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Astlibra Revision - Análise - O sonho comanda a vida

O trabalho de um programador que se tornou plural e melhor.

Crédito da imagem: WhisperGames
Exploração, acção e desenvolvimento de ferramentas articulam-se numa experiência old school, desafiante e gratificante.

Atingir o sucesso, em qualquer actividade, não é imediato. As obras nascem depois de muito trabalho, esforço e dedicação. E também não é garatindo que essas obras sejam bem sucedidas ou reconhecidas depois de tão esmarada aplicação. Algumas obras requerem desenvolvimento e esforço suplementares até atingirem uma camada superior e definitiva. Nesta indústria abundam os exemplos de pequenas produções que paulatinamente foram crescendo, ao longo dos anos, até chegarem à versão final, pronta a entregar e próxima da ideia concebida dos criadores. The Last Guardian, imaginado por Fumito Ueda, precisou de oito anos em desenvolvimento e ainda necessitou do apoio dos estúdios japoneses da Sony para ser lançado no final de 2016, para a PlayStation 4.

Se alguns estúdios de renome apoiam muitos criadores independentes com passado na indústria dos videojogos, como aconteceu com Fumito Ueda depois de ter desenvolvido Ico e Shadow of the Colossus, casos há em que falta esse apoio à miríade de produtores independentes que quer concretizar o sonho de ver um jogo por si idealizado transformado em produto final. É o caso de Astlibra, há 15 anos em desenvolvimento, criado por um japonês cujo “nick name” é KELZO. Esta pessoa que tem um trabalho e programa videojogos nas horas livres, começou por desenvolver uma história, personagens e mecânicas do tipo role play de acção, com ênfase no combate. Sucederam-se vários capítulos, disponibilizados à medida que o jogo crescia. Com o apoio de mais alguns programadores, a melhorar os valores de produção, o grafismo e a jogabilidade, atingiu a versão definitiva, rebaptizada de Astlibra Revision e disponibilizada na semana passada para a Switch e PC (Steam).

Numa série de perguntas e respostas aos fãs do jogo através do Reddit, o programador japonês sente que acaba de concretizar um sonho. Que houve momentos em que parou, deixou em suspenso a sua obra e pensou desistir mas em cada pausa encontrou a motivação certa que o devolveu à programação, prosseguindo nos seus intentos originais. Com o refinamento gráfico pela mão de Shigakate, ilustrações de Haku Tatsufuchi e produção da produtora Takumi Yamada, uma equipa veio em seu apoio melhorar as qualidades e atributos de Astlibra, ao ponto de fazer de Revision uma versão completa. Sem o apoio desta equipa e programadores, dificilmente o jogo atingiria tal maturidade e desenvolvimento. Mas também permanece fiel ao propósito original do autor, em criar um role play de acção, com masmorras e uma história apelativa.

Image credit: WhisperGames

Um RPG de acção old school

Astlibra Revision é um somatório, não necessariamente uma manta de retalhos, mas um jogo mais encorpado, desenvolvido e apetrechado de mecânicas, desde atributos físicos a magias, à disposição do jogador. Trata-se de um RPG de acção em formato 2D side scroll do tipo horizontal com uma estrutura de desenvolvimento da personagem assente em vários parâmetros. Não foge da linha de outros jogos com mecânicas de role play de acção, é até algo previsível no seu “modus operandi”, só que o todo é que faz desta uma experiência desafiante e aprazível pela forma como é desbravado o mundo e contada a história, através de sequências no tempo que afectam a marcha.

Após um confronto de proporções catastróficas causado por uma criatura dotada de um enorme poder de fogo, um rapaz é separado da sua companheira e enviado para um local distante. Sob um estado de amnésia, descobre que não está só. Que um estranho corvo é capaz de dialogar consigo, como se fosse uma pessoa. Chama-se Karon e possui habilidades mágicas. Ambos entendem-se como carne e osso ao ponto de se tornarem inseparáveis. Inauguram assim, para todos os efeitos, uma aventura que se prolonga ao longo de vários capítulos, viajando por vilas e localidades. Existem masmorras repletas de inimigos colossais mas também muitos tesouros para coleccionar. É uma empreitada de dimensões épicas, com alguma poesia e lirismo na forma como cada capítulo está compartimentando, com músicas e vídeos de introdução e fecho.

