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Entrevista com a Bioware sobre a arte e design de Dragon Age: The Veilguard

Falamos com o diretor de arte sobre as origens do jogo.

Crédito da imagem: Eurogamer Portugal

Dragon Age: The Veilguard é o primeiro jogo original da Bioware desde Anthem, uma sequela para Inquisition que chega 10 anos após o seu lançamento em 2014, quando conquistou diversos prémios, incluindo o de Jogo do Ano. É uma enorme responsabilidade para a Bioware que tenta algo diferente no sistema de combate, que apostou num design mais linear para tornar a experiência mais focada, mas que preserva a mesma vontade de uma ambiciosa experiência de forte tom cinematográfico.

Outra coisa que também não mudou é a paixão da equipa criativa por fantasia, com uma direção artística sublime que facilmente encanta quem se imagina a explorar ambientes mágicos. Para descobrir mais sobre o processo criativo e da arte do jogo, tivemos a oportunidade de conversar com Matt Rhodes, um veterano da Bioware que partilhou connosco os objetivos da equipa, que procurou equilibrar o tom sombrio da narrativa com alguma beleza e cor.

Eurogamer Portugal Reparei no seu ArtStation que adora banda desenhada como Prince Valiant. Senti que Dragon Age: The Veilguard é muito estilizado, há alguma inspiração aqui?

Matt Rhodes É uma boa pergunta. Veilguard não tirou inspiração específica de Prince Valiant, isso é mais inspiração minha, para o meu trabalho pessoal, quando faço coisas minhas. Ao desenvolver cada Dragon Age, o tipo de histórias que queremos contar cresceram, tal como nós crescemos enquanto criadores, existem novos locais que queremos explorar ou coisas que gostamos nos anteriores e que sentimos merecer melhor ênfase.

Especialmente nas fases iniciais, os líderes criativos queriam apostar ainda mais num foco de personagens vivas, sejam os companheiros ou pessoas com quem vais interagir no mundo. A linguagem visual que começamos a usar para isso é algo que realmente, tenho dito que a tecnologia saiu da frente para ficarmos frente a frente com as personagens. Temos uma quantidade enorme de personagens e apenas os queríamos apresentar de forma bem explícita, para a sua personalidade brilhar, a ação ser vista de forma mais perceptível no combate ou na exploração. Tal como em Prince Valiant, foi perseguir a legibilidade e personalidade.

Eurogamer Portugal Algumas ilustrações suas fazem pensar em cenas do jogo, como uma que nos remete para Treviso, o que me fez pensar nessas ligações.

Matt Rhodes Sim, certo. The Veilguard foi, para todos, uma experiência que nos fez sentir como crianças numa loja de doces pois conseguir construir um mundo em locais que apenas foram mencionados, alguns deles apenas em textos, conseguir construir esses locais, pensar em como seriam. Fomos buscar inspiração a várias coisas, para tentar capturar o tom e sensação que queríamos. Penso que muito disso é narrativa clássica, por isso há muita sobreposição.

Image credit: Eurogamer Portugal

Eurogamer Portugal Quais foram os principais benefícios em optar por um design mais linear para o mundo. É relativamente linear, mas vai expandindo com o progredir da narrativa, o que me agradou imenso. Qual foi o processo criativo neste design?

Matt Rhodes Vou canalizar o François, o nosso designer de mundo e de missões, trabalhou em Inquisition, nas coisas em mundo aberto, e ele gosta de dizer que em Veilguard ao invés de linear, optamos por algo cujo termo é “centrado no hub”. Existem áreas centrais e estão conectadas, o que nos permitiu, em termos de arte, eu também trabalhei em Inquisition e foi fixe criar estas áreas enormes, mas infelizmente não permitiam um grande foco, estava tudo dispersado.

Com este design “hub and spoke”, podes criar áreas mais distintas, que permitem na mesma exploração e ficar perdido para descobrir coisas escondidas, mas ao apertar o foco, conseguimos apostar numa experiência visual mais rica. Em Inquisition, tens alguns locais maiores, enquanto em Veilguard tens mais locais e cada um tem o seu tom próprio e mais potente.

Eurogamer Portugal Locais como a Floresta de Arlathan são mesmo mágicos e repletos de fantasia, aquela panorâmica ao sair da viagem rápida parece levar-nos para um cenário escrito por Tolkien.

