Capcom e as antigas propriedades intelectuais
Ainda a pensar em como tirar proveito da Nintendo Switch.
No activo ao longo de várias décadas, praticamente desde o começo da indústria dos videojogos, a japonesa Capcom permanece como uma das mais importantes produtoras, mesmo que tenha reduzido e estreitado a sua oferta. Desenvolver propriedades intelectuais como Street Fighter ou Resident Evil implica a distribuição de imensos recursos, não apenas financeiros mas também humanos. A falta de pessoal, ou melhor, a redução operada no sentido de minimizar as perdas encurtou o tamanho da manta.
Não vivemos mais o fervor da década de noventa, quando praticamente todos os projectos e ideias dos criativos adquiriam luz verde e se dava azo à imaginação. Nessa época, o sector das arcadas era altamente popular e era fonte de enormes receitas. Mas estas começaram a perder influência, com cada vez menos gente a passar algum do seu tempo e a gastar menos do seu dinheiro em luminosas máquinas, enfraquecendo as fontes.
Em consequência e à semelhança do sucedido com outras editoras, a Capcom procedeu ao encerramento de algumas divisões, em particular o Clover Studio, do qual saíram jogos como Okami e Viewtiful Joe, alguns expoentes máximos da criatividade nipónica depois da viragem do milénio. Muitos dos meus jogos favoritos desta produtora foram produzidos nessa época. Resident Evil (remake) e Resident Evil 4 (ambos para GameCube) ainda são os meus favoritos (hatters gona hate). Killer 7 foi outra grande experiência, juntamente com God Hand, um jogo injustamente subvalorizado.
Numa recente entrevista ao Toyo Keizai, o CEO da Capcom, Haruhiro Tsujimoto fala no interesse da Capcom em recuperar antigas propriedades intelectuais. É uma questão pertinente, que se põe não só à Capcom mas a outras companhias japonesas, como a Sega ou a Konami. Diz ainda o executivo que existem dificuldades em recuperar velhas propriedades, nomeadamente a falta de pessoal e as limitações em manter vários projectos em desenvolvimento quando os recursos se encontram destinados a uma produção.
A isso, acrescento, a falta de grandes criativos. Note-se que a Capcom teve contrato com Hideki Kamiya, Shinji Mikami e Atsushi Inaba, eles que trabalharam em conjunto em imensos jogos e foram as bases dessa produção desenfreada, capaz de tudo (Auto Modelista) mas ao mesmo tempo avançada, assente em ideias novas e refrescantes. O recente corte operado pela Microsoft em Scalebound, o jogo que a Platinum vinha desenvolvendo, com Hideki Kamiya a dar a cara, é mais um golpe num curso que é cada vez mais estreito e espinhoso.
A Capcom já não dispõe dos mesmos recursos de há uma ou duas décadas e por isso são comedidas as iniciativas mais arriscadas. O anúncio de um Monster Hunter XX para a Nintendo Switch é quase tão natural como a sede da companhia em beber da fonte que lhe dá mais garantias, enquanto que Ultra Street Fighter II Final Challengers se posiciona como a primeira linha na frente de uma longa batalha, sujeita às adversidades, preparada no tempo disponível e com os recursos encontrados em poucos meses.
Sobre a Nintendo Switch, Tsujimoto não disfarça uma realidade que volta a repetir-se depois de um novo hardware introduzido pela Nintendo no mercado. Poucas editoras independentes se mostram disponíveis, numa fase inicial, a lançar software específico e capaz de tirar verdadeiro partido das funcionalidades da consola. Mais uma vez a Nintendo abre caminho (também não tem outro remédio senão apostar na sua convicção do que pode ter sucesso e servir de padrão para a indústria), mas parece mais uma vez a única disposta a abrir caminho, de modo a que as seguintes produtoras encontrem uma superfície limpa que lhes permita avançar sem grandes dificuldades.