Passar para o conteúdo principal

Ghost of Tsushima - Review - O Último Samurai

Um poema interactivo ao cinema samurai.

Eurogamer.pt - Obrigatório crachá
Um verdadeiro sonho para os amantes do Japão Feudal e Samurais. Um jogo há muito desejado que triunfa através da sua metodologia e design.

Ghost of Tsushima pode ser descrito como um jogo de sonho. Se cresceste fascinado com a cultura japonesa, especialmente com o que está relacionado com o Japão Feudal e os samurais, certamente guardas boas memórias de séries, filmes ou manga com histórias sobre esses honrados guerreiros e todas as camadas do código de honra. Existem inúmeras formas de saciar o apetite por conteúdos relacionados com estes guerreiros feudais. Seja através de anime como Rurouni Kenshin, Ninja Scroll ou até mesmo Sengoku Basara, manga como Blade of the Immortal ou Usagi Yojimbo, estas foram algumas das formas através das quais expandi a minha paixão pelos samurais. No entanto, é inegável que é através do cinema, com as obras de realizadores como Toshiya Fujita, Masaki Kobayashi e especialmente Akira Kurosawa que terás aquele que é provavelmente o mais esplendoroso olhar a esta temática.

Estas obras e o fascínio pelo período dos samurais (mesmo com um maior foco na era Sengoku ou Tokugawa) deram origem a produções que de uma perspectiva exterior à japonesa explanavam o seu encanto por estes guerreiros. A série Shogun ou o filme The Last Samurai de Edward Zwick são dois fortes exemplos disso e do olhar exterior sobre algo tão japonês. Materiais inspiradores que nos permitem viajar para outras eras e sentir que alguém partilha do nosso fascínio e é talentoso o suficiente para o expressar.

Agora, podes adicionar Ghost of Tsushima a essa lista de trabalhos desenvolvidos por talentosas pessoas fora do Japão cuja paixão os inspirou a escrever uma "carta de amor" ao cinema samurai e a tudo o que estes guerreiros representam. Esse foi o sonho da Sucker Punch (conhecida especialmente por inFAMOUS) e através dessa ambição, entregam-te um jogo que facilmente figura entre o que de melhor joguei nesta geração de consolas e o que anteriormente considerava um sonho transformado em realidade.

O Último Samurai

Ao contrário da grande maioria das obras Ocidentais sobre estes guerreiros Orientais, a Sucker Punch optou por apostar num protagonista japonês, um guerreiro honrado chamado Jin Sakai, cujo código de honra de nada lhe vale perante a implacável invasão mongol. Como provavelmente já sabes, Jin terá de lutar para libertar a ilha de Tsushima dos mongóis e enfrentar o dilema de permanecer frágil e previsível ao cumprir com o restrito código de conduta dos samurai ou deixar-se levar pela sede de vingança e apostar em tácticas menos honrosas, tornando-se no Fantasma de Tsushima. Ao contrário do que viste em inFAMOUS, a narrativa não te dá opções de escolha entre um lado bom e outro mau, mas aborda na mesma esse tipo de temáticas e o impacto dos acontecimentos nos personagens principais e até no mundo em si. Esse é o ADN da Sucker Punch.

Tudo começa com um avassalador ataque inicial a Tsushima, no qual os mongóis contornam com fria crueldade as previsíveis manobras tácticas japonesas tão rígidas que não comprometem a honra, mesmo sabendo que a derrota é inevitável. Não falarei mais sobre a história, mas posso dizer que fui surpreendido pela positiva pois não é tudo directo e simples quanto podes imaginar. Existem diversas camadas e momentos inesperados, mas acima de tudo existe uma narrativa que mostra bem como a Sucker Punch consultou diversos especialistas nas mais variadas matérias para capturar a essência e metodologia dos maiores mestres. Além disso, as brilhantes missões secundárias aprofundam os personagens de suporte como provavelmente somente a CD Projekt Red conseguiu fazer.

Ver no Youtube

Seja através da narrativa principal, dessas missões secundárias longas e aprofundadas ou do próprio gameplay, pela forma como as tuas acções vão criando mudanças na ilha, a Sucker Punch aborda com mestria um género tão popular, cuja maior novidade poderá mesmo ser a temática feudal. A companhia não tem qualquer problema em admitir que concilia o que aprendeu ao longo dos anos com o estudo de referências no género e isso significa que não estás perante um triunfo da inovação, mas sim de um magnífico método de abordagem que canta em sintonia com um minimalismo visual que engrandece o tom poético destas paisagens japonesas.

