogo sem perder uma vida. No fundo, há alguma correspondência quando pensamos em Dark Souls. A certa altura, as vias de saída de uma situação multiplicam-se e aí somos levados a escolher, ao acaso. Por momentos o nível de frustração aumenta, pois não se esperava que ao avançar para o quadro seguinte tínhamos um inimigo pronto a carregar sobre nós. Contudo, aos poucos vamos recuperando satisfação e prazer pelas conquistas, pela progressiva conquista e revelação do jogo. A exploração, aliada à diversidade de momentos e ao nível de dificuldade nalguns pontos do cenário, torna tudo mais aliciante, mesmo que saibamos que seguimos sempre o percurso traçado pelos produtores.
Uma das novidades desta edição comemorativa dos vinte anos do jogo, é a possibilidade de selecção de um dos três níveis de dificuldade. Na dificuldade máxima, o jogo será um desafio até mesmo para os jogadores que acabaram Another World noutras plataformas. Na dificuldade máxima encontram sobretudo mais obstáculos, algo que retarda e torna mais complexa a progressão.
E embora os seus gráficos sejam minimalistas, especialmente se jogarmos nas definições originais, há uma estética muito forte e até original que mesmo depois destes anos em cima e com outras dezenas de aventuras, não perdeu aquele particular encanto. Embora com predominância de cores escuras, sombras e muitas tonalidades de cinzentos e azuis, algumas cores mais contrastantes em certas passagens e o cabelo do protagonista, continuam inconfundíveis. Nesta versão para a Wii U e para a 3DS, ao pressionarmos o botão Y operamos a transição entre o grafismo original e os gráficos remasterizados para a alta definição. Esta transição é operada numa fracção de segundo, enquanto jogamos deixando ver as diferenças.
Um dos pormenores que sobressair depressa é o desaparecimento do efeito granulado e a justaposição de mais alguns detalhes, com desenhos e texturas, como as estalactites as rugas das rochas, o que contribui para uma melhor definição especialmente em termos de profundidade e dimensão de espaço, num 2D mais encorpado. Os efeitos de luz também reforçam o aspecto dos interiores, com mais sombreados. Todavia, há uma moderação nestes novos efeitos e a remasterização nunca nega a intenção do original, o que é positivo.
A física permanece como um dos elementos mais sólidos do jogo. A movimentação da personagem é muito elegante, segura e precisa. Tudo depende da precisão operada pelo jogador para que possa contornar com sucesso os inúmeros perigos, mas no geral a interacção não oferece quaisquer problemas. Na versão Wii U optei por jogar com o d-pad, por permitir um controlo mais preciso da personagem. A banda sonora também foi alvo de remasterização, algo que é muito perceptível desde o começo e que vem reforçar a atmosfera e dimensão deste peculiar mundo alienígena. Outras opções incluem o modo off-TV na versão Wii U. Já os efeitos do ecrã estereoscópico da 3DS não se fazem sentir.
Após a magnífica recepção em 1991, Another World continua a chegar a mais plataformas e a ganhar sucessivas reedições, mas nem por isso deixa de ser uma experiência valiosa, especialmente se por alguma razão não jogaram esta aventura dotada de uma atmosfera riquíssima, proporcionando um bom desafio de acção e plataformas, ainda que dentro de uma estrutura linear. Esta edição comemorativa dos 20 anos de Another World não é uma estreia ou novidade, mas é seguramente a edição que melhor tributo presta a um clássico intemporal.