Assassin's Creed: Valhalla mostra que a Ubisoft aprendeu a lição e descomplicou
Menos é mais, o misterioso é apelativo.
Após 10 anos a criar iterações do mesmo gameplay, a Ubisoft permitiu que a sua série Assassin's Creed, que ao longo dos primeiros 6 anos de vida se tornou numa das mais populares da indústria, caísse na banalidade após repetir incessantemente as mesmas mecânicas. A insistência numa estrutura e design arcaicos não ajudou, mas tal como uma fénix, a Ubisoft ressuscitou a série e devolveu-a aos bons olhos do público com Origins, o jogo com o qual foram comemorados os primeiros 10 anos de vida de Assassin's Creed, em 2017. Com um sistema de combate totalmente novo, um mundo totalmente aberto que conecta as grandes cidades e mecânicas RPG que o transformaram num híbrido, Origins foi sucedido por Odyssey em 2018, que construiu sobre as suas bases e acrescentou novidades como uma navegação ininterrupta entre mar e terra.
Diverti-me imenso com Origins e Odyssey, nos quais investi mais de 200 horas da minha vida, mas a sensação que tenho é que Origins é um melhor jogo, mais equilibrado, focado e com uma melhor gestão do seu design. Não permitiu que encantos de grandeza comprometessem a soma das partes. Odyssey é épico, mas exige um pouco mais de ti, mergulhado nessa busca por grandiosidade, prolonga-se de formas artificiais e não se sente tão coeso. De forma inesperada, dei por mim a pensar que a Ubisoft estava perigosamente perto de sufocar mais uma fórmula de Assassin's Creed, que há 3 anos atrás a senti tão energética e revigorante. Como referi, adorei Odyssey, mas após passar mais de 100 horas nele, os seus efeitos menos positivos tiraram-me algum do entusiasmo para jogar mais um jogo tão focado em ícones e forçar-te a passar tempo para obter XP para prosseguir na narrativa.
No entanto, se quero mesmo ser correto, o problema não foi especificamente com Odyssey em si, mas sim com a Ubisoft. Se Odyssey se sentiu inicialmente como m Origins sem travões, jogá-lo no meio de outros jogos Ubisoft como Far Cry 5 ou Tom Clancy's Ghost Recon Breakpoint foi constatar que a companhia estava a unificar as suas mecânicas, designs e estruturas, tornando os seus jogos basicamente iguais, apenas com aspeto ou temáticas diferentes. Isto contribuiu imenso para colocar novamente em perigo a série Assassin's Creed pois, como bem sabemos, a Ubisoft queria implementar elementos pilares em todas as séries e arriscou tirar o apelo a esta série. Felizmente, as coisas mudaram para um rumo positivo em Assassin's Creed: Valhalla.
Enredo
Recentemente, tive a oportunidade de jogar 6 horas de Assassin's Creed: Valhalla e teve um efeito especialmente importante para mim, enquanto fã da série. Tirou-me o ligeiro descontentamento que estava a sentir por ver a série torna-se vítima da unificação aplicada pela Ubisoft a todas as suas séries e devolveu-me o entusiasmo. Neste primeiro impacto, fiquei com a clara sensação que Assassin's Creed: Valhalla não é um jogo igual a Odyssey, não é uma construção sobre o que foi aplicado em Origins, é algo próprio criado a partir de conceitos similares. Apesar de muito ser familiar e de muitas das mesmas mecânicas serem aqui exploradas, são feitas com uma filosofia diferente, renovada e que o torna promissor. Considero ainda que existem 4 pilares para esta minha sensação renovada de entusiasmo e um deles é o enredo.
Eivor é o teu avatar e passaporte para este Assassin's Creed com vikings, numa jornada por conquista que por si só dita a necessidade de reformular algumas convenções da série. Sendo um invasor, Eivor terá de se preocupar em estabelecer e gerir o seu acampamento, terá de invadir localidades, estabelecer alianças e explorar um país misterioso.
Essa sensação de exploração do misterioso é muito importante para Assassin's Creed: Valhalla, especialmente porque é uma forma de tornar mais credível a narrativa. Com um sistema de diálogos interativos evoluída, Valhalla frequentemente aproxima-se do que esperarias de um jogo da Bioware e não propriamente da Ubisoft. O capítulo de narrativa que joguei foi intenso, credível e tornou-se num dos principais motivos para querer continuar a jogar. Eivor está rodeado por diversas personalidades e sabe que vive em constantes dilemas sobre as suas necessidades, mas é um protagonista com potencial e à primeira vista interessante. Isto é muito importante pois poderá tornar mais interessante seguir a narrativa e torna mais apelativo explorar o misterioso com ele para saber mais do mundo e do próprio Eivor.
Exploração e atividades
Assassin's Creed: Valhalla é um jogo que desde já revela influências em The Legend of Zelda: Breath of the Wild e isto não é um cliché de se dizer, é uma constatação do impacto do jogo da Nintendo na abordagem ao design dos jogos em mundo aberto. Sendo um dos jogos mais conceituados de todos os tempos, Breath of the Wild foi elogiado por descomplicar os mundos abertos e te dar a ti a rédea da experiência. Cada aclamação ao design e metodologia ao jogo da Nintendo era ao mesmo tempo uma série de chapadas à Ubisoft pois os seus mundos abertos foram frequentemente apresentados como o mau exemplo que Breath of the Wild corrigiu. No entanto, a Ubisoft mostra que escutou bem a mensagem e descomplicou Assassin's Creed: Valhalla, revelando um bom equilíbrio entre o ADN de Assassin's Creed e essa sensação de te dar controlo do mundo aberto e descomplicação.
