Contrast - Análise
Entre a luz e as sombras.
Contrast tem como trunfo imediato o facto de ter personalidade própria, logo no primeiro olhar, percebemos que se trata de uma proposta diferente. O seu conceito base tem alguma ambição, nomeadamente no que à jogabilidade diz respeito, com uma alternância interessante entre o 3D na terceira pessoa, e o 2D imposto pelo mundo das sombras. Esta mudança de estilo é acompanhada ainda por uma simbiose entre puzzles e sessões de plataformas, assistidos por uma escrita competente.
A protagonista é Didi, uma corajosa e inteligente menina que vive sozinha com a mãe algures pela Paris dos anos 20. Nós somos Dawn, a sua amiga imaginária. Na pele de Dawn, Didi é a única pessoa que conseguimos ver, pelo menos fisicamente. Isto porque tudo o resto são sombras, podemos ver o reflexo dos gestos das pessoas, os edifícios e objectos em sombra nas paredes, tudo o resto, é apenas o vazio dos cenários.
Não me quero alongar acerca da história, até porque o jogo coloca muitas fichas nessa vertente e a parte inicial é muito importante porque marca o que vamos esperar dos eventos daí para a frente. No geral penso que é bem conseguida, mas ao mesmo tempo, que o seu principal mérito está na forma como é transmitida, não na grandeza dos eventos em si.
De algum modo o jogo presta homenagem a vários estilos de espetáculo, do teatro ao cinema, passando pelo circo e o cabaret ao longo de 14 capítulos em que vamos alternando entre o 3D e o 2D. A ideia de ultrapassar cenários utilizando ora as plataformas do mundo físico, ora a própria parede onde os reflexos formam as suas próprias plataformas, é uma ideia que merece o mérito da originalidade, torna os segmentos amplos por termos mais por onde considerar.
Existem as sombras naturais definidas pela própria estrutura do cenário, outras que podemos manipular movendo certos objetos, e ainda aquelas que se encontram em permanente movimento, as mais desafiantes com toda a certeza. O processo envolve quase sempre a interação com os elementos dos níveis para ajustar a posição das sombras no quarto, e depois o julgar da temporização para aproveitar as sombras e alcançar o ponto seguinte.
Contrast é um projecto de dimensão modesta, não esperem encontrar detalhe no desenho dos níveis ou texturas de qualidade, ele compensa isso com uma estética imponente e algumas boas ideias. O que não encontra compensação é o "feel" atabalhoado da navegação, que interfere sobremaneira com a experiência geral do jogo. O movimento da personagem é rápido e muito sensível para plataformas curtas, ficar preso no cenário é um modo de vida, aliás, quase diria que a tentativa de procurar saliências nas paredes para atalhar plataformas é uma actividade recomendada.
Depois de alguma habituação, acaba por ser prazeroso saltar e executar um "dash" no ar, mudar para a parede em sombra e fazer o mesmo atingindo uma plataforma no mundo real. O conceito é bom, a execução é que é desajeitada. Felizmente é muito rápido iniciar uma nova tentativa depois de falhar, e por isso progredimos a bom ritmo, alternando entre momentos em que temos que resolver puzzles no nível, e executar saltos nas paredes.
Quando temos que parar para ajustar os elementos do cenário, torna-se perceptível a fraca execução técnica do jogo, da física em particular. Pegar em objetos por exemplo, algo que fazemos com bastante frequência, é um processo francamente doloroso, com animações robóticas e atabalhoadas. Felizmente no que diz respeito à resolução concreta do puzzle já há mais interesse, alguns dos puzzles são inteligentes e diferentes. Não posso dizer que são complicados, principalmente porque o método "tentativa-erro" se sobrepõe quase sempre ao imaginar como os elementos se conjugam de forma abstracta.
Onde a execução do jogo é mais competente é no campo dos diálogos, tanto durante as rápidas cinemáticas, como na narração que Didi faz enquanto a acompanhamos. A estrutura de progressão entre quadros que envolve ir do ponto A ao ponto B, acompanhados pela narração de Didi, faz lembrar Portal, ainda que a anos luz da execução deste último. Joguei a versão original em Inglês, com legendas no nosso bom Português, quase sempre bem traduzidas.
"A estrutura de progressão entre quadros que envolve ir do ponto A ao ponto B, acompanhados pela narração de Didi, faz lembrar Portal…"
A aventura oferece uma série de coleccionáveis, a questão é que metade deles está mesmo perante os nossos olhos, já os restantes conseguimos com sessões de plataformas nas sombras debaixo de um cronómetro. Estranho que a recompensa seja a mesma para dois níveis de esforço bem diferentes, acaba por nos fazer desligar de algo já por natureza, secundário.
O jogo é curto, em consonância com a dimensão do projecto. Precisarão de entre 3 e 4 horas para terminá-lo, dependendo do tempo que ficarem bloqueados nos desafios. Ainda tive algum desses momentos, e como quase sempre, a resolução era quase sempre algo óbvio, que esteve sempre debaixo do meu nariz.
O momento alto que não resisto em partilhar é passado em side scrolling nas sombras, como performer de uma peça narrada pelo próprio rei, e em que nós somos... a princesa. Nesta fase as sombras vão adaptando o cenário à medida que a narração avança, as plataformas são muito mais naturais nas fases 2D, acho que merecia mais conteúdo nesta toada.
Contrast foi uma experiência diferente, não memorável, mas que de alguma forma conseguiu prender a minha atenção até ao final. Vale pela sua estética muito noir, aliada a uma banda sonora de cabaret e uma inteligente mistura de padrões de jogo, tanto na alternância 2D, 3D, como na variação entre os momentos de plataformas, e aqueles em que vamos sendo postos à prova mentalmente.