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Dragon Quest I num smartphone em 2014

Nem acreditaria nisto há 15 anos.

No dia 10 de Setembro foi lançado o meu mais recente vício em forma de videojogo: Dragon Quest I para iOS, onde custa €2.69, e Android, onde custa o mesmo. Sempre que posso ao longo do dia, antes de adormecer enquanto estou na cama, é o Dragon Quest original que me faz companhia e me deixa a pensar em como as coisas podem mudar tanto, mesmo quando temos uma mente aberta e acreditamos na mudança, é muito provável que aconteça algo que nos surpreenda. Esta é particularmente interessante para mim pois faz-me pensar imenso nas gerações de consolas que já passaram.

A primeira vez que ouvi falar em Dragon Quest foi com o sétimo jogo em 2000, que será lançado futuramente para formato mobile, quando mergulhado numa imensa febre JRPG patrocinada por Final Fantasy VII, procurava tudo o que mexia desde que estivesse relacionado com o jogo. Somente em 2006 viria a ter contacto com a série quando chegou Dragon Quest VIII, já disponível para mobile, mas confesso que cometi o grave erro de me afastar do jogo quando a dificuldade e progressão se tornaram ligeiramente intimidatórios. Agora, em 2014, espero colmatar essa grave falha e fazer as minhas pazes com a série e antes de passar para esse quero jogar Dragon Quest IV mas felizmente, tive a oportunidade de começar pelo jogo que esteve na origem de tudo.

Isto levou-me a pensar no que diria a mim próprio se pudesse viajar no tempo e explicar ao Bruno Galvão em 1999 que iria ser capaz de jogar uma das melhores séries de JRPG num aparelho que podia transportar facilmente consigo sem quaisquer problemas. Faz pensar no avanço tecnológico e mais do que isso, faz-nos pensar em como o formato mobile se pode tornar num meio fantástico para os videojogos, sem sequer pensar em debates casuais vs. dedicados. Simplesmente pensando no potencial que toda esta acessibilidade em sintonia com a capacidade do equipamento nos permitem ter uma consola de jogos que ao mesmo tempo é uma máquina fotográfica, um leitor de vídeos/música e claro, um telefone. É um futuro que damos como garantido mas que há uns anos atrás seria coisa de "Star Trek".

"A versão iOS lançada em Setembro de 2014 retoca os visuais mas mantém praticamente toda a essência castigadora e cruel do original."

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Dragon Quest I nasceu da mente de Yuji Horii e editado pela Enix em 1986 para a NES da Nintendo. Cerca de dois anos depois de Akira Toriyama ter lançado o primeiro capítulo de Dragon Ball, o próprio envolveu-se na criação dos trabalhos de arte/design de personagens para esta série que a par de Final Fantasy se viria a tornar mítica na indústria Japonesa dos videojogos. Para terminar temos ainda a colaboração de Koichi Sugiyama, compositor Japonês consagrado cujo segundo trabalho nesta indústria foi precisamente este primeiro Dragon Quest. Estava reunido um incrível talento que viria a criar um padrão apreciado e copiado ao longo de várias décadas. Até à data de hoje, Dragon Quest desfruta de incrível popularidade e continua a vender imenso no Japão, assim como em todo o mundo.

Somente em 2014 tive a oportunidade de apreciar este incrível trabalho e jamais acreditaria que seria por este preço e no formato que é, um aparelho portátil com interface tátil no qual não temos quaisquer botões físicos para controlar o jogo. É incrível como o futuro permite aceder ao passado de uma forma jamais possível anteriormente, mesmo nos sistemas dedicados. Numa altura em que o género está mergulhado em grande controvérsia e parece ligeiramente perdido, Dragon Quest X como um MMORPG poderá ter deixado os fãs ligeiramente desanimados, é fascinante como parece ser o formato mobile o escolhido para recuperar para a ribalta clássicos de uma série na qual apenas dois jogos foram lançados na Europa.

