"Tivemos que deitar fora o livro das regras com o Project Morpheus"
O estúdio que nos deu The Getaway fala sobre o seu London Heist para a realidade virtual.
O SCE London Studio conta com quase 20 anos a desenvolver todo o tipo de experiências. Sejam loucas corridas em Porsche Challenge, partidas de futebol em This is Football, passando por títulos para o EyeToy ou a dar energia à série SingStar, o estúdio foca-se na oferta de títulos diferentes, casuais mas com capacidade para prender o jogador. Esta equipa em particular do SCE London Studio que tive a oportunidade de conhecer é aquela que foi responsável por The Getaway e The Getaway: Black Monday, na altura enquanto Team Soho, e portanto não é de estranhar que na actualidade estejam a combinar as suas competências com os seus gostos para enfrentar este desafio apresentado pela Sony. Habituados já a trabalhar com ferramentas cujo desenvolvimento ajudam a evoluir, o SCE London Studio está agora a pegar na sua arte de criar experiências imediatas e directas com o envolvimento e atmosfera da sua série The Geataway. O resultado são duas demonstrações: London Heist: Interrogation e London Heist: Getaway.
Apesar de por enquanto nada anunciarem em concreto, a ideia é já clara, estas duas metades são fragmentos do que poderá e certamente será um jogo para o Project Morpheus, London Heist. Ambas partilham personagens e ambas se esforçam ao máximo para oferecer a melhor experiência que a realidade virtual vos poderá dar. Pessoalmente, foi London Heist que me mostrou com melhor agrado o que poderá o Project Morpheus trazer para a indústria. É algo que terão que experimentar pois só assim começaram a ter melhor compreensão do trabalho que a Sony está a fazer para colocar a realidade virtual ao serviço das experiências que já damos por normais.
O SCE London Studio tem vindo a experimentar com a realidade virtual e já conta com alguns feitos a ser elogiados. The Deep foi uma demonstração que deu que falar quando foi apresentada, VR Luge é uma incrível descida deitados num skate e agora temos estas duas novas peças de London Heist. Se tal como eu adoraram The Getaway então é fácil ter uma pequena ideia do que está a ser preparado. Imaginem aqueles rufias de sotaque Londrino que nos colocaram em tantos problemas naqueles dois jogos, imaginem aquele desejo de contar uma história e de apresentar uma atmosfera que envolva o jogador, imaginem isso e começam a perceber do que se trata London Heist.
London Heist: Interrogation e London Heist: Getaway partilham muitos pontos em comum mas apesar disso servem para mostrar perspectivas diferentes de como a realidade virtual poderá mudar os jogos como raramente acontece na indústria. Interrogation começa precisamente como diz o nome. Um valente rufia com um enorme maçarico ameaça queimar-nos enquanto estamos sentados à sua frente. O seu ar ameaçador fica ainda mais imponente quando se levante e começa a gritar connosco. Até aqui nada de mais, o espanto chega quando não conseguimos "escapar" daquele mundo, olhem para qualquer lado e estão imersos naquele novo mundo. Estejam onde estiverem, estarão sentados numa cave em Londres em frente a um rufia ameaçador que grita convosco.
Mas isto não chega. Existem traços subtis e pequenos detalhes que precisam de ser revistos para começarem a ter uma ideia do que está a ser feito aqui. Quando a demo começa, estamos sentados e o metro passa por cima à esquerda. Como se o fumo que o rufia nos manda para a cara não fosse suficiente, ainda vemos pó e pequenas pedras a caírem do tecto. Tudo isto serve para nos obrigar a movimentar a cabeça para nos provar que existe um mundo em nosso redor mas o London Studio procura ainda mais. Dependendo das nossas acções, dependendo dos locais para onde olhamos e quando olhamos, o rufia pode reagir e aí começa a formar-se algo diferente, ainda mais curioso.
"O estúdio está à procura de criar uma narrativa reaccionária em realidade virtual na qual será possível interagir com os actores virtuais."