Minimalismo poético

Não é exagero dizer que Ghost of Tsushima é pura poesia em movimento e que revela bem o quão apaixonados são estes criativos pela cultura japonesa. Frequentemente, dei por mim parado a olhar para os cenários e a desfrutar de um brilhante design visual que me fazia ficar de queixo caído. Ghost of Tsushima prova que a componente visual é muito mais do que texturas, mostra como o elemento artístico, iluminação e a minuciosa atenção ao detalhe são fortes valores a perseguir num jogo em mundo aberto. Jin percorre Tsushima com grande fluidez e após a primeira hora de jogo terás total liberdade para explorar a ilha. Vais para onde quiseres, segues na direcção que quiseres e desfrutas de uma incrível liberdade desde as primeiras horas do jogo. É uma sensação de liberdade que poderá rivalizar com a de Breath of the Wild e um sistema de missões secundárias à altura do que a CD Projekt RED fez. Isto revela bem as lições bem estudadas pela Sucker Punch.

"Ghost of Tsushima é pura poesia em movimento."

Poderás vaguear pela ilha e descobrir por acaso locais de interesse, pessoas a precisar de ajuda ou um objectivo opcional, sempre pronto para ser surpreendido por uma troca na hora do dia patrocinada pelo seu magistral ciclo de dia e noite. As mudanças em termos de clima e cores são tão sublimes e singulares que dava por mim ansioso por ver o nascer do dia ou as nuvens que precedem a chuva a transformar por completo a tonalidade dos cenários. Não é exagero dizer que poucos jogos conseguem surpreender visualmente tanto quanto Ghost of Tsushima.

Seja pela forma como a iluminação transforma por completo uma cena em meros segundos, pelos efeitos como nevoeiro ou chuva, enquanto a apresentação de cenários com cores totalmente diferentes é uma injecção de vigor no teu espírito. Imagina percorrer um campo repleto de flores brancas enquanto Jin se curva ligeiramente no cavalo para tocar com a mão nas flores para minutos depois cavalgar por uma floresta banhada pelos tons dourados de árvores em pleno Outubro. É como passar do Outono para a Primavera em meros minutos, num best of das melhores paisagens japonesas, como sempre almejaste percorrer, mas sem imaginar que poderia ser tão fluído e dramático visualmente.

Apenas uma amostra do esplendor visual que este poema interactivo que declama amor ao cinema samurai alcança e como passarás imenso tempo a usar o acessível Photo Mode.

Este é apenas um exemplo de atenção ao detalhe e da mestria com que o design visual foi tratado para se tornar num poema interactivo ao esplendor do Japão. Se sempre sonhaste em ter um jogo de acção e aventura samurai em mundo aberto de tons épicos, este jogo é o concretizar desse sonho, com uma metodologia simplesmente irresistível e apaixonante. Ghost of Tsushima é encantador e envolvente, poético e até simples, tudo em doses correctas que confirmam o talento da Sucker Punch e da sua capacidade em estudar os mestres que os inspiraram. Especialmente porque te apresenta um jogo que é altamente similar a outros existentes no mercado (não fosse este o género mais popular da actual geração), mas cujo método revela um equilíbrio merecedor de aplausos e que quase sugere que a Sucker Punch estava a escutar todas as queixas que fazes a outros jogos.

Triunfo do método e não da inovação

O esplendor visual resultante da iluminação e constante alternar de cores nesta ilha é enriquecido com a abordagem apresentada. É verdadeiramente um triunfo da metodologia. Uma das principais facetas de Ghost of Tsushima é a interface minimalista, uma postura refrescante que combina bem com a enorme sensação de liberdade na exploração e estrutura. Aqui não tens um ícone a indicar para onde ir ou onde estão todos os pontos de interesse, em Ghost of Tsushima podes invocar o vento ou escutar atentamente o que te rodeia para descobrir o objectivo da missão ou locais como altares de raposa que te ajudam a obter melhorias, perks ou até zonas para libertar. O minimalismo no design tem como base invocar uma rajada de vento que sopra na direcção do teu actual objectivo e apesar de ser fácil invocar o vento (deslizar o dedo no painel táctil), podes continuar a cavalgar ou correr e atentar a elementos do cenário, como árvores ou flores que oscilam e até pássaros que voam na direcção de objectivos ou pontos de interesse não descobertos.

