Exclusivo - Entrevista a Hideki Kamiya
O mestre dos jogos de ação e personagens cool, sobre The Wonderful 101.
Antes de entrar para a Clover Studio (o departamento de produção da Capcom comandado por Atsushi Inaba e exclusivamente afecto à criação de novos conteúdos originais), Hideki Kamiya começou por trabalhar na Capcom, em meados dos anos 90, com Shinji Mikami. O reputado mestre do survival horror e pai da série Resident Evil foi a sua primeira grande influência e a primeira pessoa com quem mais aprendeu enquanto designer. Participando na produção de Resident Evil e depois na direcção de Resident Evil 2, o estatuto de Hideki Kamiya, sobretudo entre os fãs hardcore de jogos, aumentou exponencialmente depois do lançamento de Devil May Cry, jogo pleno de ação no qual emerge Dante, uma personagem cool, fortemente apelativa e durante anos um símbolo de irreverência da Capcom. Seguiram-se Viewtiful Joe e Okami, dois jogos que consagraram o potencial da dupla Kamiya e Inaba.
Finda a atividade da Clover Studio em 2006 pela Capcom, Kamiya passou a integrar a Platinum Games, juntamente com outros ex-membros da Clover. É neste estúdio sedeado em Osaka que Kamiya dispõe das condições necessárias para deixar a sua criatividade fluir sem constrangimentos ou barreiras. A independência é um profundo valor deste estúdio nipónico e ajuda a explicar porque Bayonetta, Vanquish e Metal Gear Rising são grandes sucessos. Agora sob a mão de Kamiya, o estúdio entrega-nos The Wonderful 101, prometendo proporcionar uma experiência tão diversa, como reveladora das capacidades da Nintendo Wii U.
Mas para lá de designer, Hideki Kamiya é um verdadeiro entusiasta dos videojogos, um fã da velha guarda, um jogador que nunca esqueceu as emoções das experiências passadas. Controverso, algo polémico por vezes (sobretudo a partir da sua conta Twitter onde responde com muita frequência às questões dos fãs), mas também muito seguro sobre as suas convicções, é uma figura livre e independente de uma indústria demasiado refém dos interesses comerciais. Possa continuar a ser premiado por essa independência.
Numa oportunidade única, conseguimos chegar ao quartel general da Platinum Games, para uma entrevista a reter, com o diretor de The Wonderful 101. Agradecemos a Jorge Vieira, da Nintendo em Portugal, por facilitar o contato, e também agradecemos à Platinum Games, pela gentileza em nos fornecer desenhos da pré produção de The Wonderful 101; magníficos desenhos da autoria Kamiya que aqui expomos. Sem demoras, prossigam já para a entrevista.
Eurogamer Portugal: Depois de Okami e Bayonetta, continuou a trabalhar como director em The Wonderful 101. Quando é que teve a ideia para o jogo e quando começou a trabalhar concretamente nele?
H. Kamiya: A primeira coisa que idealizei foi "e se eu fizesse um jogo como Smash Brothers ou Konami Wai Wai World, onde eu posso ter um grupo de personagens compactas?" Cada personagem tem o seu conjunto de fãs e como eu queria que eles também entrassem no jogo e tivessem a mesma oportunidade, pensei de que forma poderia tornar isso possível. Então, prossegui com a ideia de trazer as personagens todas de uma só vez. Elaborei um documento com o design do jogo e comecei a dar forma ao conceito de uma equipa de 100 super heróis.
Eurogamer Portugal: Na equipa de produção, o papel de produtor cabe a Atsushi Inaba. Consideram-se um dream team?
H. Kamiya: O primeiro jogo no qual trabalhei com o Inaba foi o Viewtiful Joe e a seguir o Okami, portanto este é o terceiro jogo que trabalhamos em conjunto. Na minha carreira enquanto director foi sempre com ele que trabalhei dentro do sistema "Producer & Director". Tenho imensa confiança nele e é fácil trabalharmos em conjunto.
