DF Retro: O que era real na revelação da PS3 na E3 2005?
Além dos alvos, uma visão para o futuro da tecnologia da indústria.
O ano de 2005 daria início a uma geração de consolas que iria oferecer um salto estratosférico no poder de processamento e capacidades dos jogos, comparado com a PlayStation 2, Xbox e GameCube. Antes da E3 2005, a Microsoft já tinha anunciado a Xbox 360 - estranhamente, através de um programa especial na MTV - mas os jogadores não ficaram espantados com o equipamento de pré-produção revelado. Os olhos estavam todos postos na Sony para revelar a PlayStation 3 na E3 2005 e quando o momento chegou, os jogadores assistiram uma inacreditável demonstração de tecnologia de topo. Inacreditável, literalmente.
Existe um termo que se tornou sinónimo dessa conferência "alvo de renderização" - e até hoje, a conferência é relembrada pelo declaradamente inacreditável trabalho CG usado pela Sony para demonstrar Killzone 2 e MotorStorm (o rendering de F1 também é espantoso, mas de outras formas. Provavelmente, havia pouco para apresentar - a PS3 estava claramente atrasada.
Na verdade, a Sony planeava nos bastidores uma consola de nova geração que talvez fosse demasiado ambiciosa. O desenvolvimento do processador Cell foi afectado por problemas, piorado pelos estranhos pedidos de Ken utaragi, arquitecto da consola (The Race for a New Game Machine é uma leitura essencial) . Os planos para a Toshiba fornecer uma GPU de topo não resultaram em nada e à última da hora, a Sony virou-se para a Nvidia para fornecer o RSX - o Sintetizador de Realidade - e o melhor que podia ser entregue era um componente PC adaptado, similar à 7900GT da Nvidia (infelizmente, para a Sony, um pouco cedo demais para a Nvidia pensar na fantástica arquitectura G80).
Na E3 2005, o projecto parecia estar a ganhar forma, mas ainda não tinham chegado ao produto final. Numa apresentação muito técnica, Kutaragi revelou com orgulho a arquitectura Cell - completa com imagens do processador. Jen-Hsun Huang da Nvidia subiu ao palco para uma apresentação sobre as especificações do RSX. Vimos o ID da própria máquina - quase o produto final, mas com duas entradas HDMI, três entradas LAN e sem muitas ventoinhas. Agendada para a Primavera de 2006 e com o silício de produção aparentemente garantido, ainda tinham tempo para decidir os últimos detalhes.
Mas depois chegaram as demos da máquina. No vídeo em cima, falamos sobre a apresentação original e das demos apresentadas - é fascinante rever aquele evento. Os alvos de renderização e algumas demos causariam controvérsia, mas existem coisas verdadeiramente entusiasmantes e fascinantes. Tim Sweeney da Epic Games apresentaria uma demo do Unreal Engine 3 que acreditamos que estava mesmo a correr em tempo real numa PS3 de desenvolvimento.
Não há muito que nos faça duvidar da autenticidade da demo do pato de borracha de Phil Harrison ou da demonstração do terreno com voxels, que demonstra muito bem o poder de processamento do Cell. Em termos de gráficos, a Sony capturou Alfred Molina, actor de Spider-Man 2, para demonstrar animação e iluminação em tempo real impressionantes. Corria numa consola PS3? Não o podemos dizer com certezas, mas parecia autêntico e foi facilmente ultrapassado em jogos da consola ao longo da sua geração. Mas na altura? Teria sido espectacular.
Há mais. Numa visão sobre o tipo de tecnologia que viria a definir a geração (para a Nintendo, pelo menos), Dr Richard Marks, génio da pesquisa e desenvolvimento na Sony, subiu ao palco e demonstrou comandos 3D registados por um EyeToy. Os comandos eram representados no ecrã, capazes de pegar em água e manipulá-la. A Sony seria acusada de copiar os controlos de movimento da Nintendo com o seu SixAxis, mas esta demo demonstra a Sony a experimentar com tecnologia de controlo de movimentos ao estilo Kinect, meses antes do Wiimote ser revelado no TGS 2005 e quatro anos antes da apresentação Project Natal na E3 2009.
