"Eles fizeram conteúdos gigantescos"
José Teixeira, Senior VFX Artist da CD Project RED, em entrevista exclusiva ao Eurogamer sobre The Witcher 3: Wild Hunt.
Natural de Almada e a residir na Polónia desde 2009, onde começou a trabalhar para um estúdio chamado People Can Fly, José Teixeira é hoje um dos rostos preferenciais da CD Project Red para transmitir aos média as informações sobre o mais recente jogo do estúdio: The Witcher 3: Wild Hunt, a grande aventura de fantasia medieval para as actuais consolas, para o PC e que volta a ter Geralt of Rivia como personagem central.
Numa entrevista exclusiva ao Eurogamer Portugal, o português conversou connosco e na nossa língua durante quase 17 minutos, revelando muitas informações sobre o desenvolvimento do jogo, as dificuldades por que passaram, os adiamentos que provocaram comentários, mas também a ambição na forma do maior conjunto de conteúdos criado para um jogo do estúdio polaco.
Gostaria de se apresentar à comunidade portuguesa do Eurogamer?
Claro que sim. O meu nome é José Teixeira. Sou de Almada. Vim para a Polónia em 2009 e trabalhei primeiro noutra empresa chamada People Can Fly e agora, desde 2013, trabalho na CD Project Red e sou artista de efeitos especiais. Faço todos os fogos, fumos e efeitos meteorológicos, eu ia dizer também explosões mas não há muitas explosões neste jogo infelizmente (risos), mas é essencialmente isso que faço e estamos agora a acabar o jogo.
Em termos de produção, The Witcher 3 leva quanto tempo?
O Witcher 2 foi lançado a meio de 2011, se não estou em erro e depois a equipa foi dividida, metade trabalhou na versão Xbox 360 e a outra metade da equipa começou a preparar o software e o motor de jogo para a nova geração, a efectuar os “upgrades”. Depois, no final do ano, lançaram a versão Xbox 360 e mais tarde, em Abril e Maio de 2012, começou tudo a sério.
A partir daí envolveu-se também na produção.
Eu comecei em 2013, quase um ano mais tarde. 2013 foi brutal, aliás em 2014 quase pagámos o preço do que fizemos em 2013. Esse ano ficou marcado por uma enchente de conteúdos, desde personagens, locais, “quests”, aquelas aventuras e os níveis. O jogo cresceu brutalmente. Nós tínhamos uma estimativa do tamanho do jogo, por exemplo qual é o tamanho do mundo, quantos finais o jogo pode ter, mas a dada altura tornou-se impossível ter um número certo, porque o jogo foi crescendo muito mais.
Na visita guiada que fizemos, disseram que a área de jogo No Man's Land tem quase 3 anos de produção.
Sim, o jogo cresceu imenso. A outra área, Skellige [Islands], que é uma espécie de sequência de ilhas, também é gigante. Foi uma fase de acentuada produção de conteúdos e depois claro, em 2014 foi mais trabalhoso, tivemos que adiar o jogo, infelizmente. O jogo está feito e dá para jogar do princípio até ao fim, mas lá está, apesar de completo ainda não está pronto e não dava para lançar o jogo.
Neste caso a decisão foi tomada muito cedo no sentido de escolher a versão para a nova geração e PC, ou seja, afastando as versões anteriores, um novo tempo para a série.
Há pessoas aqui no estúdio cujo trabalho é, digamos, controlar o aspecto global do jogo, ter uma visão geral do jogo e desenvolver. Mas mesmo eles não esperavam que o jogo tivesse crescido tanto, porque não estou a exagerar quando disse que eles fizeram conteúdos gigantescos, coisas a mais do que tínhamos originalmente planeado e depois quando foi chegando a data apercebemo-nos que não ia dar para lançar assim o jogo, precisávamos de mais tempo. EG: Os jogadores depositam grandes expectativas no jogo.
Sim, e agora com o que se tem passado com os jogos triple A...
Têm sentido essa pressão, colocada em muitos títulos recentes? Alguns são lançados com bugs e inconsistências.
Quando isso aconteceu nós... “uau”! Estas empresas têm muito mais gente que nós, centenas e milhares de pessoas...
Quantas pessoas trabalham no Witcher 3?
Duzentas e cinquenta, mais ou menos.