Eurogamer Portugal: Quantas pessoas trabalharam no jogo?
H. Kamiya: No princípio nós começamos por fazer um projecto de média dimensão, no qual trabalhavam pouco menos de 30 pessoas, só que o jogo foi ficando maior à medida que trabalhávamos nele, no final acabou por ter um staff superior ao que trabalhou em Bayonetta, embora não saiba o número exacto.
Eurogamer Portugal: Em todas as suas produções existe uma marca única, quase como um videojogo de autor, mas os seus fãs também descobrem novos conceitos e personagens. O que o motiva a criar um novo jogo? Conquistar o mundo a partir do Japão?
H. Kamiya: O que me motiva a fazer jogos é simplesmente o desejo de ter as pessoas a jogar e desfrutarem dos meus jogos. Sempre adorei os jogos, desde o tempo em que era miúdo, quando tive a oportunidade de jogar muitos grandes jogos que me causaram forte impacto emocional. Mas claro, também joguei imensos jogos aborrecidos que me desapontaram. Agora sou criador, mas também me preocupo enquanto jogador e por isso é que estou atento a essas impressões.
Eu não quero desapontar as pessoas que jogam os meus jogos. A minha expectativa enquanto criador de jogos é que as pessoas possam ficar com uma impressão positiva quando desfrutam deles.
Eurogamer Portugal: Que influências e motivações estão por detrás de The Wonderful 101?
H. Kamiya: Visto que este é um novo título, penso que ainda há muitas pessoas que não perceberam o conceito do jogo só ao olharem para imagens e vídeos do jogo. A primeira coisa que quero dizer a essas pessoas é: "este é um simples e claro jogo de acção". Não há necessidade de fazer grandes elaborações. Só quero que as pessoas apreciem o combate com os inimigos e como isso lhes fará suar as palmas das mãos. Como segunda motivação, diria que gostava de ver os jogadores apreciarem a história com todas as personagens únicas e coloridas.
Eurogamer Portugal: Eu já tive a oportunidade de jogar a demonstração umas vezes, mas nunca fui capaz de o integrar num determinado género. Como define o conceito do jogo?
H. Kamiya: Penso que não existem muitos jogos de acção nos quais tens de assumir o controlo de um conjunto de personagens ao mesmo tempo. Mas como já mencionei na questão anterior, este é um claro e simples jogo de acção. De resto, não me parece que os jogos de acção sejam exclusivamente sobre saltar e sobre fazer "dash". Neste jogo, tu podes lutar contra inimigos através de um grande grupo de personagens, e podes unir a equipa de modo a criar pontes e outras coisas, mas isso não o impede de integrar a definição de um jogo de acção.
Nos anos 80, quando despontou a indústria dos jogos, os criadores experimentaram diferentes estilos e géneros e à custa disso muitos jogos únicos foram feitos, certo? Este é um desses jogos.
Eurogamer Portugal: A partir de Viewtiful Joe pudemos ver que é fã dos super heróis como os que vemos nos filmes, séries de TV nipónicas e comics. Os super heróis destacados de The Wonderful 101 nascem da mesma influência de Viewtiful Joe. É importante para si construir uma personagem principal que seja icónica?
H. Kamiya: Se não tiver uma personagem principal com que não simpatize imediatamente, não posso ficar satisfeito com o jogo que estou a criar. Quando comecei a pensar neste jogo, a primeira questão que fiz foi: "que tipo de herói é que este jogo precisa?"
No começo, quando apenas tinha o conceito e que este consistia em usar muitas personagens ao mesmo tempo, cheguei à conclusão de que a ideia ainda precisava de ser aperfeiçoada. A dada altura lembrei-me de formar um gang de 100 super heróis a trabalhar em conjunto e foi aí que senti que o jogo seguia na direcção certa e isso deixou-me confiante.
