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Child of Light - Análise

Aurora portátil.

Foi em finais de Abril que finalmente tive a oportunidade de jogar Child of Light. Na altura, ao jogar a versão PlayStation 4, não fiquei com quaisquer dúvidas e ficou comigo como um dos melhores jogos até à data em 2014. Agora, cerca de dois meses depois, temos finalmente a chegada do jogo da Ubisoft à PlayStation Vita e tal como tem sucedido em outros lançamentos, as dúvidas perante tais conversões centram-se no seu estado e na sua qualidade técnica. Será que o departamento técnico não compromete a criatividade e engenho artístico na transição para uma plataforma portátil? Quais as contra-partidas e ganhos?

Patrick Plourde e Jeffrey Johalem lideraram a sua equipa no Ubisoft Montreal, recorreram a mentes brilhantes e criativas da sua cidade para os ajudar a elaborar elementos de maior classe, como a música a cargo de Couer de Pirate, elaborando uma autêntica fábula da era moderna que poderia facilmente ser lida a qualquer criança. Quando temos algo tão fascinante e deslumbrante em forma de videojogo sentimos que nada pode derrubar tamanho trabalho. Pelo menos nas consolas caseiras essa foi a sensação que tive, que nada poderia perturbar este incrível trabalho do estúdio do Canadá a não ser pequenos detalhes e pormenores que precisavam de retoques e refinamentos.

Agora, na PlayStation Vita, é chegada a hora de verificar se toda a engenhosa e elegante criatividade foram convertidas em pleno e com toda a sua justiça para a portátil. O motor Ubiart Framework já deu cartas na Vita, basta referir que para muitos (eu incluído) foi nesta consola que decidiram jogar Rayman Origins e Legends, portanto Child of Light é o terceiro jogo que usa este motor e que aterra nesta portátil. Será que cumpre? Frequentemente este sistema é criticado por deixar a sensação que apenas existe como apoio à PS4 e como receptora de conversões de jogos de outras plataformas, será que neste caso tal sai a seu favor?

Lemuria é incrível e consegue emocionar o jogador.

Child of Light transporta-nos para Lemuria, um mundo no qual o equilíbrio entre as trevas e a luz foi alterado, ficando perigosamente a oscilar na direção que menos desejamos. Aurora é uma pequena princesa que de um momento para o outro acorda numa espécie de pesado, longe de casa e a ver o seu pai morrer aos poucos. Agora, juntamente com a pequena bola de luz azul chamada Igniculus, Aurora vai percorrer as várias terras que compõe este mundo para ajudar os cidadãos a estabelecer a paz. O papel do jogador será presenciar esta jornada de magia e entrar em batalhas que alternam com a exploração.

A inspiração foram os clássicos JRPGs que muitos fãs lamentam todos os dias não terem de regresso. Assim que colidimos com um inimigo que vagueia pelo cenário (se os apanharmos desprevenidos temos vantagem no arranque) passamos para um ecrã de combate e a luta por turnos tem início. Aqui conhecemos uma das mais bem pensadas facetas de Child of Light assente no gameplay. Se inicialmente é o aspeto visual e o enredo que nos vão fascinando, quando começamos a lutar compreendemos desde logo que teremos algo simples mas profundo com capacidade para nos deixar agarrados ao jogo.

Vaguear pelos lindos cenários à procura de baús e itens escondidos que melhoram os nossos atributos, combater por turnos para melhorar o nível dos personagens para consequentemente decidir na árvore de habilidades como prosseguir, Child of Light usa a coesão e sintonia entre as diferentes funcionalidades do gameplay para em toda a sua simplicidade desarmar e conquistar o jogador. Aurora cativa enquanto protagonista, os antagonistas estão bem elaborados e os diferentes companheiros de viagem acrescentam algo à jornada, alguns pouco diga-se.

Uma das melhores e mais envolventes mecânicas de Child of Light é a forma como Igniculus interfere nos combates e exploração. Enquanto Aurora percorre os cenários controlada pelo jogador, Igniculus acompanha e também ele pode ser controlado pelo jogador. O ritmo do jogo não é elevado e a dificuldade muito menos ainda, bastante acessível até e sem desafio para os mais batidos no género mas a pequena bola azul incute alguma diversidade na experiência inspirada nos jogos clássicos. Isto porque Igniculus pode impedir que os inimigos ataquem, recolher itens que não podemos alcançar com Aurora ou até recolher pontos de vitalidade e magia para virar o equilíbrio dos combates a nossa favor.

