Caixa Postal Nintendo

Quando foi a última vez que redigiram uma carta a um vosso amigo de estima, a um familiar distante ou a alguém que num dado momento se tornou especial nas vossas vidas? Eu imagino que o Baptista-Bastos, do alto do seu tom severo e proverbial, diga que já ninguém escreve cartas a ninguém. Ou seja, que a maioria das pessoas não escreve. E a maioria das pessoas não escreve cartas porque não têm canseira para isso, e porque não querem passar por uma série de procedimentos que envolvem arranjar papel, caneta e um envelope, ir ao posto dos correios para comprar um selo e enviar a carta e sobretudo ter alguma bondade no pouco tempo disponível que se tem para construir um texto coeso e apto a transmitir uma mensagem.

No fio do tempo, também o envio de postais perdeu preponderância. O Natal ainda é a melhor altura do ano para os distribuidores ganharem mais algum à custa destes envios de natureza excepcional, mas em férias de verão ou noutro período do ano, é uma técnica sempre habilitada a manter viva a amizade ou os laços de união que se desapertaram. Os postais enviados em férias tinham a sua comédia. Para além de ser mais cómodo e económico contactar alguém dentro destes termos, a imagem permitia cortar nas palavras (valia por mil), e do pouco espaço reservado no verso ao lado do espaço para o selo ficava a questão; como colocar eloquência e objectividade em três ou quatro frases? Depois de feita era um trabalho de exposição ao público, que ficava à mostra. Importava lá bem se os carteiros passariam os olhos por uma descrição que acompanhava a imagem com o centro financeiro de Nova Iorque.

Através de uma carta ou de um postal, alguém dava a outra pessoa um pouco de si. Uma folha de papel escrita ou um pedaço de cartão ilustrado ganham personalidade assim que ficam assinados e transformam-se num precioso identificador de um sujeito. Sabemos que aquela caligrafia só tem um autor. Mais ninguém escreve assim. Poderá existir algo de mais genuíno e pessoal? As mensagens electrónicas e os e-mails impessoais, circulares e publicitários tornaram-se dominantes e ocuparam o centro da mesa, assim como as mensagens rápidas de telemóvel se enchem de códigos tantas vezes indecifráveis.

Com acesso a um computador basta pressionar umas teclas ou com o indicador da mão bater num ecrã de vidro de um telemóvel inteligente para assim se conseguir uma mensagem escrita. A Caixa Postal que a Nintendo lançou como aplicativo para a Nintendo 3DS no final do ano passado é uma novidade nas consolas portáteis da empresa e enquadra-se dentro das estruturas tecnológicas que permitem a emissão e envio de conteúdos de forma totalmente gratuita. Muitos entenderão que isso não passa de mais uma ferramenta moderna que não se desvia do bloco de contactos mantidos por via electrónica. Que a Nintendo já lançou para o GameBoy uma impressora que gravava em rolos de papel fotografias tiradas com um acessório tipo câmara de filmar e que agora não serve sequer para imprimir imagens em três dimensões.

Mas eu acredito que esta Caixa Postal depressa se enche de nostalgia e de um incentivo à escrita, como que a servir de elo para a caneta e para o papel, lembrando-nos que os postais não caíram na ignorância. A livraria de modelos de cartas é enorme e constantemente aditada com fundos oriundos de utilizadores japoneses que comunicam com os ocidentais. Há motivos para todos os gostos, sem faltar a posição do sol durante o dia, a lua à noite, oceanos, formato noticioso, estações do ano, clima, férias, jantares, New Super Mario Bros 2, Nintendo Direct e comemorações fora e dentro dos jogos. É como se pudessem girar um cilindro de postais numa papelaria. Nunca mais acaba a oferta.

A Caixa Postal Nintendo não aceita papel, mas a caneta está ali à mão para escrever e desenhar o que tivermos em mente. Quer-me parecer que a grande limitação do aplicativo é a existência de uma carga de tinta que se esgota quando nos empenhamos mais a fundo num desenho ou num texto. Compreendo que tenha de haver um limite para não tornar as cartas pesadas e inviáveis, mas já seria bom se juntassem mais alguma tinta.

Por outro lado, a impossibilidade de estabelecer "chat" na mesma carta é um bom exemplo dessa orientação para a nostalgia. Com efeito, o "chat" nasceu dos actuais sistemas de comunicação electrónicos como messenger's e afins. Daí que se alguém quiser responder ao postal terá de fazer um novo e endereçá-lo ao mesmo utilizador. Ora, isto é bem mais representativo de um verdadeiro sistema de entregas postais.

Para enviarem e receberem cartas terão de ter ligada a função SpotPass da consola, o que significa que só com uma ligação à rede podem dar sequencia ao envio. Importa ainda lembrar que a recepção não é imediata no outro lado após o envio. A carta pode ficar retida e à espera que o utilizador receptor se conecte à rede. As entregas levam algum tempo, conduzindo a situações como receberem cartas dias depois do envio apesar de se terem ligado à rede durante esse período. É aconselhável, por isso, que façam uma actualização permanente do servidor para "desacumular" correio.

De resto e à semelhança dos postais de papel, este é um aplicativo que aguça a criatividade e o engenho. Há quem aproveite para desenhar tiras cómicas, para juntar imagens dos sítios por onde passa, ou simplesmente para contar novidades. A liberdade é grande no que respeita à dimensão que pretendemos atribuir à comunicação e a Caixa tem vindo a receber "upgrades", recolocando-a na ordem do dia. A mais recente actualização foi a possibilidade de usar cores para escrever ou desenhar. Não pensem que estamos diante de um Art Academy, mas este é um sistema que tem os seus trunfos. Juntar uma fotografia e um som a um postal são escolhas mais que suficientes para transmitir conteúdos únicos.

Não deve haver ninguém com uma 3DS que não tenha já enviado ou recebido pelo menos uma carta através da Caixa Postal. É uma carta electrónica que se lê dentro do sistema, mas que exibe um forte cunho do autor. Em suma, o que a Caixa Postal Nintendo nos acaba por dizer é que enviar cartas ou postais pode ser bem mais simples do que parece e que às vezes só falta ter vontade e a dose certa de boa disposição para transmitir uma mensagem. Com a certeza que do outro lado alguém irá ficar mais satisfeito em saber novidades sobre as nossas aventuranças e descobrir que, afinal, uma caixa de correio está longe de atrair termos como "spam" e correio indesejável, como o da administração tributária.