Frequentemente criticada por lançar jogos repletos de "entulho" através de "checklists" sem substância, a Ubisoft mostra com Assassin's Creed: Valhalla que "menos é mais" e que entende a necessidade de simplesmente explorar para descobrir algo, sem um néon gigante a revelar tudo antecipadamente. Nesta Britânia, Eivor poderá encontrar os famosos pontos de sincronização, mas apenas servem para viagem rápida ou para revelar pontos na área em que se encontram. Nada mais e nada menos, é uma nova interpretação desta funcionalidade tão específica da série Assassin's Creed e que serve ainda o propósito de intensificar a sensação de ação e aventura nesta experiência.
Para tornar a exploração visual mais apelativa e para que te possas perder nestas gloriosas paisagens, as sincronizações revelam pontos no mapa, mas também os podes descobrir por ti próprio. A exploração livre choca com os contextos narrativos e o teu nível (foi-se a EXP para subir de nível em prol de um sistema no qual sobes de nível ao adquirir novas habilidades na árvore, por sua vez ganhas ao executar todo o tipo de atividades no jogo), mas o misterioso está sempre à espreita.
Vês os pontos no mapa e dependendo da cor, sabes que tipo de atividade te espera. Existem pontos amarelos que revelam locais com ouro ou recursos, essencial para melhorar o teu acampamento, pontos brancos com itens ou pontos azuis com atividades do mundo. Esta é a faceta mais inesperada de Valhalla, que descarta as habituais side-missions. Estes pontos azuis podem ser pequenos acontecimentos que não são propriamente side-missions, mas nas quais descobres mais personagens e situações caricatas, podem durar cerca de 5 minutos ou menos, servem mesmo para cimentar Eivor naquele novo local, mas também podem ser pequenos puzzles ou locais míticos relacionados com a mitologia nórdica.
Combate
Durante essa exploração e na narrativa Viking inicialmente promissora, terás liberdade para perseguir o misterioso e traçar a tua própria aventura, mas será muito frequente combater. O sistema de combate também foi melhorado e a própria gestão de equipamento é mais uma forma de mostrar a descomplicação na série Assassin's Creed. Apesar das mecânicas RPG permanecerem, foram ajustadas para não se tornarem tão sufocantes e o teu equipamento persistirá, não passarás o tempo a encontrar montes de gear para ver qual é o melhor e quais os atributos. Em Valhalla manténs o gear e podes melhorá-lo na tua base, com recursos encontrados em locais ou atividades. Existem armaduras alternativas, mas não terás aqui o mesmo conceito de Origins ou Odyssey. O mesmo pode ser dito do sistema de combate que, apesar de revelar similaridades, não é uma cópia direta.
O sistema de combate de Assassin's Creed: Valhalla é diferente o suficiente para precisar de alguns minutos de hábito. Eivor não é tão ágil quanto Kassandra e esa sensação de peso é acompanhada por uma barra de stamina. Terás de a gerir pois movimentos como desviar consomem um pouco dela. Podes usar duas armas em simultâneo e ostentar uma postura mais violenta, capaz na mesma de contra-atacar no timing correto, mas não terás aqui aquela sensação de um combate quase Dark Souls. Valhalla está mais próximo do que seria de esperar um Western RPG e exigirá algum hábito inicial. No entanto, os pontos comuns significam que não demorarás muito tempo a habituar-te.
Mais do que um acampamento
O último ponto que quero destacar é a tua base, o acampamento através do qual os teus vikings vão preparar a conquista de Britânia. Inicialmente, poderás descobrir para onde queres levar Eivor, qual a região na qual queres passar tempo e inevitavelmente conquistar. Existe uma maior trama geral, apenas tiver a oportunidade de ver uma localizada numa região específica, mas as atividades opcionais e a exploração mostraram como interferem com a evolução do acampamento, uma das maiores e refrescantes novidades de Assassin's Creed: Valhalla. Ao chegar a Britânia, Eivor e os seus Vikings criam uma base, mas os recursos são poucos e inicialmente até pescar está fora do alcance, por exemplo.
Com recursos e materiais obtidos como recompensa de missão ou nas atividades do mundo, conquistarás formas de construir e posteriormente evoluir os diversos locais da tua base, como a cabana de pesca. Desta forma, ganharás acesso a mais atividades e se entregares os materiais necessário, vais obter recompensas extra. É uma grande novidade e estou ansioso para ver como será o seu impacto no gameplay geral de Assassin's Creed: Valhalla. Será que se tornará num vício passar horas a explorar, procurando recompensas e materiais somente para evoluir a base? Estou empolgado.
De forma resumida, vi nesta fatia de Assassin's Creed: Valhalla algo promissor e não uma cópia direta dos dois anteriores. Vi o potencial para um jogo com um design e estrutura muito próprios dentro desta série, com uma filosofia de exploração similar à que consagrou um dos maiores clássicos desta indústria e acima de tudo vi a vontade da Ubisoft em mostrar que aprendeu com os erros. É bom descomplicar e remover o que é desnecessário, demonstrando saber como incutir em ti o gosto pela exploração do desconhecido e recompensar-te com diversas mecânicas interessantes que te vão fazer passar horas e horas no jogo. Acima de tudo, Assassin's Creed: Valhalla tem muito de igual e tanto de diferente, o que me fez pensar que posso ter jogado 6 horas do melhor Assassin's Creed desta geração. Mas isso, só dia 10 descobriremos.