Image credit: WhisperGames

O périplo é uma longa viagem, um caminho árduo marcado por grandes batalhas e também algo labiríntica na estrutura das masmorras, sob o modelo de caves compostas por várias portas e acessos, nos quais encontrar a saída nem sempre se afigura simples. Em termos visuais, destaque para os fundos e construções em 2D. O side scroll horizontal é levado à letra. A personagem movimenta-se para a direita ou esquerda, salta e passa por plataformas, consegue até trepar escarpas mas sempre numa perspectiva horizontal. É uma arte e modelo que lembra jogos como Castlevania: Symphony of the Night, no seu side scroll horiontal, com cores contrastantes e fundos repletos de cor e brilho. Até a passagem para o interior das casas, pensões e tabernas é acompanhada por uma transição 2D para o seu interior. Se as vilas e pequenas cidades permitem obter objectos indispensáveis à viagem, as masmorras projectam autênticos labirintos e encruzilhadas.

Habilidades e equipamento para desenvolver a personagem

Nesta viagem há muito para explorar. As arcas dos tesouros são abandonadas como “loot” dos inimigos vencidos em combate, as quais dão acesso a produtos que podem ser vendidos, entre raridades e outras coisas usadas para o fabrico de armas. Aliás, o saque dos inimigos é indispensável pela quantidade de moedas que libertam. Ao mesmo tempo o subsolo concede outros recursos indispensáveis, igualmente preciosos e indispensáveis no fabrico de equipamento. Melhores espadas e escudos garantem maior ataque e defesa.

Os combates desenrolam-se sob a forma de um jogo de acção em 2D, com ataques directos através de algumas combinações de botões, ao mesmo tempo que a defesa com o escudo é vital. Também há muita estratégia, com armas compridas a infligirem mais dano no rival e ao mesmo tempo deixando a personagem sem forma de se defender. É aqui que o salto de fuga pode surtir efeito. Os combates podem ser mais ou menos exigentes consoante o grau de dificuldade seleccionado ao início. A qualquer altura é possível suavizar ou adicionar mais duração e imprevisibilidade às batalhas.

Image credit: WhisperGames

Entre as vias de progressão e level up da personagem é concedida suficiente autonomia ao jogador, para decidir da forma que entender. Se quer ter uma personagem com mais habilidades mágicas ou mais capacidades para o confronto directo com as armas que tem à disposição. A árvore de habilidades permite uma constante melhoria dos atributos, ao ponto de permitir novas magias e e técnicas. As habilidades de Karon, o corvo que também participa nos combates, fornecendo pistas e finalidades relevantes, podem ser igualmente melhoradas, através da melhoria do equipamento em uso. É todo um sistema bastante aprazível e com suficiente complexidade para não se tornar monótono ou previsível, jogando com a profundidade e dificuldade das masmorras. Cabe ao jogador adaptar-se e verificar quais as melhores soluções num combate. No final, é uma estrutura “old school”, na qual são visíveis as influências de jogos como Metroid ou Castlevania. É pena que muitas das combinações e poderes não sejam disponibilizados numa série de compêndio organizado, para uma consulta rápida. Outra pequena falha é o texto de algum item sair do espaço quadricular.

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Detentor de uma banda sonora aprazível e sequências cinematográficas bem construídas, conjugadas com uma arte esmerada e um óptimo fio narrativo capaz de segurar o jogador através das constantes viagens no tempo, Astlibra Revision é uma óptima e desafiante experiência enquanto jogo de role play de acção. É verdade que é o resultado de uma produção a solo que recebeu o tratamento de uma equipa nesta edição Revision e que acomoda muitos elementos e uma gestão do equipamento e da experiência em modos old school. Mas também sabe bem que jogos com este calibre e composição continuem a chegar ao mercado, para lá dos nomes e das marcas que habitualmente triunfam nestas produções.

Prós: Contras:
  • Boa construção narrativa
  • Conjugação de mecânicas
  • Sistema de melhorias e habilidades
  • Batalhas envolventes
  • Muita exploração
  • Variedade de fundos
  • Dimensão artística
  • Banda sonora
  • Ausência de um glossário de movimentos e acções
  • Pequenos "bugs"

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