Fantasy Life - Análise
Mestre dos sete ofícios.
Com um número muito significativo de jogos assentes no género role play, em séries como Inazuma Eleven e, recentemente, Ni No Kuni, é interessante descobrir como fica no meio dessas produções este peculiar Fantasy Life para a Nintendo 3DS. À beira do lançamento europeu, quase dois anos depois da estreia no país do sol nascente, a Level-5 quis com esta produção para a portátil da Nintendo proporcionar um jogo com contornos de um mmorpg. Em vez de uma ênfase maior na narrativa, o foco da experiência repousa nas acções e numa liberdade maior dada ao jogador, com uma personagem que representa os sete ofícios.
A Level-5 tomou ainda a liberdade de acrescentar alguns elementos de Animal Crossing, como a personalização da casa da nossa personagem e uma data de coleccionáveis. Já o combate parece receber influências das batalhas em tempo real de Ni No Kuni, algo que funciona bem, especialmente a partir do momento que passamos a ter à disposição uma maior variedade de poderes especiais. Só com uma diferença significativa: tal como num MMOrpg, aqui não existe um "loading" com entrada para a arena. O combate decorre naturalmente e sem antecipações no espaço que nos encontramos a explorar.
Nos três anos de produção de Fantasy Life, os produtores passaram inicialmente de uma ideia e conceito originais que aproximava o jogo de séries como Inazuma Eleven para a forma actual, com menos barreiras e uma margem de liberdade que não tem paralelo noutros jogos da produtora. A contratação de Yoshitaka Amano para dar vida aos gráficos, às deliciosas cinemáticas e expressão às personagens, revela o compromisso da Level-5 em apontar esta obra para os habituais consumidores e fãs de jogos de role play. A música de Nobuo Uematsu é quase como uma cereja no topo do bolo, tão familiares que são as composições orquestrais e melodias escolhidas para o jogo.
As primeiras horas de jogo servem sobretudo de contextualização e domínio das estruturas e mecânicas de jogo. Imensos guias são apresentados e as explicações sucedem-se a um ritmo avassalador. Ao fim de duas horas de jogo temos pouco mais que um combate e alguns momentos de acção. Existe alguma linearidade mas percebe-se que assim seja, como forma de adaptar o jogador, uma vez que daí para a frente o jogador agirá por sua conta e terá outro grau de decisão, embora com um grau de dificuldade bastante acessível.
Reveria é o nosso mundo. Composto por diferentes reinos e por uma geografia diversificada, inicialmente parece ser mais um sítio idílico, como vimos noutros jogos, perfeito para uma vida pacata, sem grandes desassossegos, onde podemos exercer a nossa profissão com a tranquilidade de um Harvest Moon. Mas eis que um dia, o inesperado acontece: meteoritos classificados como Doom Stones rechaçam sobre os diferentes reinos, imprimindo caos e a destruição, ao mesmo tempo que semeiam uma espécie de comportamento maligno em todos aqueles que toquem nas pedras. Urge por isso penetrar a fundo na demanda e lutar pelo equilíbrio do mundo.
De início começamos por resolver pequenos problemas dos npc's que habitam num dos reinos. Mas a dimensão da ajuda rapidamente galga o mundano, como encontrar um ovo, derrotar determinada criatura ou conjunto de inimigos, para abraçar desafios mais consistentes e perigosos. No nosso reino temos uma casa, tipicamente de madeira, e construída à volta do castelo e à qual podemos retornar quando nos encontrarmos distantes, numa missão ordenada pelo nosso superior. Connosco habita uma borboleta chamada Flutter, que também contribui para a progressão no jogo pela colocação de certos objectivos. As suas "quests" ou "bliss", assim se chamam, são no entanto opcionais embora tenham por efeito uma aproximação aos npc's residentes nas imediações do castelo. Ao resolvermos cada uma das "quests" somos premiados com objectos como mobília e elementos decorativos para a nossa casa, a tal aproximação a Animal Crossing. Podemos até ter um gato de estimação.
Num outro nível, encontramos "quests" ditadas pelas personagens que encontramos e que necessitam da nossa ajuda. Podemos escolher a tarefa de entre uma lista cada vez mais crescente e a qualquer hora do dia. É uma boa forma de promover a descoberta de Reveria e criar laços afectivos com certas personagens ainda que por vezes algumas missões sejam de difícil resolução. A jogabilidade por vezes até lembra os pedidos em Fable e por isso não é pouco comum perdermos mais tempo neste plano secundário do que a avançar propriamente na história.
