Datura - Análise
Quem t'atura?
Não é de estranhar que depois de nos ter dado a demonstração interativa conhecida como Linger in Shadows em 2008, o estúdio Polaco Plastic continue mergulhado em ambientes só seus, dentro do movimento demo scene. Desde o primeiro instante é notória a ambição de oferecer um tom surreal a Datura e a vontade de lhe imprimir um conceito diferente envolto em contornos profundos e artísticos. Basta olhar para o próprio nome, Datura, que graças a uma rápida pesquisa pelo Google e nos revela tratar-se de um nome atribuído a uma flor conhecida também como Trombeta de Anjo. Um pesquisa sobre a flor em si e ficámos a saber que tal como o pretendido pelo estúdio Polaco, estão rodeadas de algum mistério, logo nada foi deixado ao acaso.
A combinação de um ponto visual diferente e a apelar ao irreal aliado à experiência de jogos invulgares, na falta de melhor termo, parecem estar no centro do estúdio e agora em 2012 a ambição foi ainda mais longe. Isto porque ao recorrer ao PlayStation Move o Plastic acredita poder criar o ambiente virtual mais imersivo alguma vez visto. No entanto, ao conhecer Datura, a ideia que fica é que novamente o estúdio volta a acertar em 50% da fórmula, mas os restantes 50% parecem ter ficado ao acaso. Isto porque muitas das críticas atribuídas a LiS também se podem aplicar aqui.
É desde logo aparente que Datura não é um produto tradicional, assim que começamos a jogar percebemos estar perante algo diferente. Quase poderia ser descrito como a forma atual das aventuras gráficas, o futuro dos Point & Click, mas Datura deita por terra tais ambições quando se demonstra demasiado surreal até para si mesmo e quando mais parece ser novamente uma espécie de demonstração interativa. O ambiente é fantástico e bem conseguido, apesar dos visuais poderem facilmente desanimar, a sensação de mistério e até de fantasia é algo que rapidamente engloba o jogador.
A combinação de sequências na "vida real" combinadas com o que parece ser uma jornada em sonho por um bosque nada tradicional faz com que à partida a narrativa esteja pronta para algo rico e imersivo. No entanto tal não é bem o caso e o mais provável é o mistério dar rapidamente lugar à confusão e quando menos se espera, ao desinteresse. Datura não é propriamente um jogo, é mais uma experiência, e apesar de tal não ser propriamente merecedor de crítica, a dosagem usada para o equilíbrio já é.
O esquema de viagem livre pelo bosque, sendo necessário resolver o que pode ser considerado como puzzles pelo caminho para desbloquear acesso a novas áreas, rapidamente pode trazer monotonia pois o jogador fica um pouco perdido sem saber o que fazer. Ao interagir com pontos específicos do bosque, o jogador vai criar progressão e vai por instantes viajar para outros pontos e começam a surgir as tais interrogações, "Será isto um sonho?", "São estes outros eventos que vejo a realidade?"
A sensação que Datura deixa é a de uma demonstração glorificada pelo uso do PlayStation Move, mas quando algumas das tarefas que recorrem ao controlo por movimento são tão banais quanto se pode conceber, a gameplay começa a mostrar sinais de desgaste e a tal sensação de imersão causada pelo ambiente em si vai desaparecendo. A tentativa de elevar uma narrativa e consequentes sensações com o recurso ao Move é no papel uma boa ideia mas quando as ações em si não empurram as barreiras que conhecemos sobre o produto em si pouco podemos fazer para contrariar a sensação de querer algo mais.
"É desde logo aparente que Datura não é um produto tradicional, assim que começamos a jogar percebemos estar perante algo diferente"
Especialmente porque Datura não se livra de alguns dos problemas que ocasionalmente afetam vários jogos Move, até mesmo os para ele feitos a 100%, que estão relacionados com o registo de movimentos em si. Jogar Datura com o Move torna a experiência suave e fluída, a curva de aprendizagem é extremamente curta e com naturalidade começamos a controlar Datura. No entanto, quando alguns movimentos não são recriados com tanta suavidade e até quando não conseguimos efetuar alguns, a imersão é quebrada e sentimos que uma sintonia que deveria ser perfeita não o é.
Datura também pode ser jogado com o SIXAXIS ou com o DualShock 3, mas aqui a experiência torna-se mais convencional, perde até alguma da suavidade nos controlos, mas é uma boa e mais do que válida alternativa para quem quiser conhecer esta experiência sem ter que forçosamente comprar o Move, apesar de ser um dos seus maiores pontos de interesse, como o Plastic se farte de promover.
O produto do Plastic também pode ser descrito como uma experiência inocente e misteriosa que vai brincar com o jogador que se deixa envolver, como pode ser descrito como uma mal concebida aventura que tinha obrigação de ser mais e melhor podendo até causar alguma frustração no jogador devido ao seu esquema de progressão. Os visuais cumprem na sua maioria, com alguns efeitos visuais no bosque a conquistar destaque, e a sua música mais do que estabelece o ambiente pretendido, mas não esperem ter aqui algo que dure muito.
Datura não foi feito como um jogo e o problema é quando se esquece que deveria ter sido. Uma experiência interativa disfarçado de jogo não é propriamente um jogo disfarçado de experiência interativa e Datura teria beneficiado mais ao ser o segundo. Uma experiência que pode ser terminada em menos de duas horas com pontas de frustração e aborrecimento pelo meio não é o mais indicado se queres ter sucesso e o Plastic deveria ter contado com isso.
No final do dia o Plastic apresenta Datura para provar que existe espaço na indústria para experiências diferentes e invulgares, mas também prova que precisam de ser divertidas, caso contrário o envolvimento e interesse sofrem como consequência. Na falta de melhor adjetivo, Datura é intrigante e na nossa mente surgem várias variações que teriam sido bem mais divertidas e que manteriam na mesma o mistério. Mas acima disso temos que louvar o empreendimento artístico e a procura de algo diferente, mesmo que a execução deixe a desejar.