Todas aqui?
Temos um estúdio aqui, em Varsóvia e outro mais pequeno em Cracóvia. Eu trabalhei sempre aqui. Mas somos aproximadamente 250 pessoas, é um número relativamente pequeno, considerando a dimensão do jogo, quando comparado a outros nomes. Por isso quando essa situação aconteceu foi mesmo “uau”, ok, nós temos mesmo que resolver estes pequenos erros.
Essa pressão motivou o adiamento ou foram outros aspectos?
Houve dois adiamentos originalmente. Infelizmente o jogo deveria ter sido lançado no ano passado, depois passou para Fevereiro e agora para Maio.
Nós solicitamos à nossa comunidade que questões gostariam de colocar a um produtor de The Witcher 3 se tivéssemos essa possibilidade, e uma delas tem que ver com a questão da manutenção da qualidade da série a que nos habituamos.
Estamos a fazer os possíveis e acho que está a melhorar. Está drasticamente a melhorar. Acho que estes dois a três meses, bom não chega a ser três meses porque temos que enviar o jogo para as certificações. No fundo são dois meses de trabalho que ajudam imenso. Centenas e centenas de coisas. Nós temos aquelas contagens de erros que ainda continuam no jogo. São muitas coisas a serem corrigidas diariamente, pelo que definitivamente o jogo vai beneficiar disso. São cerca de oito semanas até às certificações, depois temos o planeamento.
Dias muito intensos por isso.
É produtivo. As pessoas têm estado a jogar o jogo e detectam onde há erros, pelo que conseguimos corrigir facilmente. Tem havido uma resolução muito rápida e são dias que completamos com um sentimento de missão cumprida: encontramos uma série de erros e foram resolvidos. A aventura joga-se muito melhor e nesta localidade já não temos problemas e já não há problemas de “frame rate” nesta localização. Também há montes de aspectos no jogo, dentro do jogo, como pessoas e animais.
Há pouco, nós passamos lá em cima, nos corredores e salas onde vocês trabalham e numa delas vimos a criação de personagens e adaptação aos diálogos. Essa adaptação foi fácil ou tiveram algumas partes do jogo que vos causaram mais dificuldade nesse equilíbrio?
Definitivamente a parte mais complicada foi a cidade principal. Chama-se Novigrad, que é uma cidade gigantesca, aliás ontem nós mostramos a cidade num vídeo que lançamos há uns tempos e essa cidade é enorme, enorme. E mais do que isso é toda feita à mão que é uma coisa completamente insana. Quando me apercebi pela primeira vez, porque é preciso verificar que uma pessoa vê todos aqueles “making of's”, são umas coisas super tecnológicas onde decidimos fazer uma linha, onde começa e onde acaba e eles fazem o edifício todo automaticamente. Aqui eles não querem isso, não querem fazer os edifícios todos certinhos e unidos. Tem que ser uma cidade medieval, suja, então tudo tem que ser torto e isso tem dado um trabalho que é algo incrível. É tudo feito à mão. As pedras são colocadas à mão, as casas são colocadas à mão, as lojas são colocadas à mão.
As tarefas estão divididas?
Sim, cada um faz uma parte da cidade. Até aí tudo bem, mas quando chega a parte de correr isto, até no PC não é fácil, quanto mais nas consolas.
Um ponto interessante que eu gostava de questionar: o jogo foi criado para o PC e depois foi optimizado para as consolas?
"Temos as três plataformas lado a lado e o jogo é incrivelmente parecido em cada uma delas."
Boa pergunta. Fomos trabalhando simultaneamente nas três versões.
No sentido de garantir uma equivalência entre elas?
O jogo está incrivelmente parecido. Temos as três plataformas lado a lado e o jogo é incrivelmente parecido em cada uma delas. Eu até diria que correu melhor do que muita gente estava à espera. Lá está, tanto conteúdo e tantas coisas feitas à mão e específicas, coisas e pessoas com a sua vidinha, cada pessoa a andar na rua tem um cérebro que é uma das coisas que o estúdio se orgulha, é que as pessoas não estão simplesmente a andar. Têm uma vida própria, estão a ir para o trabalho ou para casa. Não é só para encher o cenário. Estão sempre a fazer alguma coisa, só que isso depois é pesado na performance, é muito mais pesado.
