Doki-Doki Universe - Análise
Natureza humana.
Nos primeiros 15 minutos de Doki-Doki Universe fiquei a perguntar a mim mesmo o que era isto. Não estava de forma alguma perceber a excentricidade do produto e qual era precisamente o meu papel. O trabalho do HumaNature Studios foi destacado num evento promocional da Sony na primeira metade deste ano e muitos dos mais atentos ficaram com ele na ideia mas agora surgia a questão: "Afinal de contas o que é Doki-Doki?" Se os produtos indie primam pela diferença, pelos conceitos arrojados e pela singularidade, assim como pela capacidade de poderem livres de preconceitos assumir formas que os tradicionais AAA de retalho jamais poderiam ousar, Doki-Doki parece elevar a escala do estranho, ousado e absurdo a novos níveis.
Não que isso seja mau, até pode ser bom, pois confere ao produto um tom distinto, mas pode afastar uma grande parte dos consumidores. Doki-Doki terá pela frente um primeiro e árduo teste quando se coloca à frente do jogador, a necessidade de o catalogar e inserir num género. Ora pois então, Doki pode ser considerado como um jogo de aventura, quase ao jeito point and click mas com muitas diferenças. Ainda assim, é uma espécie de aventura gráfica cheia de quebra-cabeças e condimentos que alternam entre essa tal excentricidade e uma boa dose de ternura.
Doki-Doki é um termo Japonês que indica algo que bate rapidamente e neste caso temos a alusão a um universo em rápido movimento que parece ser diferente de dia para dia. A ideia que o estúdio estava aqui a aplicar um trocadilho com base nas palavras para abordar a atual condição humana parecia reforçar-se e todo o enredo de suporte destaca isso mesmo. Aqui conhecemos um robô que foi abandonado pela sua família e após 30 anos à espera, decide juntamente com o seu balão partir à procura do que nos torna humanos para que a sua família o receba de novo. Para isto conta com a ajuda de um extra-terrestre sabichão.
Um robô que deseja saber o que é ser humano terá a ajuda de um extra-terrestre que o vai apresentar a novos planetas onde terá que ajudar os humanos e outras criaturas nas mais mundanas, excêntricas ou descabidas tarefas que representam bem os estigmas e padrões comportamentais da atual sociedade humana. Tudo isto com a ingenuidade que poderia vir de um conto para criança. Quase como se aqui fosse ensinado o ABC do "O que faz de nós humanos?" Será a capacidade para amar, invejar, controlar, manipular, partilhar ou todo o conjunto destas e mais outras características?
De planeta em planeta, QT3 terá que ajudar os seus habitantes nos seus pedidos. A sua capacidade para criar itens do nada é o ponto principal da gameplay e quando um habitante nos coloca perante o seu dilema lá teremos nós que investigar e criar o item desejado. Durante este processo também ele aprende como é ser humano e aprende sobre o que cada habitante gosta ou desgosta em conversa com os restantes. A dado momento QT3 compara o amor com vomitar, espalha-se por todo o lado e não conseguimos controlar.
Este é simplesmente um dos muitos possíveis exemplos de como Doki usa o humor para criar um enredo que terá um encanto largamente superior à sua gameplay. Aliás, todos os diálogos conquistam interesse no jogador porque a qualquer momento lhe podem dar pérolas ou momentos de admirar que não vai querer deixar escapar. Pelo outro lado, a gameplay torna-se aborrecida e repetitiva a cada passo do robô e a dificuldade jamais está presente.
O procedimento é todo ele muito simples, num plano a duas dimensões numa espécie de mundo de cartão vamos passear para encontrar os habitantes, encontrar decorações escondidas, ajudar os habitantes consoante os seus pedidos e em troca obter informações sobre os humanos e prendas. O jogo foi propositadamente simplificado para permitir que a associação de ideias/pedidos nos diálogos seja facilmente correspondido com a criação do item necessário, portanto os quebra-cabeças aqui não têm qualquer ponta de profundidade enquanto ferramenta de jogo.