Em Resident Evil 2, Devil May Cry e Viewtiful Joe, já tinha criado um conjunto de personagens masculinas que me pareceram apelativas, e foi isso que me levou a escolher uma personagem feminina para Bayonetta. Para este jogo, o elemento "equipa" foi o que fez despertar o meu interesse. Quando tive a ideia de fazer a personagem Wonder-Red, que é uma personagem mais elaborada e contrastante por comparação com as outras que fiz antes, tive a certeza de que iria conseguir desenhar um divertido grupo de heróis.
"Uma das coisas mais importantes, especialmente num jogo de acção, é a capacidade de levar o jogador a repetir os níveis. O tempo gasto até que o jogador chegue ao final não é determinante. O verdadeiro jogo de acção não acaba quando chegas ao fim. Deve mostrar-te que queres jogá-lo até ao fim da vida."
Eurogamer Portugal: Os principais heróis não estarão sozinhos como em Viewtiful Joe. Ao seu lado estarão outros super heróis. O que é que os fãs tão especiais ao nível da jogabilidade e da história?
H. Kamiya: Este jogo tem múltiplas personagens principais, mas todos pertencem à mesma equipa. Isto quer dizer que eles não só interagem com os inimigos, como também se relacionam calorosamente, como humanos que são. Cada personagem tem a sua oportunidade para brilhar, mas julgo ser relevante observar como eles crescem em combate e como eles lidam com as outras personagens que vão descobrindo.
No que respeita à jogabilidade, cada herói tem o seu processo de crescimento. Pode subir de nível e tornar-se mais forte, participando no combate. Deves certificar-te regularmente sobre o seu estado, de modo a que todos tenham a oportunidade para brilhar. Além disso, todos os heróis têm um perfil único, pelo que pode ser muito divertido, num momento de pausa do jogo, leres as informações que estão disponibilizadas para cada um.
Eurogamer Portugal: O The Wonderful 101 tem um ritmo visual frenético e acção non-stop, mas ao mesmo tempo é uma experiência profunda e rica em termos de jogabilidade. É importante conciliar estilo com substância e sentido de moda com profunda jogabilidade?
H. Kamiya: Uma das coisas mais importantes, especialmente num jogo de acção, é a capacidade de levar o jogador a repetir os níveis. O tempo gasto até que o jogador chegue ao final não é determinante. O verdadeiro jogo de acção não acaba quando chegas ao fim. Deve mostrar-te que queres jogá-lo até ao fim da vida. Os jogos por que eu me apaixonei quando era miúdo ainda são muito divertidos, mesmo agora, e às vezes ainda volto a eles, o que me permite apreciar as suas qualidades. E tenho a certeza que ainda vou continuar a divertir-me com eles no futuro.
Eurogamer Portugal: Um dos elementos representativos da Wii U é o GamePad. De que modo é que as propriedades do GamePad lhe permitiram implementar mecânicas de jogo inovadoras?
H. Kamiya: Quando nos encontrávamos na fase de planeamento do jogo, não tínhamos a Wii U em mente. Por outras palavras, a questão que lançamos não foi "como é que vamos usar o GamePad da Wii U?", mas sim "hey, parece que isto permite fazer o truque, vamos usá-lo!". Foi um processo muito natural e tenho a certeza de que funciona muito bem no jogo.
Até mesmo o elemento principal do jogo, desenhar uma linha com um membro da equipa para criar armas, é algo que desenhamos originalmente para um comando normal. Mas só depois de ficarmos a saber que funcionaria bem no GamePad da Wii U é que tornamos o jogo compatível com os comandos sensíveis ao toque. Daí que, no jogo, tanto podes usar o GamePad da Wii U para desenhar as armas directamente ou usar o stick analógico do Pro Controller para um processo mais rápido. Ambos os métodos funcionam bem no jogo.
Eurogamer Portugal: The Wonderful 101 é o resultado da filosofia e independência da Platinum Games em produzir conceitos novos e originais. Receia que ao unir originalidade e esforço para garantir a qualidade do jogo, possa chegar a um ponto no qual o jogador encontre dificuldades em perceber o jogo?
