Dark Souls
Prisioneiro: da derrota ou da vitória?
Demon's Souls foi um hino à perseverança, entrelaçado num paradoxo difícil de compreender. Forçar o jogador a errar, perdendo numa penada tudo o que houvera acumulado com esforço para voltar a ser colocado numa posição inicial e distante do progresso feito, podia parecer uma piada de mau gosto, mas não foi. Demon's Souls puniu quem se aventurou nele, mas também satisfez os mais audazes e conquistou uma dimensão que poucos dariam como possível para um jogo que acentuava o peso da frustração. Dark Souls chega à Europa um ano depois e promete levar mais longe este conceito.
Chega a ser uma machadada letal em muitas das regras que temperam a correlação de forças entre homem e argúcia artificial. Todavia e na penumbra desse perigoso mas destacado método de incentivo, os produtores de Demon's Souls conseguiram criar uma experiência que conduz o jogador ao inevitável; a refletir sobre as suas incursões, a pensar sobre o que está de errado e como pode alterar o mesmo desfecho tendo por base as ferramentas disponíveis e as opções sobre por onde avançar. Só assim, depois de reunidas as pistas e com muitos "game over" pelo meio, poderá fabricar a solução que o leve à satisfação da conquista, de um sucesso que é levado a sério.
Estas regras não deixam de esconder algum masoquismo, mas foram passando entre os jogadores e nas comunidades onde os mais capazes e aptos demonstravam nervos de aço para levar por diante esta empreitada, o jogo ganhava cada vez mais adeptos seduzidos pelas mesmas intenções. Assim, de uma quase explicável e insignificante visibilidade na estreia no Japão, passou a moderado e digno êxito na cena internacional. Aquilo que parecia um risco sem retorno e um pacto com o diabo é agora uma regra de ouro para a From Software, especialmente na pessoa de Hidetaka Miyazaki, mentor de Demon's Souls, ele que em Dark Souls está mais empenhado em fazer a vida negra aos mais persistentes.
De resto, Dark Souls é a sequela de Demon's Souls. Muito do que vimos continua a ser o mesmo, especialmente a atmosfera densa negra e o traço de fantasia medieval descrito nas vetustas, frias e desoladoras fortificações onde residem criaturas com até seis vezes mais do tamanho da nossa personagem, armadilhas montadas ao virar da esquina e onde também se podem encontrar caves habitadas por demónios da pior estirpe. Mas neste virar de página a nova leitura revela-nos também uma evolução dada com passos seguros, sem fugir ao essencial (ao que os jogadores não deixam de querer), assente num incremento da dificuldade (algo temperado pela criação dos "bonfire", a que lá iremos), numa expansão do território e com novas regras para a evolução da personagem e modo co-operativo. Em termos de edição, a mão da Namco Bandai tem aqui um papel decisivo no encaminhamento da proposta para multiplataformas (a série entra pela primeira vez na Xbox 360), não obstante a permanência como exclusivo PS3 no Japão.
Com a perspetiva de atingir uma maior audiência, Dark Souls será um desafio aterrador em termos individuais, mas vai permitir, mais uma vez, que os jogadores construam e partilhem estratégias - através de marcas que assinalam os perigos -, de uma forma concertada mas com uma certa distância, visando uma progressão em coletivo, ainda que seja possível fazer o inverso. Penetrar no território de outro jogador para acabar com o seu jogo, vencendo-o, de modo a arrecadar mais preciosos pontos de humanidade, podendo assim readquirir o estatuto de humano. É uma opção algo discutível, mas também por aqui se vê que em Dark Souls muitos jogadores podem revelar-se autênticos desmancha prazeres.
O argumento de Dark Souls não foge à temática produzida em Demon's Souls, nem faria sentido criar um outro contexto ficcional já que esta atmosfera opressiva representa uma marca nas produções da From Software, herança anterior a Demon's Souls. Prosseguindo por uma matriz narrativa próxima do jogo anterior, o jogador irá vestir a pele de uma personagem que pode ir desde um mágico até um valioso cavaleiro, tendo de percorrer territórios e áreas onde se encontram mortos-vivos e criaturas abissais, numa demanda eterna e da qual não conseguem escapar. Em cena está um espaço medieval de fantasia negra, onde o jogador após derrotar um primeiro monstro é transportado para para esse lugar onde habitam os "undead".
Em Dark Souls os produtores apostaram numa clara expansão do território, com áreas que se sucedem entre si sem cortes e pontos de loading. O máximo que irão encontrar são pontos de nevoeiro cuja travessia se opera de imediato bastando um toque no botão x. Mesmo a passagem para o outro lado não invalida que não possam ver o território na sua plenitude e descobrir até caminhos alternativos para novas áreas. Há efetivamente uma melhor abertura, expansão e cruzamento entre áreas.
Os acessos no exterior aumentaram, entre percursos até aos castelos por ravinas e escadas desenhadas em espaços mais verdes, onde mesmo aí não deixam de se esconder as tradicionais ameaças, assim como a descida até lugares inferiores se opera agora por intermédio de elevadores. Tudo isto contribui para uma real sensação de profundidade e dimensão. Sendo os territórios mais assinaláveis e algo labirínticos a exploração é inevitável mas também simboliza o que de melhor podem encontrar em Demons Souls; um espaço verdadeiramente opressivo, frio e isolado.