Digimon Survive - Mundo paralelo
Deriva narrativa
Lançado no pretérito 29 de Julho, Digimon Survive é a mais recente aposta da Bandai Namco no quadro das narrativas interactivas e dos jogos de role play de componente estratégica. É verdade que podemos olhar para Digimon Survive e salientar a preponderância de dois elementos. Se a narrativa interactiva remete o jogador para um papel passivo, já a vertente role play posiciona-se como o elemento do jogo pontuado por combates que envolvem estratégia, posicionamento e combinação de monstros.
Não deixa de ser um lançamento capaz de dar continuidade a produções distintas mas com pontos de proximidade a Live a Live e Xenoblade Chronicles 3. Todas são produções japonesas que de algum modo assentam em histórias com laivos de fantasia e estabelecem um paralelismo no âmbito do role play. O curioso é que o adepto de jogos de role play e entusiasta de produções japonesas acaba por encontrar nesta tripla algo que seja mais do seu agrado. Os fãs do retro não enjeitarão a possibilidade de experimentar em primeiro tempo o remaster de Live a Live, enquanto que Xenoblade talvez seja o prato forte e mais bombástico deste trio, reservando-se Digimon Survive para adeptos das narrativas.
Quanto a Digimon Survive, não há como fugir à dimensão fulcral da narrativa, o elemento mais forte e constantemente presente, ao ponto de por grandes fases do jogo ofuscar e praticamente relegar o jogador para o papel secundário e passivo de leitor atento aos diálogos entre os jovens alunos transportados para o mundo dos monstros. É aqui que importa esclarecer e salientar que a componente role play, na qual assentam combates, assim como a exploração, é quase secundária e menor. Grande parte do tempo é passado em conversas que se arrastam e imprimem um ritmo muito lento à passagem do tempo, sem grandes alterações ou momentos de maior tensão. A qualidade dos diálogos também deixa bastante a desejar. As personagens muitas vezes perdem-se em comentários circulares sobre o óbvio, antes de avançarem ao ponto previsível seguinte. A breve prazo e com uma história que se arrasta, é normal que se não forem adeptos deste tipo de “visual novels” sintam que este jogo pouco ou nada vos diz.
Estranhas criaturas que habitam no nevoeiro cerrado
Não se pode dizer também que os combates sejam dos mais evoluídos. Não há nada de muito diferente do já experimentado noutros jogos de role play por turnos. Aliás, toda a construção táctica e instrumental, ainda que complexa e assente em várias possibilidades de exploração, é bastante previsível e mesmo em termos gráficos Digimon Survive não consegue ser mais do que mediano. Porém e mesmo sem ser um jogo brilhante consegue proporcionar um desafio minimamente convincente, se estiverem apostados em prosseguir, com batalhas a exigirem bastante empenho. Mas os trechos narrativos que se interpõem entre os combates são morosos e por vezes bastante penosos, ainda que tenhamos decisões a tomar que afectam o rumo dos acontecimentos e algumas temáticas maduras. No entanto, são diálogos e diálogos de muita parra e pouca uva, alguns que não fazem falta para se conhecer o rumo dos acontecimentos, mas que forçosamente terão de ultrapassar.
Só para terem uma ideia, o prólogo cuja duração pode ser de duas horas, contém apenas um combate, na parte final, de cerca de 15 minutos e que envolve a enunciação dos princípios básicos. Depois, há todo um conjunto de outros elementos que aprendemos, desde exploração dos cenários como se estivéssemos num jogo de investigação. Mas tudo aqui é bastante simples e sempre acompanhado por doses massivas de diálogos ou inferências lógico-dedutivas, experimentações, com os pontinhos a vermelho a apontar para a progressão.
A entrada no mundo Kemonogami (dos monstrinhos chamados Digimon) acontece quando um grupo de estudantes, liderado pelo protagonista e nossa personagem Takuma Momozuka, penetra num templo onde se dá o contacto com uma destas figuras mitológicas. O grupo separa-se e enquanto estão perdidos dão-se conta de que há monstros que os protegem e acompanham. São estes Digimon que entram em batalha, usando as suas habilidades e poderes especiais para levar de vencida os rivais. Para identificar os oponentes, que emitem ruídos e sons estranhos, Takuma serve-se de uma espécie de telemóvel, fotografando os espaços distorcidos.
Digivolve para vencer combates
A consequência da passagem para o mundo dos monstros é que parece afectar várias personagens do grupo. Com alterações ao mundo real, o mundo destas criaturas está coberto de neblina e os monstros tomaram as instalações de edifícios antes habitados por humanos. Ao mesmo tempo dão-se alterações na forma como os sobreviventes do grupo se relacionam. Cabe ao jogador optar por pelas melhores decisões, sem que muitas vezes seja óbvia a separação entre o bom e o mau. A maioria das ocasiões, são questões concretas e decisões tomadas pela circunstância envolvente. A exploração dos cenários e ambientes leva ao conhecimento de mais personagens e desenvolvimentos. Pelo meio vão combater e travar batalhas de grande intensidade em grelhas pré-concebidas, que muitas vezes são uma porção e quase um intervalo entre o desenrolar da narrativa.
Os combates decorrem em grelhas adaptadas aos elementos do cenário, com mais do que um inimigo dispersos. O jogador selecciona os Digimon que vai usar, tendo em conta o alinhamento preferido, uma combinação de defesa, ataque e apoio. A afinidade com outras personagens é relevante já que permitirá aceder aos seus monstros e usá-los em combate. Através de um sistema por turnos é possível movimentar os Digimon consoante as suas características e depois optar por atacar ou defender. As habilidades especiais crescem com a subida de nível da criatura e com o equipamento ao serviço. Muitos items são obtidos no final do combate mas também há objectos espalhados pelo território.
Entre as particularidades do combate, destaque para o crescimento exponencial das criaturas, através do Digivolving, um processo de evolução que os deixa maiores, com capacidade para criar mais danos embora a um custo elevado de movimentação e ataque. Normalmente esta evolução serve de cartada extra para acabar um combate complexo ou diante de um inimigo poderoso. As possibilidades estratégicas são também ampliadas a partir do momento que convencem os Digimon oponentes a entrar para o vosso grupo. Estas criaturas lançam questões quando optamos por falar e se respondermos de acordo com as suas preferências podem passar para o nosso lado. Se falarmos com um dos nossos Digimon, isso serve de incentivo para fortalecer a sua resposta em combate.
Enquanto que os combates constituem os momentos de maior actividade e acção, apesar das alterações e complementos à dimensão estratégica mais funcional de uma batalha assente em turnos, não há nada de muito diferenciador ou inventivo face ao que já experimentamos. E por vezes estas batalhas também se arrastam, com muitos movimentos na grelha, por causa dos Digimon cujo avanço por turno é limitado, o que pode tornar as batalhas muito demoradas. Visualmente também está longe de nos deixar surpreendidos. O desenho das criaturas é talvez o aspecto mais interessante já que os fundos e arenas são bastante rudimentares mas não se pode falar em particulares efeitos visuais nos golpes especiais. Com um sistema de combate que não se projecta para lá do mediano e com uma narrativa abundante e por vezes com segmentos exagerados de diálogos algo monótonos, a menos que sejam fãs acérrimos da série Digimon, não sobram grandes surpresas. No capítulo dos jogos de role play de estratégia e mesmo nas “visual novels” há outros títulos mais apelativos.
Prós: | Contras: |
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