Em nome da acessibilidade, podes aceder ao mapa no menu e ver a direcção do objectivo e após libertar alguns pontos do controlo mongol, o nevoeiro dissipará e revelará um ou dois pontos de interesse em redor, mas o foco da Sucker Punch está no vento como guia e num HUD minimalista focado na procura fluída e natural de elementos visuais. Quando deres por ela, enquanto exploras com os olhos tudo o que está visível no ecrã e alimentas de forma altamente natural e fluída os teus olhos com a tua paixão pelo Japão Feudal, acabarás por naturalmente procurar pistas que a natureza te mostra para procurar pontos ainda não descobertos. Frequentemente até descobrirás inesperadamente missões secundárias antes de conversar com a pessoa que te iria colocar no rumo dessa missão.

O esquema de cores, iluminação e cenários trabalham com apaixonável sintonia para oferecer constante sensação de fascínio

Além de ostentar um design minimalista refrescante e assente na liberdade, Ghost of Tsushima vibra como um dos jogos de acção e aventura em mundo aberto com o melhor equilíbrio que já vi. Se te focares na narrativa, poderás terminá-lo em cerca de 20 horas, mas quando te perdes no jogo e tentas explorar este Japão vais realmente descobrir as formas através das quais a Sucker Punch presta homenagem aos maiores clássicos do cinema samurai. Seja com bosses ou a procura por armaduras opcionais, missões envoltas em misticismo e inspiradas no folclore japonês e até libertar povoações para ver a transformação de local desolado para um espaço repleto de vida, Ghost of Tsushima torna-se fascinante e a imersão poderá alcançar níveis espantosos. É uma das melhores amostras de equilíbrio entre conteúdo, liberdade, design e estrutura que já vi. Sim, tens diversas actividades repetidas ao longo do mapa e para obter perks ou cores diferentes das armaduras, repetirás padrões, mas a liberdade da estrutura e o deslumbre visual tornam-no num daqueles jogos 'só mais 10 minutos' durante os quais as horas passam a voar.

Honra até ao fim

Ao longo da tua jornada por Tsushima, estarás constantemente a oscilar entre o comportamento samurai (a honra de desafiar abertamente o adversário e correr o risco de morrer facilmente numa luta rodeado por inimigos, nem todos são mongóis) e o comportamento do Fantasma. Esta segunda abordagem, furtiva, é recompensadora e transforma Ghost of Tsushima numa espécie de homenagem a Tenchu, um Assassin's Creed japonês se preferires. A história assume que te comportas das duas formas e basta um momento como fantasma para manchar a honra de Jin, por isso é inevitável que a narrativa aborde este comportamento e torna-se ainda mais envolvente por isso mesmo. O gameplay de Ghost of Tsushima é fluído e natural, revelando que foram feitos esforços para assegurar que é um jogo difícil, com diversas missões e actividades, mas equilibrado para não cansar.

O sistema de combate relembra o que viste em Assassin's Creed até Syndicate, mas refinado e veloz, aprimorado com conceitos como a postura, mais relevante que as armas especiais que pensadas para a abordagem fantasma. A forma de homenagear o cinema samurai não está apenas nos duelos e boss fights difíceis (momentos em que algumas armaduras com perks específicos são mais importantes e verdadeiramente necessárias), está também na constante necessidade de mudar de postura a meio dos combates para quebrar facilmente a protecção do adversário e o eliminar, para depois trocar para outra postura mais adequada ao adversário que está logo ao lado dele. Sem Lock-On, terás de constantemente ajustar a câmara e isto gera inesperado embaraço em algumas lutas, mas o sistema de combate é desafiante sem artificialidades. Jin estará constantemente perante mais de 6 inimigos e a dificuldade torna-se elevada, a abordagem fantasma resolve isto, mas quando consegues bloquear no momento certo e ripostar ou desviar-te no timing perfeito, vibras com entusiasmo neste bailado samurai.

Existem diversas habilidades que podes desbloquear com Pontos Samurai, ganhos ao seguir a história principal ou em qualquer actividade secundária. Desde ajudar na exploração (definindo o vento para indicar objectos específicos ainda não encontrados), combate samurai (novos golpes ou quebrar mais rapidamente determinado tipo de defesa) e até obter mais kunais ou bombas de fumo para vibrar enquanto fantasma de Tsushima. De certa forma, tu decides o quão difícil Tsushima se torna, dependendo do teu investimento nele e nas actividades opcionais que cumpres.

