Como o hype mudou a crítica
Expectativa e desilusão.
Durante a semana passada foi lançado um dos jogos mais aguardados do ano: The Order: 1886. Não é segredo nenhum que os exclusivos PlayStation 4 no primeiro ano de vida da consola não foram capazes de impressionar (o melhor cotado foi inFamous: Second Son, com um metascore de 80) pelo que a expectativa criada em torno da estreia da Ready at Dawn nas consolas domésticas era elevada. Enquanto escrevo estas palavras, a página do jogo no Metacritic apresenta um metascore de 65 e um user score de 6.5, uma paridade algo rara no site. 65 pontos em 100 não é uma nota péssima mas também não é uma nota boa. É um satisfaz mais, como se dizia na escola.
Bastaram-me os primeiros minutos com o jogo para perceber que a morna recepção era justificada: é um jogo muito bonito mas não passa disso. A jogabilidade é fraca (ficando muitos pontos atrás de Gears of War ou Uncharted), a história é aborrecida, as personagens são feitas de contra-placado, o último boss é absurdo, é muito curto e não existem incentivos para voltar a ele assim que as 7 horas de jogo chegam ao fim. Ah, e custa 69.99€, o que dá uma média de cerca de 10€ por cada hora de entretenimento.
No jogo nada é péssimo (não há bugs constantes, não é injogável); mas também nada é especialmente bom (tirando os gráficos). The Order: 1886 não vai ficar na história dos video jogos. Talvez seja uma nota de rodapé e apenas pelas piores razões. No entanto, o jogo serve para atestar uma tendência que se tem verificado desde 2013: o hype está a mudar a crítica dos video jogos.
All aboard...the hype train!
O lançamento de um video jogo é um processo que se inicia com um simples anúncio: o estúdio A confirma que está a desenvolver o título B para as plataformas C, D e E. Na maioria das vezes vemos apenas um nome ou um logo mas, de vez em quando, temos direito a cinematics que servem para estilizar o conceito do jogo. Em casos raros, somos presenteados com gameplay. Cada um destes estágios gera nos jornalistas e jogadores diferentes níveis daquilo que chamamos de hype - a excitação que precede o lançamento de alguma coisa. Não é claro que um tipo de revelação seja mais eficaz que a outra a gerar hype: Final Fantasy Versus XIII ou de The Last Guardian, por exemplo, geraram quantidades gigantescas de hype sem nunca mostrarem gameplay. A exclusividade também ajuda a gerar burburinho extra graças aos fanboys das marcas, uma minoria vocal que utiliza estes jogos para justificar a superioridade da sua consola sobre a concorrência, facilmente manipulados pelas marcas para gerar publicidade grátis pela internet fora.
"A revelação do jogo arranca a viagem do comboio do hype. Pelo caminho vai parar em várias estações e apeadeiros para se abastecer com o carvão necessário."
A revelação do jogo arranca a viagem do comboio do hype. Pelo caminho vai parar em várias estações e apeadeiros para se abastecer com o carvão necessário. Este carvão assume a forma de vídeos, bullshots, notícias, promessas do que vem aí, o quanto o novo jogo puxa pelas máquinas e a mais recente inovação no que toca a RP: discutir publicamente se o jogo vai correr a 1080p ou a 60fps. O importante é manter a máquina do hype a funcionar até esta chegar ao seu destino: o lançamento. É aqui que o comboio do hype faz a sua última paragem e onde, nos últimos tempos, boa parte dos títulos AAA não tem correspondido ao que foi sendo construído em seu redor. Destiny, DriveClub, Watch Dogs e o recente The Order: 1886 são apenas a ponta de um iceberg criado por uma indústria que tem investido de mais em marketing e de menos em desenvolvimento dos próprios jogos.
Como o hype mudou a crítica
Até há bem pouco tempo, a “vida pública” de um jogo terminava com o seu lançamento. O DLC veio estendê-la mas é a polémica quem tem feito um melhor trabalho nesse sentido. Os dois últimos anos foram especialmente frutuosos neste aspecto, com vários críticos a actualizarem as notas das críticas que fizeram a alguns títulos porque a experiência enquanto consumidores finais foi drasticamente diferente da que tiveram quando os avaliaram. Sim City e Diablo III simplesmente não funcionavam, Drive Club e Halo: Master Chief Collection não tinha componente online. Quem paga full price por um jogo no lançamento ou quem já pagou adiantado através de pré-encomeda não merece um produto que funcione apenas parcialmente ou não funcione de todo. A revisão da crítica é uma inovação que, enquanto consumidor, agradeço e aplaudo.