Apesar da dimensão significativa das "quests" falta neste capítulo um melhor contexto. Ainda que vejamos as personagens no seu dia-a-dia, o que fazemos parece ser pouco mais relevante do que um objectivo cumprido. Mais alguma profundidade nas ligações e conexão com a narrativa por certo dariam outro "feedback".
A narrativa também não se mostra ao nível do argumento de um Professor Layton ou de um Ni No Kuni. O entusiasmo no avanço deve-se sobretudo ao nosso interesse em melhorar a vida da personagem, ganhando mais poderes e habilidades, antes de experimentarmos outra actividade. No final é possível avançar directamente entre a história sem perder muitas horas nos opcionais mas se atendermos à construção das diferentes actividades, então Fantasy Life pode ser um colossal consumidor de horas.
A possibilidade de escolher uma actividade - uma vida - acaba por ser o elemento essencial de Fantasy Life, em torno do qual se compõe o jogo. O editor de personagem é bastante personalizável, permitindo-nos definir o aspecto da personagem e nome, sendo que a grande opção passa pela decisão sobre que vida queremos que aquela personagem desempenhe. Pode ir desde as tarefas basilares de curandeiro, mercenário, ferreiro, carpinteiro ou simplesmente um paladino, como guardião do castelo. A escolha de um dos trabalhos disponíveis não nos amarra até à visualização dos créditos finais. Podemos sempre mudar de vida mas para isso serão descontadas certas evoluções que tenhamos obtido.
A partir do momento que aceitamos determinada actividade podemos aceder a um conjunto de "quests" específicas que nos permitem obter pecúlio suficiente para adquirir mais equipamento, armas, objectos de trabalho e até uma casa nova. A organização da cidade no interior do castelo permite uma integração fácil, com muitas lojas e locais a visitar, e nem faltam os pontos de gravação.
Em termos de combate, o processo é bastante simples. Podemos efectuar ataques directos mas também carregar alguns golpes, sempre num processo de aproximação e afastamento em relação ao adversário. Quase como se estivéssemos a jogar boxe, aguardamos pelo momento do ataque do inimigo para defender e atacamos quando ele se encontrar vulnerável. Nos combates contra vários adversários podemos focar a atenção apenas num deles, muitas vezes o mais forte, para que depois possamos derrubar os restantes enfrentando menor resistência. Importa verificar o nível de progressão e os poderes especiais obtidos já que alguns combates podem acontecer com personagens mais evoluídas e se ficarmos sem vida regressamos ao último save.
Fantasy Life oferece ainda uma opção para multiplayer através do modo Link, permitindo que os jogadores troquem mensagens e haja mais algum envolvimento em matéria de objectivos atingidos. O modo cooperativo online permite a criação de uma equipa até três jogadores com opções que vão da simples exploração, ao avanço pelas masmorras, troca de items, tudo servido com uma opção de chat para tornar mais acessível a marcação de tarefas. Ao nível da interacção através do StreetPass é possível descobrir novas personagens e enviar items, e ainda sobra uma opção para capturar imagens através do Snapshots.
Em termos visuais, Fantasy Life apresenta uma boa estética, por vezes demasiado simples, embora eficaz, com um mundo que apesar de não apresentar uma vastidão que nos transmite o mapa mundo, ainda assim oferece diferentes geografias e espaços aprazíveis e únicos. Vale a pena lembrar que todos os modelos de personagens e cenários se encontram em 3D, o que implica sempre mais algum esforço. As cinemáticas revelam uma aproximação à estética dos filmes da Ghibli e reforçam a componente narrativa, algo sempre positivo. No entanto, a sensação ao jogar Fantasy Life é de uma experiência vocacionada para uma audiência menos acostumada a jogar jrpg's. Não é um jogo particularmente difícil ou inovador nas suas mecânicas, como também não oferece muitas surpresas a não ser consistência e segurança no que respeita aos diferentes ofícios e liberdade concedida ao jogador. Ainda assim a chegada de Fantasy Life à Europa prova o interesse da Level-5 em continuar a levar a todos os territórios as suas produções.