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Fez - Análise

Fez o jogo como quis.

Gomez movimenta-se bem. Consegue saltar e trepar por vegetação sem qualquer tipo de desgaste. A permissão para facilitar a navegação é tão grande que as quedas para o abismo não ditam o desfecho do jogo, mas continuação a partir do último ponto onde se encontravam. Não existem vidas suplementares. Phil quis tornar a exploração atraente e não punitiva. Saltar entre plataformas é tão bom como num qualquer Super Mario Bros. As quedas de pontos mais altos implicam uma interrupção no andamento - Gomez sofre com isso. A inexistência de um ecrã de "gameover" dá lugar à interrupção levada a cabo pelo jogador.

Em certos momentos é natural perder o domínio espacial, tal a multiplicidade de ligações. Não existe um ponto de partida ou chegada, nem mundo 1-1 ou 4-3. Cada ilha pode ter mais do que uma conexão. As portas ficam abertas depois de acedidas, é a única forma que temos de saber que já passamos por ali. O jogo faz save automático quando chegamos a uma área. É então que mediante o nosso limite somos forçados a impor uma paragem. Somos nós que fazemos "gameover" quando o pensamento já não consegue processar tantos códigos e somos convidados a repousar o comando.

Phil Fish não usurpou nada. Pode ser atroz, cínico e rir de alto, mas a possibilidade de constantemente experimentar coisas novas é aquilo que de mais importante nos deixou, para nos lembrar que tudo está lá à espera de ser descoberto. Isto significa que tanto podem ficar retidos a dar voltas e voltas a um puzzle lateral, como podem seguir em frente e, sem grandes preocupações, vasculharem todos os níveis à procura dos tesouros, dos cubos e de outras surpresas. Há sempre coisas novas e à primeira passagem, com a pressa de seguirmos em frente, não nos apercebemos de ligações secretas. Num nível marcado por uma forte escuridão, só a claridade dos raios de uma tempestade realça - numa fração de segundo - as plataformas acessórias. O magnífico trabalho de design reparte-se pela miríade de níveis. Como chegar a arcas do tesouro aparentemente inacessíveis? Sabemos que não há um percurso para lá chegar e que estamos perante mais um puzzle que urge decifrar. Eventualmente podemos seguir em frente sem o resolver e talvez não seja tão importante como julgamos.

A ausência de linearidade e de marcadores torna a aventura, de longe, mais apetecível, mesmo se o mapa mundo, que nos permite consultar os níveis percorridos, não é perfeito quando o manuseamos. Creio que este é o ponto do jogo que não se encontra bem executado. Não havia necessidade de fazer um mapa mundo que se revela pouco amigável. Bastaria terem eliminado o aspeto 3D e feito um mapa em 2D com uma configuração mais simples. Sendo o único meio que nos permite ter algum poder de controlo sobre o que já visitamos e para onde pretendemos ir, seria vantajoso que a sua consulta fosse imediata e simples. Entre zooms e algumas seleções de níveis que não acontecem sentimos que andamos às voltas desnecessariamente.

"Phil Fish não usurpou nada. Pode ser atroz, cínico e rir de alto, mas a possibilidade de constantemente experimentar coisas novas é aquilo que de mais importante nos deixou, para nos lembrar que tudo está lá à espera de ser descoberto. "

A exploração dos níveis faz-se, quase sempre, da base até ao topo. Como um cubo mágico, temos de os rodar para subirmos e descobrirmos os seus segredos. Do ponto mais baixo até ao mais elevado, há vários pontos de fuga e podemos nem chegar ao topo como pretendíamos inicialmente. Há os portais intermédios que nos enviam para outros nível e no topo, uns portais maiores que nos levam para outro lado. Sem inimigos para combater e níveis para cumprir, é a explorar e a canalizar esforço decifrar a pluralidade de mistérios que nos leva a um esforço suplementar. Uma melancolia instala-se e de imediato nos aponta para jogos que proporcionam este "background" como Ico. As influências são tantas e tão evidentes que a breve trecho conseguem identificar uma mão cheia de referências.

Phil não tem qualquer pejo em assumir que seguiu imensas orientações de jogos que foram para si referências. Quando Gomez retira o tesouro da arca e a câmara circula ao seu redor, podia ser Link a estar ali. De Zelda temos a subida por raízes de plantas presas às paredes. As bombas que deflagram ao fim de algum tempo depois de as retirarmos do sítio. Até o modelo de transição entre níveis nos lembra o primeiro Zelda para a NES. No mais tradicional das plataformas encontramos a influência de Super Mario Bros. O isolamento e a densidade de segmentos encontram eco em Metroid. De Super Mario 64 chegam-nos as corujas. No jogo seminal da Nintendo este pássaro noturno foi importante. Em Fez as corujas também têm um papel relevante que importa descobrir. Haverá mais, na ligação ao filme de Kubrick 2001: a Space Odyssey e a Laputa (Castle in the Sky). Estas influências geram um híbrido de elementos e lugares colhidos por outros jogos, ainda que reduzido ao core, Fez seja resultado de uma vontade muito pessoal. Podemos ver nestas influências um belo tributo do seu autor ao melhor que esta indústria já conheceu.

Fez é um videojogo adorável capaz de levantar muitos porquês. Visualmente colhe aquele aspeto pixelizado das produções de 8 e 16 bit e revela-nos pequenas subtilezas que emprestam o toque de charme, como as corujas e outros pássaros noturnos que esvoaçam, talvez para distante, assim que principia uma tonalidade mais clara em fundo. Há tanta vida em Fez e tantos segredos. Instigando à permanente descoberta, o desafio é constante. As plataformas e as influências representadas são pontos de partida para um todo que é muito mais do que a soma das partes.

10 / 10

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