Por acaso há uma piada que eles contam aqui que é; a primeira vez que eles correram o jogo na Xbox One deu um ecrã preto. O jogo estava a correr mas não se conseguia ver nada. Aqui o nosso director de arte ficou super feliz, o jogo finalmente a correr, mas o ecrã preto. Não estás bem a ver. Quando foi no Witcher 2, para a Xbox 360, até termos o ecrã preto foi um trabalhão. Já vermos o ecrã preto significa que o jogo está a correr, eles ficaram todos contentes e depois é uma questão de optimizar para correr melhor, desde pessoas e todas aquelas coisas. Agora está a correr bastante bem.
Uma das características dominantes deste jogo é precisamente o ambiente em termos de efeitos, condições climatéricas. A neve tem aquele efeito de quase fustigar as personagens. Foi um dos pontos do jogo que quiseram dar particular ênfase?
Sim, sim. O jogo está extraordinário, está muito bem feito. Do ponto de vista gráfico está muito realista. Há um artista na equipa “environment team” que por acaso está sentado mesmo ao meu lado. Ele só faz vegetação, árvores, arbustos e relva. Ele é perito nisso. É um tipo que dedica-se somente a isso. Ele sabe o que é que cresce perto da água, perto das montanhas, o que é que cresce na cidade, em ambientes secos, húmidos. E então acaba por fazer estas florestas super realistas. A gente começa a andar à volta e é impressionante, como uma floresta realista.
E sim, eles trabalharam imenso, a equipa dos gráficos, eles fizeram um excelente trabalho para actualizar. E trata-se de algo que foi feito ao longo do processo de desenvolvimento. Quando começámos muito elementos estavam desactualizados e eles foram actualizando, e com novas possibilidades gráficas à medida que o jogo foi avançando no ciclo de produção.
Em termos de tamanho de jogo, que dimensão de território podem esperar os jogadores, até porque agora há novas formas de deslocação.
Sim, pode-se andar a cavalo, subir para o barco. É mesmo um ambiente bastante grande. Há sempre aquela opção que permite a deslocação automática até certo ponto, pelo que se quisermos podemos viajar directamente para esse sítio.
Em termos de tamanho antigamente costumávamos dizer que era uma espécie de mapa de oito por oito quilómetros. Não sei dizer qual é exactamente o tamanho. Mas aproximadamente, lá está, nós temos aqueles números, cerca de 50 horas de jogo mais 50 horas de jogo para as “side quests”, que são muito interessantes, devo dizê-lo. Obviamente que a história principal é muito interessante.
Mas algo que a nossa equipa de “quest design” fez muito bem são os chamados “side quests” e “main quests”. Estão muito bem feitos, genuinamente bem criados, porque é habitual serem coisas do género como uma personagem que diz: olha, perdi um anel, vai buscar o anel, aquelas “fetch quests” que a gente odeia. De vez em quando parece que vai ser apenas uma “fetch quest” mas depois a gente chega lá e encontra outra pessoa, depois isso desenvolve-se e há sempre qualquer coisa que acontece, nunca é muito linear.
Continuam a acompanhar e seguir pelos livros do escritor Andrzej Sapkowski?
"Na versão PC dá perfeitamente para importar os saves do Witcher 2."
Ao início da produção, o escritor, o Andrzej Sapkowski, veio aqui algumas vezes ao estúdio e falou com a equipa de escritores só para ter a certeza que batia tudo certo e que fazia justiça à história dos livros que é anterior à história dos jogos e só para ter a certeza que os jogos não estragam nada.
Uma última questão, esta deixada pela nossa comunidade. Será possível importar algum save do jogo anterior e se poderão passar para este jogo sem terem problemas de adaptação?
Perfeitamente. Na versão PC dá perfeitamente para importar os saves do Witcher 2. Nas outras versões e quem não jogou a versão PC anterior, eles fizeram uma coisa muito interessante que é: a introdução do jogo, o capítulo de introdução do jogo, esconde as decisões que aconteceram nos jogos anteriores. Vai correr tudo bem, não há problema nenhum de adaptação. É claro que se leram o livro ou jogaram algum dos anteriores conhecerão o mundo mas não é de todo necessário. As pessoas que não jogaram algum dos anteriores vão adorar mesmo.