O estúdio está à procura de criar uma narrativa reaccionária em realidade virtual na qual será possível interagir com os actores virtuais. Procura emoções a vários níveis, procura que o jogador seja parte activa daquele mundo colocando-o lá de uma forma que se sinta parte dele, e procura interacção física. Aqui não olhamos para uma imagem 3D, não vemos revelo e profundidade por si só, aqui vemos todo um mundo à nossa volta e poderemos dizer que estamos perante um novo nível de imersão. Claro que para isto funcionar, para que o jogador seja parte interactiva de um mundo virtual, teremos que ter algo que sirva de intermédio com o jogo. É aqui que entra o PlayStation Move.
Usando um em cada mão, vamos ter a possibilidade de movimentar as nossas mãos no jogo e reagir de forma livre a todos os acontecimentos. São experiências que estão a ser elaboradas para demonstrarem como os conceitos podem passar do papel para a prática e serem aplicados ao Project Morpheus. Tanto Interrogation como Getaway resultam de uma forma satisfatório, mostram como jogos de acção na primeira pessoa podem ser catapultados para um novo nível de imersão. Algo que deve ser respeitado pois falamos do género mais popular da indústria dos videojogos.
Micky é o nome do rufia e para o SCE London Studio, o contacto visual tornou-se numa parte importante da interacção com os videojogos. O rufia percebe para onde estás a olhar e irá reagir de acordo. A dado momento recebe uma chamada telefónica e quando estava prestes a queimar-nos. Após breves instantes, diz-nos para pegar no telemóvel mas de fuma forma característica, Micky pede para nos levantar-mos. O jogador levanta-se e tem então que mexer as mãos para pegar no telemóvel e o encostar aos ouvidos. Tradicionalmente o jogo faria tudo isto automaticamente mas neste novo nível de imersão passamos para um novo degrau no protagonismo interactivo. Assim que atendemos a chamada e ouvimos a conversa, o mundo à nossa volta muda.
Estamos agora no meio de uma sala enorme que parece pertencer a um palácio clássico, no meio de uma festa (os fogos de artifício irrompem lá fora se olharem para a esquerda) e à direita jaz uma enorme lareira acesa. O que estamos a fazer ali? Estamos a tentar lembrar-nos do que aconteceu. Temos então que começar a "usar as mãos", movimentando os dois comandos Move, para abrir as gavetas mas eis que somos encontrados e não temos mais tempo. Perante alguém que dispara na nossa direcção temos que nos agachar. Num jogo de acção tradicional isto requer o pressionar de um botão, aqui não temos botões a pressionar, temos que executar as acções tal como na vida real. Agachas-te e procuras nas gavetas por qualquer coisa e encontras uma arma.
Começas então a disparar (pressionando o gatilho no Move correspondente à mão com que pegaste na arma - bom para os canhotos pois adiciona imersão e credibilidade pessoal) e enquanto vais eliminando rufias eis que acontece algo (in)esperado, ficas sem balas. Sem botões para pressionar como fazes? Procuras aflito debaixo de disparos por mais munições, pegas numa que acabas por encontrar nas gavetas e inseres na arma para poderes continuar a ripostar. Quando a resistência termina, ficas à vontade para encontrar finalmente um enorme diamante e a demo termina.
Enquanto Interrogation serviu para demonstrar a narrativa interactiva reaccionária na realidade virtual, Getaway já mostra mais o lado da acção em movimento. A bordo de uma carrinha, Micky vai falando connosco e podemos pegar em coisas que estão na carrinha, mudar a estação de rádio e sentir um pouco mais daquilo que o London Studio pretende, a sensação de que o videojogo se torna mais pessoal, cada pessoa executa diferentes acções e não mais estamos presos aos eventos pré-programados. Apesar de ainda sentirmos que a experiência é muito "conduzida" e limitada, na forma como restringe o jogador e apenas permite um certo conjunto de acções, é fácil perceber que tipo de experiências de acção o Project Morpheus poderá apresentar.
