Chernobylite - review - Radioatividade
Conceitos interessantes sem a robustez necessária.
Desde o longínquo ano de 2007 que não surgia uma aposta de verdadeiro interesse que abordasse a temática relacionada com o acidente nuclear de Chernobyl, ano esse do lançamento de S.T.A.L.K.E.R.. É aí que entra Chernobylite, que necessitou de recorrer a um financiamento por crowdfunding através do Kickstarter, onde a produtora The Farm 51 revelava a necessidade do mesmo para terminar o processo de mapeamento de toda a Zona de Exclusão de Chernobyl na Ucrânia. O desenvolvimento também passou pela sua entrada num programa de acesso antecipado em 2019, tanto no Steam como no GOG, que serviu para angariar mais fundos para prosseguirem com o desenvolvimento e também a obtenção de feedback da comunidade.
Todas estas peripécias revelam um projeto parco em financiamento, que foi concluído por muita persistência e empenho da The Farm 51, em conjunto com a comunidade. Entre avanços e recuos, Chernobylite chegou finalmente ao seu estado final de desenvolvimento e foi lançado para PC no passado dia 28 de julho, e teremos as versões para consola a 7 de setembro de 2021. A versão aqui analisada é obviamente a do PC, e veremos se é um meritório sucessor de S.T.A.L.K.E.R., obviamente enquanto não chega a segunda incursão que está agendada para abril de 2022.
Esta minha entrada em Chernobylite foi repleta de expectativas e com apetite de voltar a 2007. A associação anteriormente referida é praticamente incontornável, mas ao mesmo tempo algo injusta. Tentei ao máximo fazer um reset e esquecer completamente o título da GSC Game World e deixar que Chernobylite contasse a sua história. De facto, este consegue destacar-se e constrói uma separação, criar o seu próprio conceito de linhas idealizadas para um formato distinto. Existe uma conjunção de elementos arrojados, mas por vezes em demasia, dando a sensação de um certo deambular por ideias não totalmente amadurecidas e finalizadas. Um tanto perdido na identidade de conceção.
Chernobylite é uma mistura de formatos, onde temos uma aventura recheada de emoção, sobrevivência, conspiração, horror, amor e obsessão. Estas são as condimentações idealizadas pela The Farm 51. Constrói um mundo recheado de eventos sobrenaturais que advêm do acidente nuclear de Chernobyl. O nome dado ao jogo é referente ao cerne de tudo, o próprio Chernobylite, que é uma espécie de substância radioativa surgida da explosão do reator, em que é formada de forma inexplicável até então, e afeta toda a Zona de Exclusão. Surgem tempestades radioativas, monstros, passagens temporais, e essencialmente um enigma por desvendar.
É aqui que entramos, vestindo a pele de Igor Khymynyuk, temos de investigar estes acontecimentos paranormais, que estão por detrás de toda a nossa caminhada em busca de um amor perdido, que permaneceu amarrado na linha temporal à data do acidente. Acompanhado por uma dupla de mercenários em busca de respostas ao que não consegue compreender e explicar, sempre na esperança de voltar a encontrar a sua amada, Tatyana. Uma jornada muito comum, diga-se de passagem, agarrada à obsessão e desespero, onde o sentimento por outra pessoa movimenta todas as nossas ações numa direção que aparentemente controlamos.
A parte inicial serve apenas de introdução, já que tudo se irá passar numa espécie de Base, armazém abandonado, onde damos os passos necessários para desvendar este mistério. A nossa Base é o centro de todas as ações, é onde construímos os engenhos necessários. Temos muitas opções de construção, que nos permitem criar armas, armaduras, recursos, munições, máquinas temporais, e até a capacidade de recriar na perfeição o tal Chernobylite. Também somos obrigados a manter diversos parâmetros da Base dentro de um determinado nível, para garantir o bem-estar dos elementos que se juntam à equipa. Qualidade do ar, níveis de radiação, conforto, e até objetos de lazer como televisores e rádios, são elementos fundamentais para o equilíbrio tanto físico como psicológico de toda a equipa.
Parece tudo muito aliciante até um certo ponto, mas a forma de construção não é a mais intuitiva e a gestão de todas as infraestruturas é um tanto rudimentar. Mas diga-se que cumpre com o propósito, apenas. Pessoalmente acho que não traz nada de essencial ao jogo, e nem sentiria a sua falta se não existisse, muito devido a aspetos relacionados com a interação com o que se cria, principalmente dos personagens por nós recrutados, que na prática não usufruem do que é criado, estando sempre nas mesmas posições e a executar movimentos repetidos, não interagem com o ambiente que os rodeia, acentuando a falta de realismo.
Estamos supostamente perante um jogo de sobrevivência, e na minha jornada não o senti, talvez isso aconteça em níveis de dificuldade superiores ao Normalm, que foi o escolhido. Os recursos são abundantes, são muito fáceis de adquirir, até podemos enviar a nossa equipa para os sectores e ficar na base a recolher os ganhos. O que se apanha nas incursões é utilizado na construção e fabrico de artigos. A economia do jogo necessitava de ser mais profunda e desafiante, é demasiado acessível, pelo menos assim o achei.