Matt Rhodes A equipa arrasou, foi muito intencional nisto. Temos um jogo no qual acontecem coisas muito brutais e sombrias, mas ao mesmo tempo não queríamos uma experiência completamente brutal e sombria, também queríamos mostrar as partes do mundo que valem a pena salvar. Mesmo que exista aqui algo de errado, também há beleza nelas, queres estar ali pois ainda oferecem alguma beleza. Eis um mundo no qual enfrentas aos maus e salvas porque é mesmo um local bom.

Eurogamer Portugal Ia perguntar por isso, pois até onde já joguei, cheguei a uma parte na qual tenho de escolher salvar um de dois locais. Em termos da arte, o quão difícil foi criar versões diferentes destes locais que são destruídos pois eles mudam imenso, desde as imagens à atmosfera?

Matt Rhodes Diria que é outro dos instantes nos quais o modelo “hub and spoke” permite focar com mais intenção nessa história visual. Podemos aumentar o significado em locais que o jogador vê e existem formas complicadas de o fazer e formas mais artísticas de o fazer. O mais difícil seria reconstruir tudo destruído, mas demoraria muito tempo, mas tens toda a razão, as ruas estão mais tranquilas, as pessoas têm medo de sair, temos pequenas mudanças na iluminação, temos artistas de grande talento, ao mudar um pouco a temperatura da cor ou coisas como isso, podes dar uma sensação diferente às coisas. Ainda bem que notaste isso pois é fixe ver esse esforço recompensado.

Image credit: Eurogamer Portugal

Eurogamer Portugal Algo que impressiona é que desde a cena inicial, tudo desde o posicionamento da câmara, iluminação, posicionamento de personagens, sugere algo preparado de forma meticulosa. O quão meticulosos foram em detalhes como posicionamento da câmara?

Matt Rhodes Ridiculamente meticulosos. Sim. Desde os artistas dos níveis aos artistas das cutscenes, ensinaram-me o poder do posicionamento das câmaras, o que isso nos diz da composição das cenas. Essa primeira imagem em Minrathos ganha maior atenção pois é a cena inicial e sabes que é a primeira coisa que as pessoas vão ver, mas também foi um excelente teste. Deixou-nos a pensar em como orientamos a visão do jogador, se temos muitos elementos ou poucos elementos, como movimentamos as coisas.

Vou partilhar uma coisa adicional, o Palácio de Arghon começou pois um dos nossos artistas, o Steve, pintou um quadro lindo de um anel flutuante por cima de uma cidade e estava tão bom que todos disseram logo ‘vamos fazer isso’. Ver isso, ali no prólogo, a flutuar, com o seu contexto, tem uma iluminação diferente, foi melhorado um pouco, mas é bom ver que quando uma boa ideia funciona, as pessoas estão sempre dispostas a conseguir arranjar uma forma de a colocar.

Eurogamer Portugal Há um local, penso que é Rivain, onde encontras a Taash, aquela parte na qual passas pelas ruínas e vês o castelo no meio do mar, é uma cena tão simples, mas surpreendente pela sensação de fantasia.

Matt Rhodes Obrigado, é encorajador ouvir isso. Os jogos são um meio tão interessante de trabalhar pois no cinema podes fazer uma composição dessas sem problemas, pois controlas a câmara e todos vêem essa imagem. A nossa equipa é simplesmente espetacular em construir a ideia que queremos transmitir e construí-la de forma que o jogador descobre naturalmente.

Tens pontos que te fazem olhar numa direção obrigatoriamente, isso facilita as coisas, mas mesmo em espaços abertos é mesmo fixe ver como eles fazem para atrair a tua atenção para as coisas e te fazem sentir que estás num local com história e sim, é fixe.

Image credit: Eurogamer Portugal

Eurogamer Portugal Como foi a abordagem ao design de inimigos para diferenciar as diversas facções?

Matt Rhodes No jogo temos várias facções, podes escolher a qual delas pertences no início e depois podes trabalhar com elas para as conhecer melhor. Tentamos imenso criar diferenças visuais e grandes distinções entre cada uma, para se tornarem reconhecíveis de imediato. Nos inimigos tentamos o mesmo pois estão de certa forma associados a uma fação. Cada grupo tem um inimigo associado.

