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Cópia ou criatividade

Remix como processo de criação e evolução.

Kevin Kelly no seu ultimo livro "What Technology Wants" [1] diz-nos que a tecnologia é tudo aquilo que criamos, é todo um sistema cultural, é "uma ideia de um sistema de criação auto-suportada". Por auto-suportada Kelly está a falar de propriedades intrínsecas, tentando definir aquilo que em sua análise faz mover a tecnologia. Para Kelly o que a tecnologia quer, é aquilo para o qual a desenhámos, aquilo para o qual a direcionámos, mas mais do que isso esta possui desejos próprios. E esses desejos passam por uma vontade de hierarquização, tal como nos sistemas orgânicos. Como qualquer sistema vivo, a tecnologia quer perpetuar-se a si própria, manter-se "viva". E à medida que vai evoluindo em complexidade estes desejos internos vão ganhando mais poder, resultando num conjunto de forças intrínsecas que empurram e sistematizam a evolução da mesma.

Ou seja, temos aquilo que podemos definir como "inevitabilidade tecnológica", que não é mais do que um condicionamento do próprio desenvolvimento tecnológico. E é este condicionamento que justifica que tecnologias iguais apareçam simultaneamente em diferente partes do globo, que existam registos das mesmas patentes, por vezes feitas no mesmo dia ou com poucos dias de diferença. Por exemplo Alexander Bell e Elisha Gray realizaram pedidos de patente sobre o telefone exatamente no mesmo dia, a 14 de Fevereiro de 1876. Assim como por exemplo se estima que a máquina de escrever tenha sido inventada por mais de meia centena de vezes, com ligeiras modificações, por pessoas que não se conheciam, umas nos EUA outras em UK. Existem estudos sobre invenções realizadas em paralelo por mais de 2 pessoas, existindo várias patentes reclamadas por até 6 pessoas, sendo possível traçar padrões de mutação evolucionária semelhantes às que acontecem com os cromossomas do DNA.

Partindo daqui, e sabendo o quão a arte dos videojogos está interligada ao desenvolvimento tecnológico, não será difícil perceber que ao longo da história, muitos problemas tenham surgido ao nível da originalidade. A originalidade que tem como antítese o nome de clone, cópia, plágio, rip-off, knock off, ou de forma mais subtil remake, conversão ou ainda remix ou mashup. Os casos são muitos e estão presentes desde o primeiro grande sucesso comercial dos videojogos, "Pong" (Setembro de 1972). Que apesar de ter sido um dos jogos mais clonados da história dos videojogos, seria ele próprio uma cópia do conceito do jogo "Tennis" (Maio de 1972) de Ralph Baer. Depois nos tempos dos jogos para ZX Spectrum os clones e cópias eram algo ainda mais frequente, por cada jogo de grande sucesso existiam sempre vários clones ou remixes feitos por programadores espalhados pelo mundo inteiro. Alguns seriam cópias, outros seriam fruto da tal "inevitabilidade tecnológica", que empurra os criadores para um mesmo modelo de pensamento enquadrado pelas possibilidades tecnológicas do momento.

Nos anos 90 um outro processo emblemático foi o de "Fighter's History" (1993) da Data East, que tendo sido processada pela Capcom, em virtude de esta considerar o jogo muito semelhante ao seu famoso "Street Fighter" (1987), respondeu apresentando como prova, o seu jogo "Karate Champ" (1984), como um jogo de luta que precedia Street Fighter em três anos, sendo desta forma ilibada pelo tribunal. Entretanto já este ano a Capcom viu-se envolvida numa nova situação, mas agora no lugar de incriminada, numa acusação online sobre o seu jogo MaXplosion (2011) para iPhone, a ser acusado de não passar de um clone de Splosion Man (2009) da Twisted Pixel lançado antes na Xbox Live Arcade. Um processo que não chegou a tribunal, pelo menos para já, mas motivou uma espécie de pedido de desculpas público da Capcom [2].

Voltando a Pong e comparando com Tennis, apesar de o tribunal ter conseguido fazer com que a Atari pagasse o licenciamento do conceito do jogo, na realidade quando comparamos ambos os jogos, podemos ver que a ideia está lá, mas foi alvo de uma grande transformação, aquilo que podemos chamar de um processo de remix. Aliás só isso justificaria que Pong se tivesse tornado no primeiro grande sucesso da história dos videojogos, e o jogo Tennis na Magnavox não tenha passado de uma primeira prototipagem do potencial da ideia. A essa primeira abordagem o engenheiro Alan Alcorn, companheiro de Nolan Bushnell na Atari, adicionou duas características fundamentais para o gigantesco sucesso de Pong: o Score e o Som. Para além disso o controlo da bola era muito mais preciso, permitindo o jogador controlar em certa medida o grau com que enviava a bola, que assim podia ser reflectida na parede, algo que não existia no jogo anterior, pois aí só se podia enviar a bola de uma raquete para a outra. Muito interessante este detalhe das paredes no topo e em baixo do jogo, uma vez que apesar de tornar Pong menos próximo do desporto de ténis, o tornava num artefacto de videojogo mais coerente e eficiente em termos de gameplay.

"No fundo o que estamos a dizer, é que a ideia do produto original, produto sem precedentes não existe."

Se pensarmos apenas neste exemplo, e se a Sanders Associates (empresa que comercializou o jogo Tennis de Raph Baer) tivesse conseguido impedir a comercialização de Pong, quem teria ganho com isso? Ninguém. Nem mesmo a própria. Contudo a possibilidade de se ter criado Pong, e deste ter dado origem a muitos outros clones pelo planeta inteiro, levou à criação de toda uma indústria a que hoje damos o nome de videojogos. Aliás mais tenebroso no meio de toda esta situação, é sabermos que apesar do processo ter ocorrido em 1974, e desde então a Atari, entre outras empresas que desenvolveram clones de Pong, terem pago milhões de dólares em licenças à Sanders Associates, esta tudo fez para que o autor de "Tennis", Ralph Baer, nada soubesse e nada recebesse, e apenas descobrisse o assunto em 2002 [3].

No fundo o que estamos a dizer, é que a ideia do produto original, produto sem precedentes não existe. Que qualquer processo criativo bebe da cultura circundante, absorvendo e mutando os elementos, os requisitos e as condições. Mas mais importante do que isso, que dada a natureza desta forma criativa, a procura por travar a criação de objetos, sejam estes clones ou meras cópias, não serve em nada o progresso dos videojogos, antes ajuda à sua estagnação. A tecnologia, a cultura e nós enquanto espécie, dependemos de mentes ativas, mentes que não se resignam. E é por isso que é tão importante lutarmos por uma adesão ao proposto pelos Creative Commons [4] em detrimento das leis do atual Copyright, por forma a evitarmos que a criatividade possa continuar a ser amputada por advogados [5], que nada criam, apenas vivem daquilo que outros criam. Do lado das empresas, faço das palavras de Jonathan Schwartz, ex-CEO da Sun Microsystems, as minhas: "para uma companhia tecnológica sentir-se ofendida por causa de patentes de software parece-me um ato de desespero, fazer depender o seu sucesso dos tribunais em vez do mercado" [6].

Nelson Zagalo é professor de media interativos na Universidade do Minho e presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.

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