Como referi acima, a Base é de onde partimos para as incursões à Zona de Exclusão de Chernobyl, e as missões estão estruturadas e correlacionadas com o passar dos Dias. Quando completamos uma incursão e regressamos à Base, temos de dormir para voltarmos a ter missões disponíveis. A Zona de Exclusão está dividida por sectores, incluindo a cidade fantasma de Pripyat. Além de enviarmos cada elemento da nossa equipa a determinado sector, também podemos ir pessoalmente aos mesmos, estando assinalados a vermelho os que são essenciais para a progressão. É aqui que encontrei logo um ponto débil, as missões são demasiado básicas e repetitivas, onde nos deslocamos sistematicamente às mesmas áreas para executar sempre as mesmas tarefas. Há uma falta de originalidade tremenda nas missões.
As mecânicas de jogo estão um tanto desprovidas de aperfeiçoamento e profundidade. O elemento sobrevivência é colocado num patamar que não se adequa com o que é apresentado na prática, há uma abordagem superficial, com uma barra de saúde, armadura (quando a possuirmos), e um estado mental (Psyche). A furtividade é outra componente muito limitada, onde basicamente nos agachamos e procuramos um obstáculo ou vegetação para nos escondermos, e temos sempre um alerta se o inimigo nos está a detetar. Também há uma falta de polimento relacionado com as gunfights e comportamento da IA, que é muito primária. Quando disparam contra nós temos sempre a perceção de para onde estão a apontar, pelo simples facto de todas as suas armas possuírem um laser avermelhado. Os monstros são outra faceta que não se compreende, muito básicos nas suas ações, não representando um verdadeiro desafio.
Mas há mais aspetos estranhos em Chernobylite, como as habilidades que adquirimos com os pontos de experiência ganhos. Estas são treinadas pelos elementos da nossa equipa, cada um com as suas próprias habilidades, mas é um formato do mais aborrecido que já encontrei, a fórmula da The Farm 51 aqui não resulta. Qual a necessidade de existir um tempo de carregamento para entrar numa área onde apenas vou disparar para umas latas, ou para apanhar plantas? Para não referir que algumas são apenas para explicar conceitos. É uma execução sem sentido, bastava uma interface com uma explicação em texto que decidiria se valia a sua aquisição.
O facto das armas dos inimigos não poderem ser manuseadas é algo que não me sai da cabeça. Na mesma linha, temos a possibilidade de fornecer armas e armaduras aos nossos companheiros, mas artigos como poções, munição, kits médicos, etc. não são partilháveis. Das dezenas de artigos que possuímos apenas as armas e armaduras dão essa possibilidade, é simplesmente surreal. Esta decisão teve algo em mente por parte da The Farm 51, que não consegui alcançar, sinceramente.
O elemento construção foi muito aprofundado, e com notório trabalho, mas sinceramente, mesmo a possibilidade de efetuar construções durante as nossas incursões pelos sectores de Exclusão são completamente não essenciais ao progresso. Temos uma panóplia de gadgets que podemos construir durante as missões que nem dei uso. Isto é grave, pois desta forma parte apenas e só do jogador se vai entrar nas mecânicas idealizadas pela produtora, mas sem que sejam necessárias, o que torna todo o seu propósito irrelevante, significando uma enorme perda de tempo por parte da The Farm 51.
Finalmente algo de muito bom em Chernobylite; a sua arte visual. Sim, um espeto que está fenomenal, com a criação de uma área completamente influenciada pela radioatividade, com vegetação e edifícios a formarem um cenário pós-apocalíptico, e que demonstra que temos de avançar de forma cautelosa. O nosso PDA, que indica os níveis de radiação e a localização de recursos, é o nosso amigo número um. Mas remarco que é conseguido um visual muito acima da média, e a presença do DLSS da NVIDIA nas opções é fundamental para dessa forma colocar o grafismo no máximo possível. A parte sonora é que não está nada de especial, como uma música de fundo entediante (desliguei após algumas missões).
Estranhamente dei por mim interessado mais na narrativa, que inicialmente se apercebia corriqueira, do que na estrutura jogável das mecânicas. É de facto de salientar esta linha, que causa desconforto mental, e pensamentos de como iremos suplantar determinado obstáculo. Temos uma construção direcionada por linhas temporais, onde podemos manipular decisões através do mecanismo construído, e dessa forma alterar eventos passados e os correlacionar com o futuro que pretendemos. Criamos assim múltiplos passados, presentes e futuros, e é esta dança que teremos de manusear para progredir.
Este conceito salva Chernobylite. É de facto o auge de toda a experiência, e só lamento que não tenha sido mais utilizado em missões secundárias, que ganhariam relevo e o prolongar de toda a presença no jogo. Temos muitos conceitos de jogo que simplesmente não estão aprofundados e delineados com a robustez necessária. Há muito potencial jogável, mas percebe-se que ficou bastante por concluir. Talvez tenha sido um projeto demasiado ambicioso para as capacidades da The Farm 51 ou por constrangimentos orçamentais e de timelines.
Prós: | Contras: |
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