O que interessa é que tive a oportunidade, por um incrível preço, de jogar um clássico desta indústria e confesso que estou completamente rendido. Brutal, cruel, impiedoso e sem qualquer tipo de piedade para com o jogador, a obra de Horii mostra bem porque se tornou tão referenciada. Dragon Quest começa da forma mais simples que existe e assim continua a ser até este momento. Não temos aqui ajudas e nada é ao calhas, existe um delicado equilíbrio de respeito entre jogo e jogador, imposto pelo primeiro e reconhecido a esforço pelo segundo. Somos transportados para o Castelo Tantegel onde o rei nos indica que temos uma tarefa heróica a cumprir de forma a provar que somos o descendente do lendário herói Erdrick. Salvar a princesa e eliminar uma poderosa criatura maléfica é o nosso objetivo. Está feito.

Não temos ajudas, não somos carregados às costas pelo jogo. Nada. Aqui é tudo muito direto e muito simples: luta pela tua sobrevivência. Não será fácil. Inicialmente a confusão de toda esta abordagem direta será pouca pois vagueamos pelos arredores de Tangetel e sem quaisquer informações sobre para onde ir, temos que procurar chegar a algum lado pois todo o mapa está desde logo acessível. Uma jornada pelo mapa mundo permite-nos desde logo conhecer as famosas Slimes que até hoje são uma das marcas da série e o sistema de combate.

O som de alerta indica uma rápida transição para um ecrã de combate onde temos que escolher as ações e ver os ligeiros efeitos numa perspectiva na primeira pessoa. Desde cedo Dragon Quest conquista imensa profundidade, não porque nos deixa à deriva a procurar pelas cidades por informações sobre o nosso destino ou porque temos que descobrir os trilhos para os locais mais distantes, é porque a ligação entre todas as suas mecânicas é do mais coeso e firme que podem ver. Atualmente é um produto que é facilmente emulado mas é espantoso imaginar esta qualidade num ano tão distante quanto 1986.

Arte de Akira Toriyama usada para promover o jogo nas lojas digitais.

A acessibilidade e rapidez dos combates (a lembrar aqueles RPGs de papel e caneta mas em formato interativo é por demais delicioso) a dificuldade dos inimigos e o incutir de estratégia e pânico por cada erro é incrível. Podem viajar imenso para depois perderem sem qualquer piedade para o vosso dinheiro ser cortado pela metade e serem ressuscitados no castelo de Tantegel. Está na hora de voltar a caminhar todo aquele caminho para ganhar novamente o dinheiro perdido para comprar aquela arma ou armadura que irá fazer toda a diferença nos combates.

A dado momento Dragon Quest I deixa-nos a sentir um peso imenso pois cada ação nossa parece ter um tremendo efeito no nosso jogo. Ao invés de insistir nos combates deveria ter recorrido a um Inn para descansar mas assim perderia algum dinheiro que podia ser útil para comprar aquele escudo que me vai proteger. A resposta está no grinding, na incessante melhoria do personagem para que o dinheiro cresça e o nível aumente, dando acesso a novos ataques de magia e atributos reforçados. A dado momento festejam cada melhoria de nível como se fosse um golo no mundial de seleções.

Todo este fascínio nasceu precisamente na imensa dificuldade mas especialmente na forma como o jogo se faz ser respeitado. É difícil, precisa de tempo mas vamos sentir que estamos a jogar um daqueles contos em livro no qual o papel e lápis dão lugar a um formato interativo. Penso que em 1986 o desejo foi esse e em 2014 continua a resultar. Por enquanto continuo à procura das três relíquias sagradas que me vão permitir enfrentar aquele maléfico guerreiro do mal e a passo e passo vou caminhando mais longe do castelo. Sempre com medo de lá voltar, especialmente quando é difícil subir de nível.

A sensação que quanto mais a tecnologia avança mais esta nos permite desfrutar de obras de tempos já passados de uma forma que anteriormente acreditávamos nem ser possível é provavelmente o que diria a mim mesmo se viajasse no tempo. Que os novos equipamentos portáteis nos iriam permitir aceder aos jogos mais avançados tecnologicamente mas também desfrutar de jogos que na altura não teríamos qualquer hipótese de jogar. Se tiverem por aí €2.69 não hesitem, abracem este clássico da era moderna.

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