Cyber Shadow - Review - Um ninja para salvar o mundo
Sobreviver para contar.
Fundada em 2011, sede em Los Angeles, a Yacht Club Games ainda tem em Shovel Knight a sua única e grande produção, alvo de sucessivas expansões e modificações após o lançamento em 2014. Esta companhia independente que parece ter cada vez mais nos jogos de cariz retro o acento tónico e uma especialização, é também uma editora capaz de apoiar projectos da mesma inspiração. Foi assim com Azure Striker Gunvolt, produzido pela Inti Creates, e agora com este espantoso Cyber Shadow, da praticamente desconhecida Mechanical Head Studios, que é talvez a mais apaixonante produção das memórias gloriosas dos jogos 8 e mesmo 16 bit, dos últimos tempos.
Tal como em Shovel Knight, o jogo de composição e base retro que é uma adaptação moderna de um 2D side scroller de acção, também Cyber Shadow parece ter passado pelo mesma linha de produção, como se fosse o irmão que Shovel Knight não conheceu até hoje. Goza dessa aproximação às memórias de jogos retro com ninjas como protagonistas, como o original Ninja Gaiden da NES, Shinobi, Shadow Dancer, entre outros. Mas o que torna interessantes estas recuperações retro deste estúdio e editora é precisamente projectar a obra para lá das bases, em encontrar um design moderno dentro das malhas estritas das antigas produções.
Por isso estamos em Cyber Shadow muito mais perto de um novo jogo do que uma singela homenagem a um dito género clássico e retro 2D. Na composição dos seus 5 grandes níveis há uma conjugação de mecânicas, desafios e elementos de design que ultrapassam todas as fronteiras dos jogos que serviram de inspiração. Tal como Shovel Knight, há em certos momentos deste título difícil e por vezes punitivo em toques masoquistas, uma aproximação ao tipo Souls do que a um Contra ou até um Mega Man. Mas não se perde também o seu design marcadamente retro, marcado por trilhas sonoras chiptune e um pixelizado em sintonia com o estilo 8 bit. Mas enquanto que hoje jogamos numa consola 8 bit e percebemos as limitações a que estavam sujeitos os produtores da época, em Cyber Shadow vemos como os produtores deram azo à imaginação e projectam muito mais aquilo que gostariam de ter experimentado antes e não lhes fora possível.
É por aí que os jogos de sidescroll 2D de acção podem continuar a entusiasmar, não apenas as antigas audiências, mais receptivas a este conteúdo, mas ao novo público, que assiste à chegada de uma extensão do passado, embora adaptada aos tempos modernos, valorizando o design e a resposta das mecânicas na caminhada até ao triunfo no jogo.
Shadow é o sobrevivente de uma linhagem de ninjas
Num jogo de acção 2D em sidescroll horizontal, a eleição de um ninja como personagem principal é desde logo um ponto positivo. Antevendo-se confrontos desafiantes, batalhas consecutivas e um legado que de um modo geral foi bem sucedido, em Cyber Shadow a nossa personagem é o sobrevivente de um clã de ninjas, e a esperança derradeira de um mundo em ruínas, tomado pelas mãos do Dr. Progen. Na devastação sombria de Mekacity, impera um exército mecânico, negro e opressivo, capaz de perseguir e neutralizar todas as formas de vida de forma impiedosa.
A apresentação deste ninja, assim como do mundo onde está envolvido, desenrola-se através de breves cut-scenes, e do apoio de L-Gion, uma criatura robótica, a única que nos acompanha ao longo da fase inicial, providenciando as primeiras orientações. No quadro labiríntico de plataformas encontramos terminais de computador, nos quais conhecemos um pouco mais da narrativa, ao mesmo tempo que podemos restabelecer os poderes e até gravar a progressão em pontos intermédios. A narrativa assenta sobretudo num futuro pós-apocalíptico, de domínio das máquinas, mas as breves cut-scenes enquadram-se perfeitamente no ambiente sombrio, opressivo e punk e revelam a coragem deste protagonista mestre da velocidade e dos golpes lancinantes.
