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FIFA 15 - Análise

Uma saga de encontro ao futebol virtual mais realista e emotivo.

Reinventar todos os anos o futebol virtual é uma tarefa que a canadiana EA Sports já provou, por diversas ocasiões, estar à altura. Mas quando o peso do realismo é cada vez maior, fruto dos avanços tecnológicos, o acompanhamento da realidade lança novos desafios e não raras vezes torna-se no maior obstáculo dos produtores. Enquanto que alguns estúdios já demonstraram conviver bem com a nova geração de plataformas (apesar da procissão ainda se encontrar no adro), outros ainda procuram afinar os motores gráficos e descobrir como tirar melhor partido das ferramentas.

Por isso a EA Sports optou o ano passado por lançar FIFA 14 primeiro nas consolas da anterior geração (a PS4 e a Xbox One ainda não tinham sido lançadas) e só depois, no final do ano, uma primeira visão do futebol virtual nas novas máquinas e no PC. O que ocasionou talvez o mais curto espaço de tempo entre duas produções sob o selo FIFA: perto de 10 meses. Mas se a versão de entrada na nova geração procurava capitalizar-se junto dos primeiros adoptantes das máquinas, o grosso dos consumidores não teve reservas em passar o cartão com a anterior geração, ponta final de uma série que conheceu o sucesso nessas plataformas.

É possível estacionar o autocarro à frente da baliza. Os médios recuam consideravelmente e a saída de jogo fica condenada. Petit aprova.

Este ano, as versões para a nova geração ocupam o espaço central, revelando o ponto de situação sobre uma modalidade que nestes termos virtuais ainda pode ir mais longe. É que apesar dos sucessos anteriores, a existência de um novo motor gráfico e um caminho de encontro ao realismo, lança novos desafios à produtora, como também seduz os fãs por movimentos mais realistas, estádios lotados de público entusiasmado e todos os detalhes das principais ligas europeias.

Percebe-se de resto que a EA Sports tenha ido longe em termos de modos de jogo e definição do futebol virtual com FIFA 14. Claro que é possível evoluir, não há um jogo perfeito, principalmente em edições anuais que nos levam a descobrir que ainda há muito para melhorar. Mas também não surpreende encontrar em FIFA 15 os mesmos modos de jogo da edição anterior, com alterações e ajustes. O que mais se destaca nesta edição é a criação de um novo visual, baseado num patamar gráfico capaz de levar os jogadores a sentirem esta edição como aquela que mergulha em força na next-gen, valendo-se depois dos múltiplos modos de jogo e opções existentes de FIFA 14. Há outras transformações, com efeitos sobre a jogabilidade, com uma física de bola melhorada e com correcções nalguns comportamentos dos jogadores, de modo a simular cada movimento corporal o mais realisticamente possível.

Mas até encontrar uma experiência próxima da perfeição, vai um trabalho hercúleo, porque quanto maior for a cavalgada em direcção ao realismo mais os pequenos detalhes ficam visíveis, possibilitando a detecção de incongruências e partes que ainda carecem de polimento mas que dávamos por aceites em edições anteriores. Esse é um risco que a EA Sports quis e tem de correr, mas que requer trabalho e mais tempo. Ora 10 meses de produção não são suficientes.

As boas opções de golo passam por desmarcações e remates à entrada da área.

Quando assisti a uma das apresentações do jogo em Maio deste ano, percebi pela viva voz dos produtores que o destaque em FIFA 15 iria para os gráficos, envolvendo os estádios, as claques, um melhoramento dos movimentos dos jogadores, efeitos de luz, alterações no relvado. Não só mas principalmente. As principais alterações transferiram-se sobretudo para o relvado, para o que acontece naqueles choques entre os jogadores mas também ao seu redor, não menosprezando o papel das claques e incentivos, num papel capaz de influenciar o desempenho dos jogadores, sendo o exemplo mais evidente e recente, os minutos finais da final da Liga dos Campeões disputada em Lisboa entre Real Madrid e Atlético em Maio último.

Guarda-redes mais atentos

A bola é o ponto de partida para compreender o jogo. É a partir do momento que rola que se constrói a experiência, permitindo o fabrico de passes, toques de bola, desmarcações e remates visando o fundo das redes. Em termos de velocidade, não temos alterações. O ritmo e movimento dos jogadores é pausado e os elementos das duas equipas ocupam bem as suas zonas de intervenção, como dois blocos que se encaixam. No entanto, a agilidade de alguns jogadores é melhor, sobretudo ao nível da recepção do passe, domínio e avanço com bola. Quando temos o controlo dos melhores artistas, o jogo ganha uma outra fluidez, numa espécie de desprendimento que nos deixa explorar jogadas e definir lances ofensivos com mais certeza, nalguns casos só mesmo galgando os defesas.

