Carta aberta aos jogos em mundo aberto
Há coisas que precisam de ser ditas.
Gosto muito de vocês, gastei inúmeras horas a jogar-vos, mas honestamente já começo a ficar farto. Sim, eu sei que a culpa não é vossa! Vocês são meramente uma vítima num sistema capitalista que explora qualquer fórmula de sucesso até à exaustão. Não é uma forma saudável de negócio, mas os lucros falam mais alto. Espremer a vaca até à morte e passar de seguida para próxima vaca leiteira. É assim o estado dos videojogos, é assim o estado do sistema em que vivemos. Os mundos abertos (ou open-world se preferirem o termo original em inglês) tornaram-se em palavras quase obrigatórias para tornar qualquer jogo mais apetecível, são palavras que chamam a atenção e que vendem.
Actualmente, o vosso género nunca foi tão comum. Digo mais, são uma praga! Nem sempre foi assim. O primeiro estúdio a especializar-se em vocês foi a Rockstar Games com Grand Theft Auto (GTA). O esmagador sucesso que a série alcançou depois de Grand Theft Auto 3, que revolucionou para sempre os jogos em mundo aberto, tornou-vos altamente apetecíveis, no entanto, naquela época criar um jogo como vocês não era uma tarefa ao alcance de qualquer equipa devido às limitações do hardware. Foi na geração seguinte, com a PS3 e Xbox 360, que vocês começaram a alastrar-se.
O vosso sucesso contínuo, com excelentes exemplos como Assassin's Creed 2, Red Dead Redemption, Batman Arkham City, The Elder Scrolls V: Skyrim, Fallout 3, Far Cry 3, inFamous, Just Cause 2, ditou que as editoras começassem a apostar cada vez mais em vocês. De facto, a vossa premissa, para quem cresceu numa época em que os jogos ainda tinham bastantes limitações, é fantástica. Posso ir para qualquer lado, alcançar o cimo daquela montanha ou edifício no horizonte, espalhar o caos, roubar veículos, visitar cidades e aldeias diferentes! Isto soa mesmo bem. No entanto, como já diz o ditado, tudo o que é demais é erro. Infelizmente, vocês, os jogos em mundo aberto, são demasiados para o próprio bem do género.
A geração da PS4 e Xbox One é o vosso apogeu, mas é também o momento em que o declínio começou. São muitos os jogos em que o factor em mundo aberto não acrescentam nada a experiência. Em muitos casos, ser mundo aberto é meramente uma artimanha para prolongar artificialmente a longevidade. Já estou farto de jogos do vosso género em que o mapa é populado por objectivos e missões secundárias exactamente iguais, só mudando o local. Noutros casos, encontramos mundos enormes sem vida. De que é que vale ter um mapa gigantesco se 90% do que existe lá é desinteressante? Depois, há ainda os jogos que acham que têm que ter tudo e mais alguma coisa para não ficar atrás dos outros. Sublinhem isto, menos é mais!
"De que é que vale ter um mapa gigantesco se 90% do que existe lá é desinteressante?"
Ainda por cima, as más companhias não vos ajudaram! Desde que ficaram amigos dos jogos como serviço, a vossa imagem ficou pior. Os jogos como serviço até são boas pessoas, mas requerem uma combinação cuidada. Há amizades que devem ser bem pensadas e geridas.
Com esta geração a terminar e com a próxima cada vez mais perto, espero que vocês voltem a brilhar, não porque será possível ter mapas ainda maiores, mas pela oportunidade para implementar melhorias na vivacidade, nos detalhes, na inteligência artificial e em consequências palpáveis para as nossas acções. Enfim, quero mundos abertos mais complexos na forma como estão construídos, e não confundas isto com uma camada exagerada de mecânicas. O que nesta geração aconteceu, salvo raras excepções, foi um mau uso da tecnologia disponível. Vocês tornaram-se dinheiro fácil e o efeito foi nefasto. Foram usados e abusados por várias editoras. Já pensaram na hipótese num processo legal contra elas?