Depois das duas demonstrações, entrevistamos Dave Ranyard e Brynley Gibson para descobrir mais sobre a sua visão para a realidade virtual e como encararam este desafio da Sony. Dave e Brynley estão notavelmente entusiasmados com as potencialidades do Project Morpheus e tendo em conta o seu historial é perceptível o encanto pelas tecnologias em desenvolvimento nas quais são testados os limites da interacção e imersão no mundo dos videojogos. Para descobrir mais sobre London Heist, ouvimos então os dois produtores.
Eurogamer Portugal: Estas duas demonstrações vão evoluir para jogos?
Dave Ranyard: O que vamos dizer é que vão ficar disponíveis. Como isso será feito é algo do qual falaremos mais tarde este ano. Deves ser capaz de saber quando poderás deitar-lhes as mãos.
Eurogamer Portugal: Qual a maior dificuldade que encontraram ao desenvolver para a realidade virtual?
Dave Ranyard: Tivemos que deitar fora o livro das regras...mas isso é o mais entusiasmante. Existe toda uma linguagem gramática nos videojogos que todos conhecem. Não podemos presumir que tudo funciona porque não vai. Existem coisas como abanar a câmara que é terrível de fazer na realidade virtual, deixa-te desconfortável. Por isso temos que aprender novas formas de fazer as coisas. Ainda usamos ideias visuais de muitos jogos tradicionais mas temos que pensar em novas formas de melhorar isso.
Depois precisas do rácio de fotogramas, precisas desenhar tudo duas vezes, precisas que a latência seja muito boa. E precisas disso em todas as fases. No Getaway original, em 2002, acertamos o rácio de fotogramas perto do final porque nessa altura sabemos qual é o melhor local para optimizar. Por isso tens que mudar a ordem de trabalhos para acomodar isso.
Brynley Gibson: Outro desafio de design é a câmara. Precisas saber para onde o jogador está a olhar e trabalhar de acordo com isso. Nesta cena da interrogação queríamos que o jogador olhasse para o lado, para a porta, por isso temos um comboio a passar que até cria poeira para te fazer olhar. Se o jogador não olhar sabemos que ele olha e o Micky acaba por olhar e se o jogador continuar sem olhar então ele saberá que o jogador não olhou e terá que continuar a fazer o que estava a fazer.
"Tivemos que deitar fora o livro das regras...mas isso é o mais entusiasmante. Existe toda uma linguagem gramática nos videojogos que todos conhecem. Não podemos presumir que tudo funciona porque não vai."
Eurogamer Portugal: Será possível aplicar a realidade virtual a outros jogos?
Dave Ranyard: Se forem adaptados sim. Precisas aplicar muitas alterações para que funcione na realidade virtual, tens que alterar muitas mecânicas. Num tradicional jogo de acção na primeira pessoa, estás a seguir por um corredor e os designs do jogo estão sempre a seguir por um corredor. Imagina que vais na viagem da Universal Studios, a câmara segue pelas ruas mas quando estás na vida real vês que é tudo falso. Irias sentir-te assim, encontrarias pedaços em falta porque agora irias poder olhar para outros lados para onde não poderias se o jogo não for adaptado. Precisa de mudanças.
Ranyard continuou a explicar que para jogos como Mirror's Edge funcionarem com o Project Morpheus teriam que ser adaptados pois as mecânicas e design não foram feitas a pensar na realidade virtual. Para criar aquela cortina de ilusão, para criar uma sensação de imersão extrema sem que o jogador perceba que não está num outro mundo, os programadores precisam de preparar bem cedo a experiência para corresponder a essas necessidade.
Os dois membros do SCE London Studio ainda falaram sobre como toda a equipa e os seus familiares estão a testar as suas criações para medir a opinião de diferentes pessoas. Por enquanto, ainda não sabemos se London Heist chegará na forma de um jogo completo, apesar de tudo que foi aqui visto indicar que sim, e se continuar no bom caminho poderá tornar-se num grande argumento para o Project Morpheus. Claro que também podemos estar perante mais um caso em que a Sony entre sozinha numa cruzada, as outras editoras podem não acreditar na realidade virtual, mas enquanto argumentos para os jogadores e para os outros estúdios, a Sony parece bem encaminhada.