Citizen Zelda: Um modelo de referência
Um modelo de referência.
Ocarina of Time
The Legend of Zelda: Ocarina of Time (OoT), foi lançado em 1998, é o quinto título da série, e foi o primeiro a ser lançado totalmente em 3D. Existia muita expectativa e ao mesmo tempo bastante cepticismo na altura quanto à transição da série de 2D para 3D. Factual é que OoT trata-se do mais premiado videojogo da série, e recebeu a pontuação máxima (ou perfeitas) na altura, em publicações como Famitsu, Gamespot, Electronic Gaming Monthly, IGN, entre outros. Foi mesmo considerado pela Game Rankings, o jogo mais bem pontuado da história tendo apenas como rivais o título da Rockstar GTA IV, e o mais recente jogo da série de Mário, Super Mario Galaxy. Indicado em oito categorias no 2th Annual Interactive Achievement Awards, acção promovida pela Academy of Interactive Arts & Sciences, Ocarina of Time conquistou seis prémios. OoT Foi mais tarde emulado para a consola Gamecube acompanhando o jogo The Legend of Zelda: The Wind Waker, e mais recentemente tornado disponível na Wii virtual console, contudo, estas versões não correspondem completamente ao jogo original, e claro, não transmitem a mesma experiência de jogo do original de 1998.
Este sucesso de OoT surge numa altura crucial para a consola Nintendo 64, marcada por ser provavelmente a consola de sucesso com o menor leque de títulos disponíveis de sempre, cerca de 200 títulos foram lançados para a plataforma entre 1996 e 2001. Este facto deveu-se muito à insistência da marca nipónica em manter o formato de cartucho na sua Nintendo 64, o que levou grande parte das empresas externas de videojogos (third party developers), a recusarem desenvolver títulos para a consola, devido ao elevado preço de produção (comparativamente ao CD), e ao limitado espaço dos cartuchos (256MB).
É também nesta altura que a Sony entra no mercado com a sua Playstation, que rapidamente se tornou na consola com mais apoio na indústria, e com mais títulos disponíveis. Isto obrigou a Nintendo a apostar na qualidade para garantir o sucesso da sua N64, foi também neste período que se assistiu à transição para o 3D, que trouxe novas possibilidades e horizontes aos jogos de aventuras e de plataformas. OoT foi por várias vezes adiado, e lançado um ano depois da data inicial e superou expectativas, não só por manter os aspectos de sucesso da série, mas também por ser inovador em muitos outros.
Miyamoto afirmou que o principal conceito em Ocarina of Time manteve-se inalterado em relação aos outros jogos da série, onde temos que constantemente explorar e desvendar qual o caminho a tomar. O primeiro objectivo era criar um mundo tridimensional onde Link pudesse "viver", aliás, afirmou mesmo que a história foi incorporada numa parte mais avançada do design. O jogo começa com Link em criança na sua pequena vila em Kokiri Forest, e desde logo, surpreende a forma simples e rápida com que conseguimos controlar a personagem do primeiro Zelda em 3D e na terceira pessoa, usando para isso o botão direccional analógico da consola Nintendo 64. De facto, o também inovador comando (Figura 1) da consola revelou-se decisivo para o sucesso da mesma, principalmente nos títulos em 3d. A Nintendo concebeu em 1996 o primeiro stick analógico (ou seja, um stick que permite uma leitura das acções do utilizador de modo contínuo ao contrário do digital que actua de forma discreta e por isso menos fluído) para gamepad, anteriormente já tínhamos tido o joystick criado pela Atari em 1982.
A diferença esteve no modo de uso, enquanto o joystick era manipulado por via de toda uma mão, este novo stick era controlado apenas pela ponta do polegar, daí ser também conhecido por thumbstick (Figura 2). O stick analógico aliado ao ambiente 3D veio permitir um controlo de 360º sobre os jogos. O comando possui ainda um design exclusivo de "três dentes" que se molda perfeitamente na mão e outros 13 botões, incluindo um botão de tipo "gatilho" no dente central. Na criação de um videojogo existe sempre uma enorme preocupação em que o jogador se sinta confortável com o comando e com os botões necessários para a interacção com este, normalmente a exigência destes controlos aumenta com o nível de comprometimento exigido pelo videojogo em causa.
Ocarina of time traz consigo um gameplay variado que vai desde a economia, o combate, exploração, plataformas, colecção de objectos, vários tipos de puzzles (baseados em tempo, espaço, memória ou artefactos), navegação stealth, perseguições, corridas, tiro ao alvo, entre outros. Logo que começamos a explorar a zona inicial numa pequena vila (Figura 4) em Kokiri Forest, torna-se claro aquilo que faz de Ocarina of Time um título memorável. Tal como numa floresta ou num jardim, existe sempre algo escondido, tesouros, objectos perdidos ou entradas secretas. Somos também imediatamente apresentados aos primeiros elementos da história quando nos deparamos com o primeiro NPC que o jogo nos apresenta, Saria, um Elfo que nos introduz as primeiras pistas sobre a jornada que temos pela frente.
Logo na zona inicial, OoT introduz imensos elementos de surpresa e encoraja a que exploremos a vila livremente com a certeza que existirá sempre algo para ser descoberto, este elemento de surpresa é um dos principais elementos que faz um grande jogo, aliás, é talvez aquele que separa mais claramente um videojogo de um simples brinquedo, "surprise is a crucial part of all entertainment – it is at the root of humor, strategy, and problem solving. Our brains are hardwired to enjoy surprises" (Schell, 2008:26). Claro que depois de explorarmos o videojogo completamente a surpresa desaparece, no entanto, OoT proporciona imensos elementos de surpresa em cada caverna que entramos, ou a cada baú que abrimos (Figura 3). Importa ainda referir que alguns elementos em OoT, são comuns nos quatro títulos anteriores da série, o que leva a que o nível de surpresa não seja o mesmo para quem está familiarizado com a série. Ainda assim, o facto de ser o primeiro Zelda em 3d, a experiência de jogo distancia-o dos anteriores em muitos aspectos.
Outro elemento importante que está directamente ligado à surpresa é a curiosidade. à medida que avançamos na aventura, ficamos com a certeza que qualquer zona ou masmorra nova trará consigo novos elementos de jogo, novos objectos e diferentes desafios, isto levanta na cabeça do jogador várias questões, como será a próxima arma? Quantos mais puzzles terá esta masmorra até ao confronto final? O que será que tem dentro daquela caverna que eu ainda não consigo entrar? Quando será a próxima cutscene? Estas dúvidas permitem alimentar as motivações do jogador para explorar o conteúdo do jogo, e não se trata apenas da vontade de completar os objectivos deste, são motivações mais profundas, alimentadas pelas questões que surgem implicitamente na mente dos jogadores com base na curiosidade à medida que avançam na história.
Não percam a segunda parte do artigo no próximo fim-de-semana.