Dragon Quest VII: Fragments of the Forgotten Past - Análise
Perdido no tempo.
Desde o magistral tema de abertura, da autoria de Koichi Sugyiama, passando pelo inconfundível trabalho artístico do mítico Akira Toriyama (Dragon Ball), depressa associamos a conjugação a mais um episódio de Dragon Quest, uma das mais antigas e populares séries de role play no Japão, país no qual o lançamento de um novo episódio acontece agora ao fim de semana de modo a evitar as sempre lamentáveis falhas ao emprego. De resto é associado com alguma frequência ao título de jogo representativo da indústria de videojogos japonesa. Juntamente com Final Fantasy, Dragon Quest possui um atestado de credibilidade para lá do arquipélago nipónico, tendo nestes 30 anos de história, gozado de uma incrível projecção na Europa e sobretudo nos Estados Unidos.
Dragon Quest VII: Fragments of the Forgotten Past, nesta versão 3DS europeia, junta-se à edição em formato Android e Iphone, de 2015 (exclusiva para o território japonês). Mas para os titulares da portátil da Nintendo e fãs dos da série, abre-se uma óptima oportunidade para recuperar um dos grandes clássicos do começo do milénio, mesmo após um interregno de 16 anos, assinalado no passado mês de Agosto.
Nessa altura, DQ VII era um jogo substancialmente diferente do que agora temos em mãos. Com uma apresentação 2D limitada graficamente, a versão para a 3DS tem a vantagem de nos brindar com uma remasterização autêntica, mudando por completo o aspecto do jogo, com destaque para a nova estética 3D, bem mais compatível com as produções que se lhe sucederam, em especial Dragon Quest VIII e Dragon Quest IX. Ainda que os episódios mais recentes apresentem elementos mais inovadores e interessantes, DQ não deixa de ser aquilo que foi, uma produção deveras "hardcore", sobretudo este sétimo episódio, que funciona como um brinde ao melhor do conjunto de jogos de role play que antecederam a passagem do 2D para o 3D.
Não é um jogo para todos, especialmente se não estão muito aptos a esperar longos períodos até que os combates se atravessem no caminho da nossa party. DQ VII é facilmente um sorvedouro de horas, um título cuja dedicação seca praticamente tudo à sua volta, pois são muitos os locais e ilhas para visitar, portais que iremos atravessar, imensas viagens, peregrinações, e quests a levar a cabo numa demanda exaustiva mas capaz de verter imensas surpresas e desafios, contando com uma redução do grau de dificuldade, o que é um alívio nas primeiras horas, ao prescindir do combate aleatório e forçado para subir de nível. Estas são algumas modificações relevantes, levadas a cabo de modo a obter o interesse dos jogadores que pretendem descobrir a série pela primeira vez.
Num tempo marcado por jogos com funcionalidades exclusivamente multiplayer em torno de uma vertente competitiva alargada, esta edição remasterizada da Square Enix parece recuar aos primórdios do género role play. Este é porém, o factor que mais divisão suscita, pois se para determinada audiência mostra-se como uma produção datada, por outro lado não podemos olvidar que estamos diante de uma edição remasterizada que nunca chegou à Europa, capaz de promover dezenas e dezenas de horas de jogo.
No entanto, os momentos iniciais, assim como outras fases de exploração mais dianteiras, demoram a passar. A sequência inicial pode até ser um pouco angustiante. A maior parte do tempo andamos a pé de um lado para o outro ou estamos em diálogo com os npc's, realizando coisas sem grande significado. Talvez seja um começo pouco auspicioso ou estimulante, mas se o ânimo não esmorecer aos poucos a história ganha contornos mais interessantes O grosso da narrativa sujeita-nos a uma revisita constante do passado, através de viagens no tempo que levam a equipa de aventureiros a descobrir outros continentes entretanto omissos do mapa. Estabelecer uma relação entre o passado e o presente, tentando dar um encadeamento lógico à situação invulgar, afigura-se crucial, sendo preciosos os fragmentos que iremos encontrar e que dão nome à aventura. É jogo para lograr episódios dentro de um episódio.
O fim dos combates aleatórios é uma vantagem. Agora vemos os inimigos no mapa ou na área, a deambular, pelo que dependendo da saúde da "party" desaparece aquele factor sempre inconveniente de ter lugar um combate num momento para o qual não estamos realmente preparados para garantir a melhor defesa ou ataque. A dificuldade foi ligeiramente reduzida, sendo agora possível defrontar os primeiros grandes monstros sem que seja necessário um elevado nível de ataque das personagens.
A mecânica de combates é idêntica ao original, e só não é tudo igual porque desapareceu a perspectiva na primeira pessoa, estando bem destacadas as personagens e monstros em 3D. Dos ataques, às magias e habilidades, o leque de personalização é grande, sobretudo a partir do momento em que é possível aceder a um conjunto de profissões, que funcionam como uma especialização e ganho de poderes. Infelizmente terão que aguardar muitas horas antes de acederem a este complexo sistema de vocações, cujo domínio é essencial a fim de baterem o jogo.
Infelizmente o detalhe empregue nas personagens contrasta significativamente com os fundos e cenários, por vezes demasiado simplificados
Progredindo entre masmorras e novos territórios, muitas vezes a grande dificuldade passa por descobrirmos o sentido e o ponto certo onde passamos para os acontecimentos seguintes. Se desde o primeiro momento a atenção aos diálogos é crucial a fim de não nos desviarmos do curso narrativo. Mais adiante podemos perder facilmente o fio à meada, entrando numa deriva que pode ser algo penalizadora. Se anteriormente isso era útil a fim de melhorarmos a nossa "party", atendendo à progressão demorada, isso pode causar esmorecimento, mesmo se existe uma personagem útil em dicas para onde seguir.
Em termos gráficos, o destaque vai para a arte das personagens, muito firmes e distintas, com indumentárias trabalhadas e sobretudo a expressão patente nos rostos, com todo o traço característico de Toriyama. Infelizmente o detalhe empregue nas personagens contrasta significativamente com os fundos e cenários, por vezes demasiado simplificados, algo toscos e sem particular brilho ou arte. Não deixa de ser um salto muito grande face ao original (jogo que seria ainda mais difícil de entranhar), mas quando comparado com o pormenor posto em DQ IX (ainda por cima para a DS) e mesmo nos outros jogos 3D para a 3DS, digamos que o estúdio japonês ArtePiazza poderia ter ido mais adiante. Dentro da expectativa estão as brilhantes e intemporais composições de Koichi Sugiyama.
Mais vale tarde que nunca, pelo que apesar dos 16 anos que distam do original, Dragon Quest VII, nesta versão remasterizada para a 3DS, é a única opção para reviverem um clássico, especialmente no domínio visual mas que permanece demasiado refém de mecânicas entretanto revistas e que o impedem de gozar do mesmo equilíbrio que ostenta por exemplo um Bravely Default. O trabalho de restauro do estúdio japonês ArtePiazza é digno de elogios neste trajecto, ao sintonizar o jogo com os modernos DQ IX. Só que com pouca inovação e um sistema de progressão que está longe de mostrar simpatia e reivindicar originalidade, perante o teste do tempo, é no seu interior que são mais visíveis os sinais de erosão. Haverá quem encontre nesta produção algum fascínio (é um Dragon Quest), mas assente num modelo que requer persistência e no qual as gratificações são atribuídas através de grandes intervalos, nem todos resistirão ao impacto desta pesada fórmula.