H. Kamiya: De modo a que seja o jogador a decidir se o título é bom ou não, nós temos de o pôr a jogar primeiro. Permitir que os utilizadores possam experimentar o jogo é uma das grandes barreiras que um novo jogo [uma nova propriedade] tem de enfrentar. Tenho a certeza que quem experimentar o jogo vai adorá-lo. Por isso em vez de nos preocuparmos sobre se os conteúdos são divertidos ou não, eu tenho de concentrar atenções sobre como levar o jogador a ter interesse no jogo e a pegar no comando. Mas pensar sobre esse problema também pode ser divertido.
"Tenho a certeza que quem experimentar o jogo vai adorá-lo."
Eurogamer Portugal: A música desempenha um papel importante num jogo de acção. Quem é que trabalhou na banda sonora de The Wonderful 101 e que direcção musical foi escolhida para o jogo?
H. Kamiya: O compositor principal é Hiroshi Yamaguchi, com quem trabalhei em Okami e Bayonetta. Claro que não podia escolher outro compositor senão ele.
Desta vez o conceito musical assenta em temas orquestrais. Não é uma orquestra ao vivo, tenham isto em conta, são temas orquestrais sintetizados, mais de acordo com a minha preferência.
O jogo tem significativas referencias da cultura pop, pelo que eu apontei, deliberadamente, para uma banda sonora com impacto e relacionada com os super heróis. Afinal, o tema do jogo é sobre super heróis e a música deve acompanhar o sentido de projecção e aspecto cool das personagens. Este jogo só consegue sobreviver se o jogador se identificar com as personagens e com os efeitos heróicos das suas acções.
Eurogamer Portugal: Recentemente soubemos que no futuro gostaria de trabalhar num novo Star Fox, a série da Nintendo. Se tivesse essa oportunidade que conceito e design empregaria?
H. Kamiya: Só decidiria sobre isso no começo da produção do jogo. O que sei é que adorei Starfox para a Super Nintendo e Starfox 64 para a Nintendo 64, e dessa série só joguei esses dois jogos.
Eurogamer Portugal: Gostaria de desenvolver mais jogos para os sistemas da Nintendo, até mesmo para portáteis como a 3DS?
H. Kamiya: Nós somos uma produtora independente. Se tivermos essa oportunidade e entendermos que o projecto possui potencial, estamos disponíveis.
Eurogamer Portugal: Qual é a sua percepção sobre o actual momento da indústria japonesa? Entende que a posição independente da Platinum Games, deve ser um exemplo para outras produtoras, em termos de filosofia, de modo a conquistar o mundo?
H. Kamiya: Pessoalmente, não me interessa "conquistar o mundo". O que me interessa é que mais pessoas possam jogar e desfrutar dos meus jogos tanto como eu. A actual situação da Platinum Games dá-me total liberdade criativa, e por essa perspectiva sinto-me privilegiado.
Eurogamer Portugal: Está preocupado por os jogos serem mais fáceis nos dias de hoje? Pelo menos vemos muitas assistências e modos muito fáceis. Não receia que isto possa afectar o conceito do jogo? Nos anos oitenta alguns jogos só tinham duas opções: normal e hard. O primeiro era difícil e o segundo era ainda mais difícil.
H. Kamiya: As outras pessoas podem fazer o que quiserem. Eu faço o que quero. Só me importo com os jogos que quero fazer, por isso também me parece correcto que as outras pessoas possam fazer os jogos da forma que entenderem.
Eurogamer Portugal: A vida é Viewtiful ou a vida é Wonderful?
H. Kamiya: Deve ser ambas para todos.
Kamiya: Existem imensos fãs seus aqui em Portugal. Que mensagem gostaria de lhes dirigir?
H. Kamiya: Dou sempre o meu melhor para estar à altura das vossas expectativas e para vos proporcionar jogos entusiasmantes. Esperamos continuar a merecer o vosso apoio! E nunca deixem de amar os jogos!