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Company of Heroes 2 - Análise

No exército vermelho a maior coragem está em recuar.

Quando em Dezembro do ano passado estive em Londres para ver o modo multijogador de Company of Heroes 2, acredito que os produtores da Relic presentes estivessem longe de imaginar o “tsunami” que estava para vir, e que culminou com o pedido de falência da THQ, colocando em perigo todos os projetos a decorrer debaixo da alçada da editora.

Em Janeiro deste ano a Sega acabou por comprar a Relic, incluindo as suas propriedades intelectuais, garantindo que a sequela chegaria mesmo ao mercado e cumpriria as promessas feitas até então. A responsabilidade era grande, o primeiro Company of Heroes foi o RTS mais bem pontuado de sempre em vários meios especializados, por isso superar a sua receção seria uma tarefa a roçar o impossível. Os RTS de guerra estão algo estagnados, aliás, desde o primeiro Company of Heroes que não vejo nada de realmente diferente no género.

Diria que conhecendo hoje as dificuldades financeiras que a companhia enfrentou durante a produção do jogo, não seria de esperar grande risco ou grandes inovações em cima de um sistema que francamente envelheceu muito bem. O novo motor Essence 3.0 de que a Relic é proprietária permitiu ainda assim algumas novidades, como o sistema meteorológico que traz os perigos do inverno para o interior dos confrontos, mas já lá vamos.

Considerando o longo período entre os dois jogos da série, era natural que este segundo título fosse francamente superior em termos gráficos e no detalhe das animações. Mas mais importante ainda, é a forma como continua a retratar um ambiente de guerra histórico com invulgar autenticidade. Em Company of Heroes 2 não há inimigos ou heróis individuais, a guerra é o antagonista, e não há nada que as nossas ações possam fazer para mudar isso.

O meu primeiro contacto com o jogo foi no modo multijogador que esteve durante muito tempo em beta aberta, e por isso desta vez mergulhei logo na campanha e no modo “teatro de guerra” que falarei mais à frente. A história que nos espera tem pouco a ver connosco enquanto jogadores, é antes uma viagem pela agoniada memória do antigo oficial do exército vermelho Lev Abramovich Isakovich, que serviu na frente este durante a segunda guerra mundial.

Esta frente de batalha que opôs a União Soviética aos Nazis é uma das maiores carnificinas de seres humanos de que há memória, mas curiosamente é a menos retratada nos videojogos. Talvez por ter sido um dos conflitos mais inúteis da história, Hitler enviou Alemães para marchar no frio Soviético, declarando guerra à própria natureza, e Estaline atirou compatriotas (mulheres e crianças inclusive) para a frente dos tanques alemães para os atrasar até morrerem de privação e frio.

Retratar a frente oeste sempre foi por isso mais interessante para as produtoras, podiam aproveitar para mostrar os aliados como heróis, ou para incluir uma história sobre superação ou amizade. Neste caso, a Relic mostra-nos apenas destruição e morte, desde a tomada de Stalingrado até ao conflito na Bielorrússia, enquanto o exército Alemão avançava em direção a Moscovo.

Tal como no antecessor, o ritmo é mais lento do que estarão habituados noutros jogos do género, o enfase é colocado na conquista de espaço, recursos e no cuidadoso posicionamento das tropas. Isto é particularmente importante no caso das unidades de armas fixas, cuja recolocação é lenta mas o poder de fogo é superior. É possível colocar unidades terrestres dentro dos edifícios, tornando-as fixas, mas aumentando a sua cobertura, normalmente optava pelos snipers para este efeito.

Outra estratégia que usei e abusei foi a de colocar morteiros atrás da linha defensiva, e desde que façam bem o trabalho de scout às posições inimigas, eles bombardeiam-nas infinitamente. Recuar não é hipótese no exército vermelho, e para provar isso, em situações de maior tensão é decretada a ordem número 227, que implica disparar contra os próprios soldados aliados em caso de retirada. Não é por acaso que se diz que na União Soviética é necessária mais coragem para recuar do que para avançar. Esta mecânica é interessante, mas passa facilmente despercebida em termos práticos, como em qualquer videojogo, o nosso foco está sempre em avançar, raramente em recuar.

Desde stalingrad onde a URSS ainda mantinha linhas de mantimentos funcionais, até à frente de batalha em Leningrado, os objetivos de cada uma das 14 missões são um bom exemplo da ingratidão com que milhares de soldados se depararam durante o conflito. Segurar a linha defensiva durante um certo tempo, ser forçado a destruir os próprios recursos para não caírem em mãos inimigas, ou enviar batalhões ao longo de fortes nevões cuja capacidade de matar rivaliza com o pior dos inimigos.

O ambiente gelado do inverno Russo que historicamente foi responsável por importantes perdas no exército Alemão é agora algo que entra no cálculo estratégico dos jogadores. As unidades movem-se muito mais lentamente durante o inverno, e somos obrigados a procurar abrigo durante as fases críticas dos nevões, ou os soldados vão morrendo de hipotermia. Isto requer que fixemos posições perto de edifícios, ruínas ou junto a pequenas fogueiras que nos mantêm vivos.

Abrem-se novas opções de navegação também, por exemplo, os rios congelam tornando-se em autênticas estradas de gelo que abrem um caminho direto para o espaço inimigo. São ainda assim especialmente perigosas, uma simples granada é capaz de quebrar o gelo e enviar um exército inteiro para o interior da água gelada. É um risco que teremos sempre que pesar, especialmente contra outros jogadores.

Outra novidade que tem uma importância relativa durante a campanha, e que parece desenhada especialmente para as partidas entre humanos é o Truesight. O que esta mecânica faz é julgar a visibilidade de cada unidade individualmente, ou seja, o jogo calcula a linha de visão para cada uma das unidades em tempo real durante as batalhas. Isto aumenta ainda mais a importância do posicionamento, nunca se sabe o que se esconde por detrás de cada arbusto, de cada rochedo.