Apesar das actividades relembrarem inúmeros outros jogos, a abordagem e equilíbrio entre o número delas e o que fazes em cada uma, permitem-lhe evitar a sensação de cansaço. Especialmente com um design tão aberto e livre.

A postura do samurai ou do fantasma é usada em missões de história, missões secundárias (evoluídas e profundas, rivalizando com algumas missões principais e muito acima da esmagadora maioria do género), libertação de campos ou povoações (locais com determinados objectivos para cumprir, como eliminar alguns inimigos e apanhar itens) ou a descoberta de locais que te dão itens para obter mais espaço para equipar perks ou pontos de habilidade. Ghost of Tsushima deixa-te criar a tua própria aventura. Este é um dos melhores exemplos nesta indústria no que diz respeito às missões secundárias e não o cansamos de referir pois torna-se fácil perder noção do tempo e terminar cada uma. Alguns dos teus aliados dão-te acesso a contos (nome para as missões) divididos em diversos capítulos e isto revela-se inesperadamente profundo e impressionante.

"Ghost of Tsushima foi um dos maiores prazeres que tive nesta geração"

Uma vez que tens total liberdade para explorar Tsushima, poderás terminar a narrativa sem terminar tudo o que tens para fazer no jogo e Ghost of Tsushima permite-te vaguear para cumprir tudo o que ficou por fazer. Se a narrativa te está a cativar, segue-a e termina-a, se quiseres descobrir mais deste mundo através dos contos opcionais, faz isso mesmo ou deixa para o endgame. Quanto mais fazes, mais conhecido te tornas e mais habilidades podes desbloquear, tornando Jin mais forte. A descoberta de armaduras especiais são das melhores missões em Tsushima, mas o mais respeitável é a liberdade e gestão do design implementado pela Sucker Punch. É tudo altamente equilibrado e apesar de já teres visto outros jogos similares, sentirás que nenhum outro consegue tamanho equilíbrio.

Nada é exagerado, tudo parece extremamente bem equilibrado para jamais causar sensação de cansaço. Senti diversão até ao fim e jamais senti que o meu tempo foi mal gasto porque a Sucker Punch queria prolongar artificialmente a longevidade. Isso não existe aqui e é uma delícia. O sistema de combate é um dos exemplos desta postura, é acessível e simples, mas ostenta profundidade o suficiente para se tornar exigente e testar os teus reflexos e mente.

Clássico Samurai - nota final

Podia passar o dia a falar do quão apaixonante e refrescante é Ghost of Tsushima. O mais surpreendente é que a Sucker Punch me deixou maravilhado não apenas pelo poema visual interactivo que declama ao Japão Feudal, isso era expectável, mas pela forma como aborda alguns dos principais problemas apontados a grandes nomes do género. É admirável como revela esta lição sobre método e implementação. Sem medo de tirar notas das referências, Ghost of Tsushima é um dos melhores jogos da PlayStation 4 e desta geração, usando o seu tom minimalista e liberdade no design para te deixar com uma constante sede por mais. Jogar Ghost of Tsushima foi um dos maiores prazeres que tive nesta geração e é muito mais do que uma carta de amor ao cinema samurai (mais especificamente, a Akira Kurosawa), é um dos jogos de acção em mundo aberto com melhor equilíbrio entre liberdade, design, actividades e longevidade que já vi.

Prós: Contras:
  • Design minimalista é um triunfo
  • Poesia em movimento que visualmente te surpreenderá constantemente
  • És livre para fazer qualquer actividade e ir a qualquer lugar após a primeira hora
  • Sistema de combate acessível, mas que testará os teus reflexos
  • Imensas actividades opcionais que poderás descobrir inesperadamente
  • Constantes incentivos à exploração sem um HUD abusivo
  • História apelativa que relembra constantemente os clássicos filmes de samurais
  • Banda sonora torna-o mais envolvente
  • A velocidade dos loadings é surpreendente para um mundo aberto
  • Missões secundárias longas e bem trabalhadas
  • Ocasionais bugs durante os combates
  • Alguns momentos da história pré-definida podem contrariar o que fizeste

Lê também