Quando era miúdo, comprava religiosamente revistas de video jogos todos os meses (a Multi Consolas era a minha favorita, seguida da revista oficial PlayStation, bastante cara mas sempre com um CD com demos). Se ainda tiverem algumas revistas antigas à mão, sacudam-lhes o pó, passem à frente a secção de notícias com o Starcraft: Ghost e as entrevistas com promessas de que Fable vai ser o melhor jogo de sempre, e vejam as críticas aos jogos AAA lançados nesse mês. Repararam em alguma coisa? Pois é, tempos houve em que bastava a um jogo ser AAA para ser considerado obrigatório.
Quando comparávamos as críticas de video jogos a outras indústrias do entretenimento, facilmente chegávamos à conclusão de que esta era muito generosa. Hoje em dia já não é tanto. A quantidade de filmes, livros e discos universalmente aclamados lançados num ano conta-se pelos dedos de uma mão pelo que não é realista achar-se que os video jogos são especiais e que aqui a criatividade flui enquanto nos outros locais escasseia.
A crítica a video jogos chegou finalmente ao ponto em que não basta a um título ser competente para receber uma boa nota: é preciso ser merecedor da atenção e do dinheiro dos consumidores. Os video jogos são caros e exigem uma grande disponibilidade da nossa parte para serem apreciados. A crítica tem cada vez mais noção dessa realidade e tem contrabalançado o hype desmesurado com uma exigência cada vez maior. Halo 4 foi o primeiro título na aclamada série com um metascore abaixo dos 90 e Knack, usado para demonstrar as capacidades técnicas da PlayStation 4, foi completamente esmagado pela crítica.
Há uns anos atrás, não tenho dúvidas de que The Order: 1886 teria sido um título aclamado e vencedor de prémios. Em 2015, um jogo cuja jogabilidade e história não passam de funcionais, com uma duração média de 7 horas (algumas delas a assistir a cinemáticas, com e sem QTEs) e que custa 69.99€ não pode ser recomendado com ligeireza por mais hype que tenha gerado. A Ready at Dawn queria aproximar os video jogos de Hollywood e, de facto, conseguiu fazê-lo. Apenas não o fez pelas razões que tinha em mente.
Devemos ou não ligar à crítica?
Muitos afirmam não ligar a críticas e defendem esse sistema como sendo o mais “justo” na avaliação de um jogo. Acrescentam que existe subjectividade na avaliação de video jogos e a experiência com um título pode ser radicalmente diferente daquela que um crítico teve.
Não sou fã deste sistema de desconfiança generalizado em relação à crítica por algumas razões:
1- Tenho fontes nas quais confio. Não leio muitas críticas a video jogos mas leio algumas e evito outras. Além da Eurogamer, a opinião da revista Edge e do Jim Sterling (ex-editor do The Escapist) têm algum impacto nas decisões de compra que acabo por tomar. Pelo contrário, evito opiniões como as da Famitsu (que tinha padrões demasiado altos e hoje tem-nos demasiado baixos) ou do Yahtzee (padrões ridiculamente elevados e raramente desfruta de um jogo).
2- A minha carteira tem fundo, isto é, não tenho dinheiro para comprar todo e qualquer jogo que é lançado pelo que aprecio uma triagem antes de tomar algumas decisões de compra. É um comportamento razoável por parte de qualquer consumidor que pretenda fazer uma compra que pese no seu orçamento.
3- Hoje em dia podemos ver a qualquer hora gameplay de quem já tem o jogo. Não temos o comando na mão mas ficamos com uma boa ideia da experiência que podemos ter se nos decidirmos em comprá-lo.
Independentemente da forma com que olhem para a crítica, apenas vos imploro que não entrem em teorias da conspiração, denegrindo a integridade profissional dos jornalistas com acusações de subornos e parcialidade para com algumas marcas sempre que um exclusivo da plataforma da vossa preferência receber uma nota inferior a 9 em 10. Não cedam a impulsos de fanatismo e lembrem-se que a Sony lançou o Knack, a Microsoft arruinou a Rare e a Nintendo publicou o Wii Music. Ninguém está isento de culpa.