Fable III
Quanto custa uma promessa?
Peter Molyneux é um homem ambicioso. Fervilha em ideias. Toda a gente que o escuta e lê fica com a impressão que ele vai proporcionar algo de extraordinário. No lirismo das suas palavras, ergue novos desafios enquanto se compromete com a sua audiência. Firma um pacto, aventura-se em novos projectos, procurando alcançar esses grandes objectivos. Por isso Fable III pode ser percebido também como um jogo que assinala o tempo para cumprir as promessas, pondo em cheque esse debate interno, como se o cumprimento da palavra dada implicasse uma imensa dose de esforço, apenas para que as palavras não sejam destacadas em vão.
No fundo, Fable III é um jogo que revela todo um empenho para lá chegar. Disso também já não duvidamos. O primeiro encantou. Fable II inscreveu novos conceitos na experiência e alargou o peso das escolhas morais. À terceira o que temos é uma simplificação significativa da progressão enquanto que o arco narrativo adquiriu destaque, posicionando-se como elemento central, sendo que entre o chefe bom e o mau, o peso das escolhas não se reduz a uma tendência meramente moral. Para cada escolha há um sacrifício, naquilo que Molyneux quis dar guarida para os problemas dos actuais governos e líderes; agradar ao povo, ser bem visto e saudado na rua, proporcionando educação, ambiente, bons costumes, um espaço digno e natural de viver, garantir coesão, enquanto o défice atinge números astronómicos e se caminha para o cataclismo.
A alternativa e o caminho inverso são transmitidos ao jogador assim que o príncipe (o filho do herói de Fable II) não herdeiro é confrontado com impressões do tirano e opressor que é o irmão. Albion vive dias conturbados, um período de mão de ferro. Há fome e miséria avolumados nas ruas, são executados em praças públicas os divergentes de Logan. Mas o país também avança e enriquece, a indústria abraça Bowerstone, os vapores atravessam imensos tubos de ferro, engenhos mecânicos agarrados às paredes, roldanas, caminhos de ferro, máquinas em operação, movimentos automáticos, óleo, os subúrbios pintam-se de negro, a sujidade do carvão entranha e os fumos criam uma espessa névoa.
O novo ambiente é perfeito em termos de seguimento. É a indústria do (ganancioso) Reaver a florescer, o homem que empresta a Logan ambição (uma espécie de ministro ditatorial) e vê na mão de obra infantil utilidade que não prescinde. Em suma, o quadro de Albion é muito diferente daquele que o herói deixou há sessenta anos. Os cofres do país estão guarnecidos. Logen é mão de ferro e com poucos escrúpulos, ao ponto de mostrar ao irmão como as escolhas podem significar tomadas de posição terríveis. Com os cofres abastecidos, mas com o país na miséria, sem acesso à cultura e progresso, condenados ao peso do trabalho, o príncipe junta-se a um grupo de oponentes e parte para uma demanda que culminará na ascensão do novo herói ao trono.
Contudo, a obra não acaba nesse momento. A ascensão ao trono é apenas a primeira parte da história. Após a chegada ao poder, o Rei tem de conviver com uma agenda e enfrentar desafios mais complexos e, mais que isso, é chegada a hora de retribuir os favores que colheu junto dos que lhe garantiram apoio militar e estratégico na ascensão para o poder. Do alto da cadeira de veludo, perfilam-se mandatários com visões distintas para Albion. A defesa das teses é um dos momentos altos, aliás Fable III é exímio na actuação das personagens, com diálogos marcantes, polvilhados com espaços de humor, ironia e até rancor. As vozes que marcam presença são de alto calibre, sendo impossível ignorar esta interacção.
Na prática Molyneux consegue proporcionar uma nova visão, do mundo e do poder que é entregue aos líderes. O jogador é agora um soberano. Ele tem de levar por diante uma nova missão, um peso muito superior. Da forma como granjeia simpatia e apoio junto das massas, colhendo valiosos apoios assentes em promessas que mais tarde ou mais cedo chegam para colher dividendos, o soberano está longe de perceber quão difícil é ser chefe de um território.
Assim, Molyneux consegue desenvencilhar-se da tradicional dicotomia entre bom e mau de Fable II, na personagem que vimos florescer desde os primeiros passos como criança de rua até ao herói, para assentar Albion num território soberano, com exército, moldado pelo poder da decisão. É claro que é notória uma certa superficialidade na abordagem às decisões. O processo de selecção é ainda muito automático e simplista – de um lado as contas do estado, do outro a escolha que irá implicar uma transformação no território de Albion e na forma como o povo reage à nossa passagem, saudando e entregando presentes, ou protestando pela miséria e falta de condições.
Contudo, Fable III é mais ambicioso que todos os anteriores projectos e põe em cima da mesa questões de governação cuja premência é actual, ficando distante de merecer um conforto meramente histórico. Vejamos, Obama. Ele já não beneficia da mesma aura que lhe puseram há 3 anos quando se candidatou ao governo dos Estados Unidos. Há quem o acuse de ser incapaz de cumprir as promessas que teceu. Os americanos viram nele uma nova esperança, talvez demasiado cegos para perceber que um líder depois de chegar ao poder enfrenta resistências de vária ordem. Ao opor-se às politicas e decisões cruéis de Logan, o novo monarca apercebe-se que Logan não estaria tão errado e que para manter um território soberano e forte deverá exigir mais custos e sacrifícios ao próprio povo se não quiser conduzir a nação para um desfecho trágico. Final, esse, que aqui não revelamos, mas que está aberto a interessantes interpretações para lá dos simples factos narrados embora sempre balizado consoante o tipo de decisões tomadas.
Quer-nos parecer, por isso, que o arco narrativo e o peso das decisões é aquilo que de mais fascinante Fable III tem para oferecer. No resto e de um modo geral nota-se um afastamento significativo do género RPG e uma simplificação quer nas tarefas mundanas, quer no apetrechamento de roupas, acessórios, armamento e outros bens manipuláveis, dentro da latitude já conhecida de Fable II.