Assetto Corsa - Análise
O rei da simulação.
Durante anos os titulares de consolas habituaram-se a dois nomes sonantes na cena dos jogos de automóveis: Gran Turismo e Forza Motrorsport. Ambas as marcas permanecem populares e servem até como baluarte gráfico das consolas, enquanto produtos exclusivos. Sem constituírem efectivamente afirmações do modelo puro de simulação, perfilham uma aproximação muito grande, disponível a partir do momento que juntamos um volante à equação. Kazunori Yamauchi, o obreiro responsável da série GT, começou por erigir um modelo acessível, embora com os rigores da simulação desde os tempos da PlayStation. Hoje, não foge ao mandamento, mas é seguramente uma produção mais encostada às adversidades da velocidade no asfalto, terra ou gravilha. Nos últimos anos novos concorrentes entraram em pista, como o brilhante Project Cars, da Slightly Mad Studios e o desafiante DriveClub, da Evolution Studios (finada há uns meses, depois de uma completa reconfiguração do jogo). À sua maneira e trilhando percursos diferentes, não deixam de ser experiências muito recomendadas e saudáveis.
Se a isto juntarmos as produções de rali com Dirt:Rally (outro a piscar os olhos à simulação) e da Fórmula 1 com F1 2016, forma-se uma oferta bastante alargada para os fãs dos jogos de automóveis, na qual as modalidades mais populares encontram representação. Mas agora há um novo xerife na cidade. Proveniente do sector dos PC's, onde as produções tendem a agudizar certos parâmetros e a permitir uma série de modificações pelos utilizadores, Assetto Corsa junta-se a uma nova concorrência. Quem acompanhou o jogo no PC sabe que a riqueza do jogo é precisamente o árduo crivo que impõe sobre quem se atreva a saltar para o banco de um automóvel. Lide virtual porventura traumática logo à primeira volta, despido que se encontre o carro das assistências e ajudas endereçadas aos iniciantes.
É uma entrada em cena saudável e de certa maneira prevista, mesmo não sendo muito frequente vermos atracar às consolas jogos configurados numa plataforma mais genérica como o PC, especialmente no género "racing" onde militam as formações de pilotos mais obstinadas e armadas até ao pedal. Criado por um modesto estúdio italiano sedeado na cidade de Roma, embora com ligação permanente no circuito de Vallelunga e a uma proveitosa fonte de recursos técnicos, nomeadamente da Ferrari, Assetto Corsa procura repercutir nas consolas o mesmo entusiasmo que difundiu em milhares de utilizadores no PC. Nem sempre os desfechos são risonhos quando se encara desta forma o futuro, fruto dos compromissos e limitações encontradas nas consolas. Como contornar esses obstáculos e operar o melhor cabimento é algo que a Kunos Simulazioni experimenta pela primeira vez.
Assetto Corsa, para quem ainda não conheça, é um simulador puro e duro. Isto quer dizer que as incidências da condução a alta velocidade, através de modelos automóveis particularmente avançados, aptos para correr em circuito fechado ou icónicos doutras eras, encontram uma aproximação à física e sensação de controlo muito próxima da realidade, dependendo da configuração. Enquanto que outros jogos tendem a suavizar o processo de condução, muitas vezes através de perspectivas exteriores de perseguição que facilitam a leitura da pista, aqui a perspectiva a partir do habitáculo adquire um papel central. Numa posição atrás do volante e interior desempenhamos melhor o nosso papel enquanto piloto virtual.
Com tanta ênfase posta na simulação e nos processos de comando do automóvel, é natural que a audiência de "pad-na-mão" possa sofrer e até sentir o jogo barrar imensas das suas pretensões. Isso é particularmente notório à entrada de uma corrida ou desafio, podendo seleccionar diante de um extenso catálogo de ajudas, as que pretendem manter ligadas, desligadas ou ajustadas através de uma percentagem de incidência. Na configuração mais próxima da realidade, Assetto Corsa torna-se num jogo insano e difícil de domar, algo que só pode ser acompanhado através de um volante. No sentido oposto e assistido a utilização do comando poderá ser suficiente, desde que aceitem configurar para a opção mais fácil a inteligência artificial dos adversários e se apliquem durante as corridas, evitando acidentes e começando por usar a trajectória ideal de forma a não travarem demasiado tarde numa curva.
O comportamento dos adversários tende a ser agressivo, especialmente se incrementarmos o grau de dificuldade. Aqueles pilotos virtuais não falham uma curva, não cedem na trajectória e alcançam tempos por volta que requerem o melhor de nós para não os perdermos de vista. Evitar derrapagens, embates e saídas largas (evitar que os pneus chiem demasiado é obrigatório) torna-se fundamental. Cada volta tem por isso que ser perfeita e isso requer concentração e um bom trabalho de mãos.
O desafio tende a ser maior à medida que pulamos para carros mais exigentes e difíceis de dominar. Por norma, são boas as sensações dos carros configurados para pista, enquanto que as máquinas de estrada, com suspensões mais flexíveis, tendem a adornar um pouco em curva e a deslizar, através de comportamentos que não deixam de ser previsíveis, mas se escolhermos o Ferrari tripulado por Niki Lauda em meados dos anos oitenta e o levarmos para um circuito exigente como o Nurburgring, em cada curva pende sobre nós com o peso da incerteza ao premirmos o acelerador.
