Citizens of Earth - Análise
Yes wii can!
Relativamente recente no circuito de produção de jogos, o kickstarter (modelo de financiamento de jogos através de contributos e donativos dos fãs) tem proporcionado a realização de sonhos e jogos de muitos produtores que de outro modo dificilmente seriam apoiados pelas editoras. No entanto, está longe de ser a fonte segura de sucesso e sem margem de risco que se pensava. A possibilidade de não ser cumprida a meta estabelecida para arrancar com o projecto bateu à porta de Citizens of Earth, o jogo do estúdio canadiano Eden Industries. Tendo aberto uma campanha para atingir 100 mil dólares canadianos, no fim do prazo previsto o estúdio angariou quase 37 mil dólares, um valor muito aquém do esperado.
Apesar do rotundo fracasso da campanha, a produtora não desistiu e prosseguiu na sua intenção, em tornar real o jogo. Felizmente a Atlus juntou-se a tempo de levar o jogo até novas plataformas, entre as quais figuram a Nintendo 3DS e Wii U, que agora analisamos. O apoio daquela editora, notabilizada por publicar imensos rpg's de origem nipónica, demonstrou ser decisivo, ao ponto de fazer chegar Citizens of Earth em formato digital ao mercado norte-americano e europeu, o que não deixa de ser uma meta muito interessante, num sentido inverso à evolução de Earthbound, uma série da Nintendo que é a grande influência de Citizens of Earth e que começou como exclusivo japonês (Mother). Outros jogos também exerceram algumas influências, nomeadamente a gigante série Pokémon e o especial Suikoden.
O resultado desta visão da Éden conjugado com este somatório de experiências resulta num role play de comédia, de aspecto animado, maioritariamente cartoon, imbuído de mecânicas de jogos clássicos, em especial o jogo do Hal Laboratory, conhecido no Japão como Mother, e com uma selecção de vozes que se conjugam como os diálogos de uma sitcom.
O jogador veste a pele de um sujeito peitudo, aprumado, com sinais de revestimento de uma camada de cera e que numa bela manhã seguinte à investidura de vice-presidente do planeta terra, percebe que afinal algo não está bem e que os cidadãos, outrora pacíficos e satisfeitos com a governação, manifestam-se violentamente nas ruas, empunhando cartazes e oferecendo luta à equipa liderada por esta icónica personagem e capa de jogo justamente quando procura obter informações sobre o sucedido.
Com uma nuance. O vice-presidente segue os acontecimentos sempre à distância, não penetra no combate e serve-se dos seus familiares e "correligionários" para combater os rufiões e provocadores, permanecendo sempre à distância. O ponto interessante é que até 40 personagens podem ser "convidadas" a juntar-se à equipa, embora apenas três sejam titulares em combate. Em todo o caso e alargada a comitiva é possível seleccionar quais as personagens que irão participar num determinado momento, enquanto que as outras serão enviadas para a escola, precedendo um treino específico dentro de condições essenciais.
Porém, este é um processo gradual e lento, que não só requer uma boa exploração e muitos contactos e diálogos, como força o jogador a progredir na história antes de lhe serem destacados os primeiros aliados. Nada que no essencial não seja diferente noutros jrpg's algo similares mas perspectivava-se que estas opções pudessem ser utilizadas com maior intensidade logo desde o começo do jogo e isso não acontece. Aliás, a escola é um espaço vasto, densamente povoado e onde facilmente nos perdemos.
Tendo como ponto de partida uma típica vila/cidade norte-americana do tipo Springfield com a sua padaria, posto de polícia, escola e outros serviços, assim como imensas moradias ladeadas de tratados jardins, é imediata a equiparação com o design de Earthbound. A perspectiva isométrica confere um aspecto tradicional e clássico dos jrpg's de primeira e segunda gerações, de composição a duas dimensões. Aqui o desenho é mais estilizado, com um colorido que sobressai numa televisão de alta definição e que pouco ou nada fica a dever a muitos comics.
A nota dominante da narrativa que propaga em Citizens of Earth é essencialmente o humor e o tom de comédia que perpassa nos inúmeros diálogos envolventes a uma série de situações insólitas que acontecem uma atrás da outra. Pena que a entrada num estabelecimento ou casa seja sempre acompanhada de um pequeno loading. Não é nada de preocupante mas corta um pouco o ritmo e naquelas situações em que somos forçados a entrar e sair com regularidade torna-se um aspecto desagradável. Vale a pena, no entanto, descobrir as singularidades das personagens, tom de voz e as suas respostas. Algumas trazem um rótulo colado às costas e identificam-se mesmo sem uma abordagem.
O combate por turnos e o sistema de ataques e defesas associado à party que temos num dado momento não avança com grandes novidades, mais parecendo que os produtores quiseram aperfeiçoar sistemas de jrpg's já existentes. Ainda assim, os inimigos estão sempre visíveis no terreno pelo que só forçamos o combate se entrarmos em contacto com eles. Estes podem atacar individualmente ou por equipa. As nossas personagens são fortes em determinadas habilidades e tanto podem aniquilar as defesas inimigas como lançar ataques letais. É importante ter em conta a energia de uma personagem, pois só devidamente abastecida (após tomar um café, por exemplo) poderá aplicar um golpe especial. As reacções das personagens aos ataques são diferentes e não deixam de evidenciar acções relacionadas com a sua profissão ou ocupação, uma curiosidade que no entanto em nada modifica a natureza do combate.
Citizens of Earth casa com Earthbound e com uma série de outros rpg's de tradição nipónica, tirando daí uma série de vantagens como uma identificação maior para os fãs das mecânicas e combates, expondo no entanto algumas fraquezas, como os persistentes tempos de loading e os constantes combates para fazer subir uma personagem rapidamente de nível. Se Earthbound é próprio de um tempo distante, já Citizens of Earth apresenta-se como jogo de 2015, pelo que não obstante a nostalgia deveriam ter sido acauteladas algumas transformações. Isso não impede o jogo da Eden de ser um título aprazível e apelativo, mesmo não estando ao nível de outras produções.