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Os Pássaros Zangados

Estratégias de um jogo de sucesso.

Apesar de todas as vantagens, lançar um jogo através de uma loja mobile ou online não é fácil. Se nós vemos os riscos de distribuição reduzidos a zero, quer dizer que todos os outros que produzem jogos também têm essa vantagem. Ou seja a concorrência aumenta vertiginosamente face ao que existe no mundo das caixas plásticas e discos das lojas físicas. Por outro lado, e dado que se trata de lojas informatizadas, é fácil disponibilizar tabelas com listas dos jogos mais vendidos em tempo-real, ou seja no próprio dia, e até na última hora.

Logo os consumidores vão estar mais interessados em jogar o jogo que todos os seus amigos estão a jogar no momento, do que aquele que apareceu na publicidade há uma semana atrás. Ou seja o mercado torna-se mais democrático para os jogadores, mas mais difícil de penetrar pelas empresas que querem vender os seus jogos. Agora já não basta dar a conhecer o jogo, é preciso levar os amigos a jogarem, para que por sua vez mais amigos queiram jogar.

Aliás olhando para o historial de Angry Birds, é exatamente isso que podemos interpretar sobre o modo como a Rovio foi obrigada a mudar a estratégia inicial. Nos seus primeiros três meses, Angry Birds foi um fracasso total de vendas. A estratégia da Rovio era unicamente fazer de Angry Birds um sucesso internacional a qualquer custo para salvar a empresa, e para isso atacaram simultaneamente o mercado global da App Store, resultando num flop. A Rovio reviu a sua estratégia, desta vez em função das lógicas de vendas por contágio. Iniciou uma estratégia de ataque às App Stores dos pequenos países, começando pela Finlândia, e à medida que ia somando primeiros lugares, outros países se iam juntando até conseguir chegar aos grandes players EUA e UK.

Angry Birds Rio - A nova versão.

Voltando ao desenvolvimento, 10 meses para um jogo de design simples como já dissemos é muito tempo. A título de exemplo Farmville demorou 5 semanas desde a ideia até ser colocado online no Facebook, com uma equipa aproximadamente do mesmo tamanho. Claro que em Angry Birds trabalharam em part-time, mas não foi por aí que o jogo consumiu tempo. Foi antes pela busca de um conceito suficientemente original e inovador em termos de jogo e de tecnologia, e ao mesmo tempo cativante, capaz de conectar-se com o jogador ao fim de poucos segundos. Para isso era preciso desenvolver um gameplay que fizesse uso da interface de toque do iPhone. Criar um jogo que levasse o jogador a querer interagir fazendo uso dos seus dedos em vez do normal rato no computador.

Além de tudo isto e agora falando em termos de jogo, Angry Birds junta dois mundos normalmente distantes: o humor e a resolução de problemas. Ou seja o esperado de um jogo em que se atiram pássaros com uma fisga para matar porcos, é que as coisas aconteçam um pouco ao acaso, em que a sorte predomine, e assim se crie espaço para o total entretenimento do jogador. Ora em Angry Birds para resolver os puzzles não basta atirar os pássaros e ficar a rir-nos das suas palhaçadas, é precisar reflectir sobre uma estratégia. Isto porque os elementos presentes no puzzle movem-se segundos leis da física, ou seja com peso, massa e gravidade, assim como se danificam diferentemente sejam vidro, madeira, gelo ou outro material.

Deste modo o que a Rovio conseguiu foi um jogo completamente inovador, porque se por um lado nos recompensa com os momentos cómicos entre os personagens do jogo, por outro vai mais longe e recompensa também o nosso esforço cognitivo investido no jogo através da descoberta das chaves para cada puzzle. Ou seja, ao mesmo tempo que nos rimos das figuras, sentimo-nos realizados pela resolução conseguida e consequentemente com a passagem ao nível seguinte.

Nelson Zagalo é professor de media interativos na Universidade do Minho e presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.

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