Axiom Verge - Análise
O retro está in.
Numa semana marcada pelo anúncio de mais uma consola de formato do meio da geração, assim como múltiplos comentários dos leitores, indecisos e divididos sobre se à nova consola terão que acrescentar um novo televisor e qual o modelo adequado para tirar melhor proveito, dei por mim embrenhado num dos títulos mais "underground" do ano passado.
Uma espécie de combinação de Metroid com Castlevania, em formato 2D, rematada por píxeis de uma geração abandonada embora recuperada em tons retro por fãs e entusiastas do género e cuja popularidade ainda permanece graças a uma fórmula que conserva as mesmas virtudes que a projectou. Axiom Verge é isso tudo. Concedam no entanto o atraso de um ano e meio na elaboração desta crítica. Na verdade, após os lançamentos na PS4 e no Steam em Março de 2016, foi lançada para a Wii U, no começo deste mês, mais uma versão, tendo a Nintendo em Portugal cedido gentilmente um jogo ao Eurogamer para apreciação.
Os amantes do retro, da ficção científica (Another World) e dos jogos de puzzles, acção e plataformas 2D sentem-se em casa desde a primeira hora, assim que contornam o segmento de apresentação, no qual o imprevisível herói Trace conduz uma experiência laboratorial que está longe de correr pelo melhor. Reduzido a um caco entre pó e escombros, recupera a força e a memória num novo espaço, do qual nada se sabe e cujas informações são tão escassas como encontrar uma agulha no palheiro. É talvez um dos pontos fortes, a permanente sensação de mistério que nos leva a querer saber mais e a unir as peças de um puzzle cuja dimensão nos fascina.
A arte pixel é reminiscente da geração 8 e 16 bit. Este jogo caberia num cartucho da NES ou num cartão Hu-Card da mítica consola japonesa PC Engine, uma 16 bit camuflada de 8 bit. O jogo apresenta-se em formato "sidescroll" 2D, sendo que o herói, podendo saltar (óbvio), ainda equipa armas e usa certas ferramentas que garantem uma interacção com elementos específicos, como sejam a quebra de blocos ou a correcção de certos píxeis de modo a formar novas plataformas. É um jogo muito inteligente, fluído, com bom ritmo, a crepitar movimento, oferecendo-nos regulares surpresas, desafios e bosses de apreciável complexidade. São raros os momentos mortos e toda esta cadência para a descoberta só arrefece quando somos forçados a efectuar algum "backtracking" e a defrontar os mesmos inimigos que eliminamos momentos antes.
A acção é rápida e a resposta imediata. Ao avançarmos entre as diferentes câmaras e ligações, descobrimos constantemente novas armas e upgrades. Estas são muito diversificadas e surtem diferentes efeitos. Uma delas dispara uma espécie de bala capaz de ser detonada a meio do trajecto, desfazendo-se num curvatura próxima ao efeito do fogo de artifício. Curioso verificar que podendo ser útil sobre certos inimigos, também pode servir de instrumento de abertura de alguns obstáculos.
À medida que penetramos a fundo naquele mundo recheado de inimigos hostis e avessos à nossa passagem, preenchemos um mapa que se mostra cada vez mais extenso, labiríntico e perigoso. Existem pontos onde podemos gravar a aventura, segurando uma posição quando nos aproximamos de um combate contra um "boss", o que é algo bem pensado e evita grandes perdas de tempo. Mas muitos dos acessos só são desbloqueados depois de encontrarmos o equipamento adequado . A área total é de tal modo significativa que algum tempo de ausência é suficiente para nos deixar algo perdidos sobre a próxima área a avançar.
A construção do jogo é sólida. As áreas nunca são gigantescas e o posicionamento dos inimigos é o ideal. A interacção chega a ser frenética, capaz de trazer à memória clássicos da acção "run'n gun" como Metal Slug. Escavando mais fundo e acedendo a novo equipamento, descobrimos ulteriores formas de interacção e até os efeitos da utilização das armas sobre os inimigos conduzem a desfechos imprevisíveis. Uma das minhas armas favoritas é a que recupera os blocos de píxeis com "glitch". O que poderia ser um erro no jogo, não passa de um pretexto para criar uma plataforma. A sua utilização é evidente nestes contextos mas experimentem usá-la contra um "boss" e poderão ser surpreendidos.
"A área total é de tal modo significativa que algum tempo de ausência é suficiente para nos deixar algo perdidos sobre a próxima área a avançar."
A ausência de linearidade favorece a exploração. Quantas vezes nos deparamos com a possibilidade de seguir numa direcção mais ou menos certa quando podemos parar e explorar melhor a área envolvente à câmara onde nos situamos, com a vantagem de estar por lá algum item que melhora a nossa saúde ou oferece mais capacidade de fogo. Nalguns casos só depois de uma exploração exaustiva é que chegamos ao equipamento necessário, que nos garante a progressão num sentido até então impossível. Esta forte tendência para a exploração conjugada com o permanente confronto e interacção com certos elementos garante uma longevidade apreciável, ainda que muito desse tempo seja consumido em "backtracking".
A música foge um pouco do estilo patente em Metroid e Castlevania, oferecendo sonoridades quase dançáveis que nem por isso deixam de se enquadrar com o ambiente misterioso e escuro que brota daquela conjugação de píxeis. Por vezes o ritmo torna-se quase psicadélico, ajustando-se bem ao modelo de corrida e disparo, especialmente nas "boss fights".
Por último, não deixa de ser relevante esta produção ser o trabalho de um homem apenas: Thomas Happ. Revela assim ser um grande conhecedor de um género retro mas capaz de singrar em tempos modernos, quando desenhado com saber, arte e paixão. Há um equilíbrio muito forte nas mecânicas e uma captura perfeita dos clássicos. O seu maior entrave é talvez a limitação no que toca a novas e inovadoras possibilidades. São bem visíveis as influências dos clássicos e fica a sensação de ter ficado por aí, optando por não mexer em equipa que ganha. Mas nem por isso baixa a guarida. Uma produção indicada não só para os amantes retro mas também para aqueles que não rejeitam um bom desafio, com imensas plataformas, disparos e acção.