Dragon Quest Builders - Análise
Nascido para reconstruir.
A apresentação da Nintendo Switch trouxe à discussão dois tópicos que com alguma regularidade se repetem; o conceito e a inovação. Nesta indústria, aliás como noutras áreas, sabemos que o sucesso de alguma ideia aplicada em larga escala tende a ser imediatamente seguido ou copiado. Quando ocorre o oposto e as ideias redundam num fracasso, a situação pode até revelar-se estigmatizante, com efeitos penalizadores sobre os seus criadores. A título de exemplo temos actualmente um predomínio dos jogos em mundo aberto, conjugados com experiências online, socialmente agregadoras e integradas em contextos narrativos. Parece ser essa uma das maiores amplitudes de desenvolvimento da indústria, uma espécie de direcção universal, capaz de transportar muitas séries cuja génese é distante (pensamos por exemplo no derradeiro Metal Gear Solid dirigido por Kojima e mesmo a tentativa da Naughty Dog em conseguir algo próximo em Uncharted 4).
Basta ver como a Square Enix tem vindo a modelar algumas das suas franquias mais tradicionais, acrescentando-lhes ramificações no sentido de géneros populares. Pese embora todo o peso na dimensão de role play clássico em Dragon Quest, continuando a ser a montra principal da série, o contexto aberto recentemente com Dragon Quest Heroes e agora com Dragon Quest Builders parece ser uma solução algo comum no sentido de ir ao encontro de uma audiência diferente, promovendo uma oferta mais diversificada, que como num ritmo anual mantém a franquia numa espécie de galinha de ovos de ouro.
Desde logo porque nestes dois enxertos estão experiências quase diametralmente opostas. Em Heroes encontramos uma ligação ao modelo dos jogos de acção, os famosos "hack'n Slash", um arco balizado por experiências como Dynasty Warriors e Hyrule Warriors, entre outros, e em Dragon Quest Builders uma perspectiva alternativa de Minecraft, o popular jogo da Mojang, amplificado pelas comunidades e que vale ao seu criador sueco Markus Persson um chorudo prémio monetário enquanto andar por aí.
Não vem mal ao mundo na cópia de conceitos e modelos de jogo. Numa indústria marcada por uma conjugação constante de influências, os jogos tendem a evoluir uns dos outros. As suas proposições, design e acrescentos acabam por diferenciar e criar uma oferta alternativa, o que de certa maneira acontece com Dragon Quest Builders, que embora partindo do conceito e construção de Minecraft, oferece uma proposição diferente, a começar pela base narrativa assente numa estrutura de progressão por objectivos e missões que orientam e integram mais facilmente o jogador.
Isto, conjugado com o mundo de Dragon Quest e a sua componente de fantasia, contribui para uma experiência não só mais amigável e gradual em objectivos, mas deveras integrada e acompanhada, não defraudando quem tenha passado ao lado de Minecraft (a sua comunidade é esmagadora do PC), se atentarmos às legiões de fãs provenientes do jogo de role play, um público diferente.
O novo jogo retoma o final de Dragon Quest, quando o herói celebrou um pacto com o diabo, neste caso Dragonlord, e que culminou no pior desfecho para Alefgard, com a destruição a pontificar sobre metade do território, envolvido em nuvens negras. Caberá ao novo herói reconstruir, pedra sobre pedra, cada aldeia, cada castelo, cada localidade, renovando o brilho, a paz e a prosperidade de outrora, enquanto reduz a pó as mordazes criaturas que assolam o quotidiano dos habitantes mergulhados num profundo desespero.
O objectivo do jogo consiste em reconstruir progressivamente Alefgard e mudar a sua superfície. Para isso o jogador irá começar por criar a sua personagem, aprendendo imediatamente as regras e o funcionamento básico do jogo. As primeiras horas poderão ser um pouco previsíveis, mas é uma fase imprescindível (sobretudo se jogam neste modelo pela primeira vez), que nos deixa preparados para a epopeia que se segue. O segmento de aprendizagem, que ainda envolve uma boa porção de tempo, está bem criado e segue os passos essenciais. Há uma personagem, uma espécie de entidade superior, que nos acorda, depois do pacto que selámos, e com ela realizamos pequenas coisas muito facilmente, através de sequências precisas e sem momentos secantes.
A arquitectura e o ambiente assemelham-se bastante a uma conjugação entre a influência Minecraft e a base Dragon Quest. Ambos se projectam no televisor de forma muito vincada e em partes quase iguais, podendo ser algo delicada a fronteira que separa ambas, tal é a integração. É admirável a componente Dragon Quest, especialmente no desenho das personagens, objectos, ferramentas e utensílios. As indumentárias, expressões, caras e desenhos de Toriyama sobressaem imediatamente, de forma muito consistente, e os menus são muito idênticos aos que encontramos nos jogos de role play. Até a música é um prolongamento de novos e clássicos temas, o que porá os fãs da série absorvidos depois de cumprida a fase de aprendizagem.
É a partir desse momento que o jogo começa a brilhar e a integração com a jogabilidade "à lá" Minecraft começa a frutificar. Dominando princípios básicos de jogo como criação de ferramentas e utensílios indispensáveis à criação, começamos a trabalhar na obtenção dos recursos, com os quais podemos construir as casas, mobilar os interiores e tornar saudável próspera a vida dos habitantes, que após a destruição semeada pelo Dragonlord, perderam a habilidade de criação e passaram a ser assolados por fantasmas.
Paulatinamente assistimos a uma transformação gradual das aldeias por onde passamos e somos incumbidos com a tarefa de restauro. Por seu turno, os habitantes cedem-nos coisas, objectos e recursos que podemos utilizar. O humor é constante, através de diálogos e uma série de peripécias contagiantes e bem conseguidas. A componente role play é quase escassa, prevalecendo, em seu lugar, uma série de objectivos a atingir por território, que uma vez cumpridos, começam do zero quando passamos para outra área. Claro que podem sempre desenvolver as armas e armaduras da personagem, mas o ponto central de evolução é a área intervencionada. À medida que cumprem os objectivos e desenvolvem mais instalações, casas e outros espaços, potencialmente atraem mais inimigos, o que vos obriga a combater. Algumas criaturas assumem a forma de um "boss"
A qualquer instante podem pausar a progressão na campanha e construir livremente, seguindo a vossa imaginação, através da opção Terra Incógnita. Desde novos materiais, ilhas e prescrições, o interesse aqui passa por formatar a experiência consoante o nosso interesse, podendo ser útil como modelo criativo. Tudo somado leva longe, dezenas de horas que se perfilam na campanha com a opção praticamente ilimitada do modo de criação livre.
Atendendo à sua acessibilidade, acompanhamento na fase inicial e em especial a narrativa que nos leva a viver uma aventura paralela ao formato tradicional do jogo em formato role play, DQ Builders oferece um propósito num formato "sandbox" e sem o qual seria nesse caso mais uma cópia da influência sem autenticidade. Além disso é um jogo engenhoso e bem construído, acessível e intuitivo, destituído de grandes entraves ou obstáculos, facilitando a entrada de uma nova audiência.