Diante de tantas noções de condução desportiva que se atravessam pelo visor do nosso capacete ao fim da primeira hora de testes em circuito fechado, não teria sido má opção entregar uma opção só para lograr desafios básicos, quase como um tutorial. O modo carreira começa por preencher parte da solução ao projectar uma sequência de voltas rápidas antes de largar o jogador em plena corrida, servindo quase de aclimatação. Começar pelas categorias mais baixas também ajuda, especialmente se nos mantivermos fixos na linha de trajectória ideal, o que nos leva a memorizar o circuito mais depressa. A corrida disputada só com o Fiat 500 é óptima para introduzir os iniciados à condução.
Existem 20 fabricantes de automóveis presentes, quase todos das grandes marcas, não faltando os prestigiados Ferrari, Lamborghini, Koeniseg, BMW, Mercedes, entre outras notáveis do desporto automóvel. No entanto, enquanto que algumas marcas apresentam vários veículos, algumas ficam-se por um ou dois bólides apenas. Mais de uma centena ao todo, desde modelos de estrada, clássicos e vanguardistas, até às bestas do asfalto em circuito. É um número modesto quando comparado às recentes iterações de Forza e Gran Turismo, mas que não deixa de ter o seu valor tendo em consideração os carros escolhidos. Felizmente e como foi anunciado há meses, a produtora vai disponibilizar um pack DLC de modelos oficiais da Porsche, de competição e de estrada, algo que ajudará a colmatar esse flanco.
Os veículos poderão ser utilizados em 12 circuitos, grande parte disponíveis em diferentes configurações, como sucede com a pista de Nurburgring e Silverstone. Predominam os circuitos italianos, com destaque para o Autódromo de Monza, Vallelunga (pista onde o estúdio possui os seus escritórios), Magione, Imola (Circuito Enzo e Dino Ferrari), entre as internacionais SPA Francorchamps, Zandvoort, Barcelona e Brands Hatch. Na versão PC existem mais opções, mas importa salientar que os circuitos eleitos pela produtora foram alvo de uma produção muito precisa, através de um processo de "scan" que os deixou muito autênticos, especialmente no que concerne à ondulação, altimetrias e largura do asfalto.
Os principais modos de jogo de Assetto Corsa são o multiplayer e o modo carreira. Depois, temos os desafios especiais que consistem em pequenas provas que vão da volta mais rápida à realização de um "drift" num determinado veículo. Não pensem que estes desafios são favas contadas. Nalguns casos terão mesmo que suar as estopinhas se quiserem um resultado de relevo. É uma boa forma de anteciparem um primeiro contacto com automóveis mais complexos. Por último podem disputar corridas rápidas, "time trials" e mais algumas opções, sem limitação quanto ao carro ou circuito. Escolhem uma pista e um carro e já está.
O modo carreira consiste numa série de provas organizadas por níveis. A partir do nível mais básico (com carros mais acessíveis) progridem para o nível 2, no qual encontram máquinas mais potentes (como os BMW M3, Z4). Para subirem de nível terão que alcançar a pontuação mínima nos testes (a pontuação será melhor consoante forem consistentes na concretização dos tempos) ou medalhas nas corridas (para os três primeiros). Nas categorias de dificuldade mais elevadas (especialmente o modo insano) chega a ser quase impossível entrar no top 3 a não ser que configurem o veículo (com mais parâmetros se for de competição), mexendo no combustível e nos pneus.
Apesar da boa organização do modo carreira, falta-lhe alguma profundidade. As provas sucedem-se umas às outras como meros exercícios de dificuldade crescente, emparelhados em torno de diferentes carros. Assetto Corsa acaba desta forma por expor as suas origens como produto do PC, no qual o modo multiplayer tende a ser a componente mais relevante ao permitir a realização de torneios e competições entre jogadores e sem a inteligência artificial. A ausência da chuva e de corridas à noite são outros factores que poderão esmorecer o interesse de alguns jogadores, características presentes em Gran Turismo e Forza. Apesar dessa lacuna podem ajustar parâmetros como a hora do dia desde as dez da manhã até às 18, com céu limpo ou mais ou menos carregado.
"É o jogo mais exigente, o Dark Souls dos automóveis, que não se cumpre sem uma boa dose de dedicação e esforço"
Do ponto de vista da performance, Assetto Corsa na PlayStation 4 não é propriamente o vértice da eficácia. Enquanto que no PC consegue rodar a 60 fps, na versão consolas por momentos verificam-se quebras, especialmente quando os carros seguem juntos e embates. O "screen tearing" tende a intrometer-se com alguma regularidade e o aspecto dos carros não é tão brilhante e categórico como sucede na versão para o PC. O ajuste do jogo para as consolas cedeu na eficácia. No entanto nada que seja prejudicial de modo a afectar a condução. Os detalhes e pormenores à volta do asfalto não são particularmente faustosos mas pelo menos o barulho a bordo dos carros é encantador para os ouvidos, especialmente se recorrerem aos auscultadores e a excelente física continua a deixar as melhores sensações. Alguns jogadores poderão sentir que o movimento das mãos do piloto virtual é algo irregular mas isso deve-se à menor consistência nas viragens operadas através do "pad". Dêem uso a um volante que o efeito desaparece.
Talvez não seja o jogo mais consensual a chegar às consolas. Limitado nalgumas componentes, noutras supera todos os jogos de automóveis focados nas corridas de asfalto. É o jogo mais exigente, o Dark Souls dos automóveis, que não se cumpre sem uma boa dose de dedicação e esforço, mas quando se pensa na simulação e condução realista, nenhum outro chega perto. Por isso é que o recomendamos, mesmo sabendo que ainda está longe de se tornar perfeito. Contudo, em mais lado algum encontrarão outra experiência de condução tão apurada e realista como esta. Considerem investir num bom volante e suporte e terão jogo para meses.