Foi fixe pois temos vários tons e a magia no mundo, que começa a cair no caos, vai assumindo várias formas em vários locais. Temos a corrosão incontrolada em alguns locais, mas depois na Floresta de Arlathan a magia em si é quase a radiação local que aumenta sem parar. Cada um tem as suas próprias paletes e depois podes movimentá-las como necessário.

Os Darkspawn podem surgir em qualquer lado, os sistemas de segurança vivos em Arlathan é um dos meus favoritos, uma espécie de armaduras assombradas, são para mim fantasia clássica. Uma armadura assombrada numa floresta é algo muito divertido. Cada grupo tinha os seus próprios objetivos e tornou-se muito mais fácil separá-los visualmente pois cada um tem os seus propósitos.

Os Darkspawn, por exemplo, estão em Dragon Age desde o início, em cada jogo tentamos que tudo no design seja um reflexo da história e torne a história visível de forma eficaz. Para os Darkspawn, agora que os deuses malvados escaparam, a corrosão à qual estão ligados também foi reforçada, por isso a magia está desestabilizada, mas a corrosão também. Tornaram-se mais orgânicos para realçar isso, com veias que surgem por todo o lado. Tentamos ter a certeza que sejam as facções ou locais, a história é visual também.

Image credit: Eurogamer Portugal

Eurogamer Portugal O editor de personagens é muito detalhado e meticuloso, qual foi a abordagem e o pensamento para tamanha atenção que lhe dedicaram?

Matt Rhodes Parte disso está na continuidade, já criamos estes jogos há muito tempo e a cada vez aprendemos novas coisas, em cada jogo enfrentas restrições que queres derrubar no próximo. É fixe conseguir dar aos jogadores criadores de personagens para criarem a sua personagem, mas esse sistema também é o que usamos para criar a maioria dos NPCs. Com a exceção dos companheiros principais e algumas figuras principais, quase todos os outros são construídos com esse sistema.

Para nós, num momento para contar a história quando precisas de, e isto aconteceu-nos em jogos anteriores, um velhote que está preso há muito tempo e tem o corpo de um bodybuilder porque todos o têm porque é o único que há, estraga a história. Até nisso, chegar ao ponto de obter mais ferramentas, mas também apresentá-las aos jogadores. Obviamente, é fixe conseguir ter sempre a possibilidade de criar mais personagens e sim, é meticuloso. Todos os criadores de personagens começam a ser discutidos no primeiro dia pois são muito complexos. Cada opção tem o potencial para afetar outro de forma negativa, por isso é um grande esforço para ter tudo equilibrado e a funcionar.

Este permite coisas muito loucas, já vi personagens muito bonitas, mas também já vi monstros desumanos que são incríveis. Parte do que gosto nos criadores é entregar aos jogadores e se conseguirem fazer de tudo desde um monstro a alguém belo, é um bom espectro.

Image credit: Eurogamer Portugal

Eurogamer Portugal A respeito de design de personagens, pode falar-me do processo criativo nas armaduras dos personagens?

Matt Rhodes Absolutamente. Dedicamos imenso esforço para diferenciar as várias facções, pensamos em cada uma a representar um género totalmente diferente. Dou alguns exemplos, os Gray Wardens e os neardentais queríamos que estivessem no seu melhor, cavaleiros em armadura brilhante a enfrentar monstros, depois temos os assassinos teatrais e sedutores com os Corvos em Treviso, depois passas para a Necropolis e tens os Mournwatchers, estes feiticeiros académicos na cidade morta. Tens cavaleiros heróicos contra criaturas, assassinos estilosos a lembrar Zorro, e depois tens estes sombrios a lembrar o terror clássico na Necropolis, cada um na sua região aborda um género.

Ao desenhar as armaduras, sabíamos que queríamos as três classes, Warrior, Mage e Rogue, cada uma deve permitir esse género, mas cada facção ia expressar isso de forma diferente. Com os Corvos Antivan, se pegares em armadura pesada como exemplo, como é que assassinos teatrais, muito românticos, vão expressar isso? São pontiagudas, com penas pretas e prateados. Depois vais para a Mournwatch e como é que eles dizem armadura pesada? No seu caso, é quase uma armadura cerimonial, com detalhes cerimonial, é uma forma divertida de dizer que podes colocar uma lente sobre cada facção e vês que cada uma resolve um problema.

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