Onde vão ter importância, mais uma vez, é na forma como se inserem e refletem o enredo pois sentimos que todo o planeta e todos os seus habitantes estão em sintonia a cada nova etapa. No entanto, rapidamente tudo se torna repetitivo demais e nem toda a excentricidade ou bom humor poderá salvar o jogo. Pelo menos para uma grande maioria e acredito que somente uma minoria será capaz de ficar fiel ao jogo após vaguear pelos primeiros cinco planetas. Facilmente compreendemos que Doki não faz nada de mal mas também o que faz não é tão apelativo quanto poderia ser.
Após conhecer o seu novo planeta, QT3 conhece o psiquiatra que o irá acompanhar na sua avaliação psicológica e comportamental. Será vital no processo de jogo pois indica como estamos a evoluir. Quando desejar, o robô pode apelar ao ridículo que há no jogo, que em nada tem vergonha de brincar consigo próprio, chamar a sua montada que pode até ser um porco com asas e voar pelo espaço para chegar a novos planetas. Pelo caminho encontra asteróides com questionários que vão ajudar a definir a sua personalidade perante o psiquiatra e a decidir que tipo de pessoas QT3 (o jogador mais propriamente) é, qual o seu equilíbrio Yin Yang e se a sua personalidade é mais criativa ou racional.
Imaginem aqueles questionários da internet mas em forma de videojogo com um enorme sentido de humor e uma inocência típica dos livros de criança e começam a compreender Doki-Doki. Ainda assim, o constante caminhar de trás para a frente para falar com um habitante a pedido de outro para o satisfazer com um item específico para depois voltar ao outro e executar o mesmo procedimento é algo que começa a perder a graça rapidamente. Mesmo com alguns planetas que conseguem uma linha narrativa mais consistente que engloba quase o todo, Doki pode por vezes ser demasiado simplificado para o seu próprio gosto. Compensa com doçura.
Essa doçura consegue ser especial no seu expoente máximo, principalmente quando tenta apelar a que o jogador se envolva e vão deixando um pouco mas de si em cada decisão, especialmente nos diálogos e questionários. Frequentemente encontramos personagens que nos dão uma sensação que Doki poderia ser um livro para ler à hora de deitar às crianças e que provavelmente seria merecedor de apreço, o que é muito interessante. Ora já sabemos que Doki é simples, sabemos que é doce e envolto em alguma ternura que combina o irreverente com o bonito, mas Doki também é altamente tresloucado.
Quando nos pedem para unir um pássaro com o seu espantalho, ou para ajudar um cacto a ver um golfinho, sabemos que existem aqui lições de moral que ao invés de virem nos bolinhos da sorte nos chegam nas histórias e personagens caricatos de Doki. Representações da sociedade, sátiras comportamentais, recriações de clichés, inspiração em fantasias, na verdade Doki parece ter de tudo. Este é o ponto mais especial do seu apelo e a parte principal que nos leva a continuar a suportar as suas debilidades.
Doki não dura muito tempo, dura o suficiente para o jogador o terminar (caso tenha paciência) e para o encostar sem mais desejar voltar. Após isso, fica com ele na ideia por tudo o que lhe deu em termos de conceito e narrativa, não pela execução das ideias mas antes pelas próprias em si. O seu visual é um dos pontos que irá ajudar a manter na memória Doki por algum tempo, este mundo parece sair diretamente de um livro de cartão e muito parece ter sido desenhado à mão. Muitos dos que vão entrar neste universo vão-no fazer pela força do apelo visual para descobrir um conceito e design profundo mas que na prática não resulta tão bem.
Doki-Doki Universe foi um dos destaques da Sony quando anunciou o apoio indie à PlayStaton 4 no início deste ano. Foi um jogo curioso e singular que só poderia ser fruto deste tipo de experiências que tanta fama e aclamação conquistaram nos últimos tempos. Não é propriamente o mais divertido de todos os indies que vão encontrar e a gameplay é demasiado básica para entreter e desafiar a médio prazo. Torna-se aborrecido rapidamente até, caso não seja gerido com cuidado. A sua boa disposição, doçura, excentricidade e humor serão os principais condimentos que vos podem prender e a sensação aqui será a de querer mais sem entender bem porquê, mas entrem nesta jornada com cuidado.