Ocasionalmente vamos desferir, ou sofrer, um ataque que nos atrasa na barra de turnos em baixo no ecrã de combate. Isto dita que perdemos a ver de atacar e quando o timing pode ser do mais precioso para ditar uma vitória de uma derrota (imaginem que na vossa equipa de dois, máximo permitido, um deles está constantemente a perder a sua vez a atacar) e ficam com uma ideia de como usar Igniculus para atrasar os inimigos pode ser recompensador caso bem gerido. Atacarmos sucessivamente com os ataques mais adequados, estando atento aos elementos, enquanto Igniculus abranda o adversário e ficamos prontos para alcançar a vitória.

Na Vita o sistema de combate funciona na perfeição e sentimos que esta versão mantém toda a essência de Child of Light e de forma alguma foi comprometida neste aspeto. Posso dizer até que jogar na PlayStation 4 ou na PlayStation Vita é exatamente a mesma coisa em termos da experiência em si, é basicamente a mesma, tal como deveria ser. A única coisa que pode precisar de algum hábito é se quiserem deixar o analógico esquerdo e controlar Igniculus através do ecrã tátil. Precisa de uma boa hora ou mais para encaixarem a facilidade na navegação que isto permite e é provavelmente um dos maiores pontos positivos para esta versão em particular.

Não posso de forma alguma deixar de mencionar o incrível trabalho de Couer de Pirate ao criar esta banda sonora. É um trabalho tocante e que encaixa na perfeição na visão do estúdio. Dá até a sensação que ambas as componentes foram criadas lado a lado tendo a autora e cantora sido parte integrante do desenvolvimento. Jogar Child of Light com os headphones ligado à Vita é altamente aconselhado pois torna a imersão assim muito maior. Juntamente com o departamento visual, todo ele a lembrar um livro de fábulas para crianças desenhado à mão, esta obra do Ubisoft Montreal é colorido e vibrante, inspirador do início ao fim.

Na Vita é óbvio desde logo que a resolução desceu imenso e que perdemos muita da fidelidade visual que me fascinou tanto na versão PlayStation 4. Tal é normal e esperado. No entanto, a conversão foi bem gerida e no geral o jogo encaixa bem na portátil apesar de ser visível uma maior fragilidade neste departamento. São visíveis artefactos da conversão de resolução e no geral sentimos precisamente uma falta daquela força do visual caseiro. No entanto, quando estamos perante os melhores momentos do jogo e imersos na experiência, nem reparamos que a qualidade visual geral desceu. Se o jogam pela primeira vez apenas vão ficar impressionados com a alta qualidade artística.

Apesar de tecnicamente ficarem reservas, aliadas às pequenas falhas do jogo em si, Child of Light na PlayStation Vita e uma experiência brilhante. Ocasionalmente até custa acreditar que o estamos a jogar na portátil, mesmo que tal não deva surpreender. É um jogo divertido, cheio de profundidade e alma que vai tocar qualquer um que goste de JRPGs clássicos e de uma boa história. Mesmo que os demais personagens não sejam aprofundados e que Lemuria deixe mais espaço nos nossos sonhos do que propriamente no jogo jogado, na balança sentimos que foram feitas as devidas contra-partidas para tornar esta versão equilibrada.

Child of Light para a PlayStation Vita é simplesmente um dos melhores jogos que podem comprar para a vossa Vita lançados em 2014. Se já o jogaram numa das plataformas caseiras, muito do seu impacto é perdido mas é verdade que a experiência se torna ligeiramente diferente numa portátil. A sua essência não muda de forma alguma mas poder jogar em qualquer lado aquela experiência que tanto nos marcou sem dúvida é de grande valor. Para quem não o jogou provavelmente terão dificuldade em encontrar melhor relação entre qualidade e preço nesta plataforma no que já passou de 2014.

9 / 10

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