Kudo Tsunoda - na altura trabalhava na Electronic Arts - tinha o que parecia uma demo em tempo real de Fight Night. Sim, o rácio de fotogramas era mau e a apresentação terminou com sequências que relembravam a versão final na Xbox 360, o que não ajudou, mas a apresentação de Tsunoda ainda parece autêntica e com excepção da má performance, é um trabalho espantoso. Para quem estava na plateia, habituado à fidelidade visual da geração PS2, foi uma revelação. A consola final entregou uma apresentação melhorada dessa demo em tempo real, mas a versão Xbox 360 foi mais refinada, algo que se repetiu ao longo da geração e definiria muitos desses anos seguintes.
Existe genuína e pioneira genialidade nesta conferência - uma vontade em levar mais além a tecnologia das consolas, juntamente com altas esperanças para a tecnologia de processamento no processador Cell. Essas ambições foram levadas longe demais - o conceito do RSX dar poder a duas saídas HD e a ideia da PS3 possuir três entradas LAN é de loucos. Mas está tudo ligado à vontade da Sony em levar a tecnologia dos videojogos para novas áreas, usar o Cell como um super-computador em rede (uma situação que apenas se concretizou na série televisiva da CBS, Sob Suspeita). Não nos podemos esquecer que apesar de não apresentar equipamento para aceleração gráfica, a PS3 conseguia correr Linux.
Na sua visão para definir o futuro da tecnologia dos videojogos, não há dúvida que a Sony foi longe demais na E3 2005. Phil Harrison demonstrou uma demo de físicas com renderização de explosões e nada visto na anterior geração ficou perto disso. A demonstração em si não é demasiado rebuscada, mas existe uma sensação de nítido embelezamento aqui. Uma demo Getaway que decorre em torno de Piccadilly Circus em Londres tinha um aspecto fantástico e parecer correr em tempo real em algo, mas a extrema qualidade dos visuais aguenta-se bem nos padrões actuais - sendo difícil acreditar que corria numa PS3. Depois tivemos a tech demo de Final Fantasy 7 - é em tempo real, mas não sabemos o que foi usado para a correr.
Depois existem os momentos questionáveis e até alguns loucos, como a estranha combinação CG entre Spider-Man 2/Gran Turismo - mas é perto do final que a Sony descarrila. Uma enxurrada de trailers encerra a conferência, onde os infames trailers de Killzone 2 e MotorStorm surgem. No caso da Evolution Studios, os programadores não ficaram contentes, como descobrimos por volta de 2008 através de Nigel Kershaw e Paul Hollywood. Os vídeos deixaram a equipa com objectivos impossíveis de alcançar - que nem mesmo hardware de hoje conseguiria. Angie Smets da Guerrilla Games disse que o alvo de renderização era um vídeo conceptual interno que nunca deveria ter sido apresentado publicamente e que os dev kits da PS3 tinham acabado de chegar ao estúdio. A Guerrilla não ficou contente e os jogos que surgiram depois foram apresentados em demonstrações em tempo real - incluindo Killzone Shadowfall na apresentação da PS4 em Fevereiro de 2013.
Talvez seja isso que mais aborreça na revelação da PS3 - o facto do pessoal da Sony certamente saber o que a sua consola conseguia fazer e que os alvos apresentados não eram reais e que ainda assim foram apresentados a milhões. Não sabemos qual a linha de pensamento que gerou esta conferência onde foram apresentados factos e fantasia. Estaria a Sony preocupada com o pouco que tinha para oferecer? Estava preocupada com a Xbox 360 que chegaria primeiro às lojas? A diferença para a revelação da PS4 é enorme - aprenderam algumas lições e a revelação da consola mais recente cumpriu em pleno.
O que ficou claro é como as coisas decorreram nos anos seguintes. Adicionais problemas na produção atrasaram o lançamento da consola e até chegou à Europa em Março de 2007. Compromissos no design da PS3 - a sua GPU velha e piscina de memória dividida - sem falar na CPU exótica, deixaram a Sony para trás num mundo cada vez mais focado no desenvolvimento multi-plataformas. Mas apesar daqueles alvos de renderização terem sido enganadores, foi uma apresentação first-party onde vimos alguns dos melhores momentos da geração. Uncharted, God of War, Killzone, Motorstorm - quando esses jogos chegaram, vimos feitos tecnológicos além de tudo o resto nas consolas. Olhando para trás, talvez tenha sido o software que tenha salvo a geração para a Sony, ao invés de especificações ambiciosas mas com falhas.