Justo é referir que a apresentação 8 bit é por demais convincente, embora haja muito detalhe e produção nos ambientes, ao ponto de se tornarem avassaladores, com corredores recheados de múltiplos obstáculos e uma grande variedade de inimigos, nos laboratórios, nas câmaras dos bosses e nas fortalezas, sendo na realidade muito mais do que um jogo 8 bit. Há um desenho e um traço muito autêntico, realista e descrito com grande precisão. A isto acrescem tremendas animações, as explosões criam grandes efeitos, projectando cores contrastantes, por oposição aos fundos escuros e frios. A acção decorre de forma imaculada, sem qualquer efeito de arrastamento ou quebra de frame-rate. A preencher este quadro impressionante de acção ninja, está uma banda sonora trepidante e dramática criada por Enrique Martin, brotando composições ajustadas, especialmente nos confrontos de fim de nível. O mapa mundo deste Cyber Shadow lembra-nos a evolução de Shinobi, através de ligações aos diferentes níveis, mostrados em quadros que deixam antever um pouco do ambiente.
Mecânicas focadas no movimento e precisão
A primeira meia hora de jogo pauta-se por uma agradável adaptação. Gradualmente descobrimos que é mais importante a precisão nos ataques e movimentos cirúrgicos do que um constante premir do botão de ataque, já que isso pode resultar num fracasso inglório, ainda que Shadow possua alguma vitalidade, capaz de suportar vários golpes dos inimigos antes de morrer. A variabilidade de ginástica física é acompanhada por uma grande variedade de adversários e obstáculos, num ritmo de intensidade crescente, até se tornar altamente desafiante a partir do terceiro mundo, quando as batalhas intermédias e finais passam a requerer de nós o habitual processo de tentativa e erro. A colocação dos "checkpoints" em áreas que precedem essas batalhas tendem a facilitar a nossa progressão, mas não se pode pensar num jogo acessível. É difícil e altamente punitivo ao mínimo erro.
No entanto, o nosso ninja vai ganhando poderes e habilidades especiais à medida que avança de nível. Dos imprescindíveis shurikens, à habilidade de sprint, salto duplo e dash, o nosso herói rapidamente galga plataformas distantes e entra em múltiplas acrobacias que mais parecem um bailado quando executadas devidamente. Algumas áreas são revisitadas, o que com os novos poderes permite aceder a zonas secretas. Mas novos poderes trazem consigo mais desafios e um incremento de batalha.
São mais de doze bosses a enfrentar, e em todos sobressai uma mecânica diferenciada, uma série de obstáculos a enfrentar, sendo conveniente recorrer a uma estratégia e à compaginação dos poderes para saírem vitoriosos dos confrontos. As batalhas são ferozes, frenéticas e desgastantes por força das sucessivas mortes. Nestes momentos são atingidos os picos de jogabilidade, sendo testados a toda a prova no movimento e na precisão. Mas volto a repetir que é um jogo de grande intensidade e sobretudo dificuldade, pelo que o nosso avanço é gradual. Isto pode dar uma ideia de um jogo longo, mas na realidade, em linha directa e sem grandes pausas, não estamos diante de uma aventura que se paute pela longevidade. É o único ponto que considero que pode pesar num momento da escolha. Os picos de dificuldade não permitem compatibilizar o jogo com qualquer jogador, ainda que haja desafio de sobra para os finalistas de Metal Slug com apenas um crédito.
Em conclusão, não é um jogo para todos tendo em conta os picos de dificuldade, mas cada porção de jogo e cada avanço é conquistado a ferros, com a certeza de continuidade e ligação entre os antigos jogos 2D de acção e este novo desafio, projectado com profundidade e uma variedade de mecânicas e desafios de grande intensidade. O prazer de Cyber Shadow está em maximizar o potencial deste ninja. Ver as suas acrobacias, golpes e habilidades em níveis recheados de obstáculos e máquinas de guerra, ao bom estilo 8 bit, é um prazer que há algum tempo não víamos ser atingido com esta magnitude. Alguns sucumbirão ao desafio, outros sobreviverão para o contar.
Prós: | Contras: |
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