Mas também ocorrem imprevistos; perdas de bola e lances que não se concretizam por força a mais no passe e más recepções. Isto porque a física da bola também foi melhorada. Nota-se uma diminuição da tendência para os passes automáticos, assim como a aproximação do jogador à bola não é tão unívoca, e a partir do momento que se dá o contacto pode existir algum atraso na recuperação que logo faz perder o "momentum" do lance, mas estes são imponderáveis que fazem parte do jogo. Os passes ganham por isso uma conotação mais realista, o mesmo sucedendo com os remates, cujo sucesso também depende do movimento corporal.

Manuel Neuer é a referência da actuação dos guarda-redes.

Com relevância para o desfecho das jogadas destaca-se a intervenção dos guarda-redes, fruto de uma inteligência artificial mais apurada, mas ainda assim não isenta de alguns erros. É inegável que a posição que os guarda-redes ocupam em contextos de proximidade com os avançados revela uma antecipação, como quem acompanha a jogada. Rematar à baliza com sucesso é mais complicado e aqueles pontos onde dantes marcavam golos foram cobertos por uma camada espessa de intervenções espectaculares. Defender recargas, proteger ângulos e lançar a mancha, são algumas situações de recurso, embora se verifiquem alguns erros. As animações estão melhores, embora por vezes algo automatizadas, com a abertura de mãos e pernas em lances que não justificam tal expansão. Ainda há pormenores que podem ser trabalhados, mas o reforço da inteligência artificial é muito bem-vindo.

Observa-se também uma melhoria em termos estratégicos, com um reforço de sete níveis tácticos entre defesa e ataque, com a sempre contestada instalação do autocarro à frente da baliza. A definição do onze, assim como as substituições, também merecem destaque, principalmente pela missão em campo atribuída a determinado jogador. O objectivo passa por mudar os acontecimentos do jogo, na marcação de uma grande penalidade ou num livre directo.

A emoção e intensidade que brotam num estádio repleto de adeptos não deixam de exercer influência sobre os jogadores. A resposta de um jogador que alcança um "hat-trick" em pouco mais de meia hora é diferente da de um avançado que falha uma grande penalidade ou comete uma falta sobre o adversário. O jogo canaliza da bancada para o relvado a onda de apoio ou reclamação dos adeptos, influenciando o comportamento dos jogadores. As suas reacções são muito mais emotivas e decorrem da intensidade com que são disputados os lances. Os jogadores atacados e penalizados com faltas respondem imediatamente e reclamam junto do adversário. São situações independentes da jogabilidade mas que uma vez verificadas produzem um efeito mais genuíno e vivo das partidas de futebol. Estão lá as expressões faciais, os gestos de contentamento e satisfação pelo golo ou descontentamento por uma oportunidade falhada.

A atenção dada às bancadas e ao apoio dos adeptos seu clube, a jogar em casa, é algo que não existia anteriormente e que contribui para uma atmosfera dinâmica e impressionante, como acontece nos jogos observados pela televisão. Os cânticos foram regravados e as reacções dos fãs são diferentes, dependendo do clube. No entanto, apenas uma curta lista dos clubes mais conhecidos mundialmente beneficia realmente destes efeitos. Noutro caso o apoio obedece a uma fórmula geral, embora se tornem audíveis cânticos específicos.

Jogadores mais realistas e movimentos mais naturais

Com efeito sobre a melhor fluidez ao nível dos passes e toques de bola para o colega, destaca-se a quase ausência de interrupções. Bolas ao largo ou para o fundo são imediatamente recuperadas, contribuindo para uma experiência mais fluida e continua, sem quebras e consequente realinhamento em termos tácticos. Só não existe continuidade visual nas marcações de livres e outras situações similares. Ainda não é uma situação perfeita mas a continuidade do jogo é bastante aprazível.

Os efeitos de luz sobressaem tanto durante o dia como à noite, com diferentes horários passíveis de ajuste, como final da manhã, princípio da tarde, lusco-fusco e noite. O relvado revela as sequelas da "batalha campal", com natural desgaste à medida que decorre a partida, com pedaços de relva arrancados pelas chuteiras e entradas de carrinho. Ao fim de 90 minutos o relvado espelha sinais evidentes de competição. Depois, ainda existem efeitos como chuva ou neve, embora aqui com poucas novidades a reter.

Camisolas justas e jogadores com grandes níveis de fitness.

Mas o que faz de FIFA 15 um jogo mais consonante com a próxima geração é justamente a modelação dos jogadores e as suas animações, embora e como já dissemos atrás, o resultado final esteja ainda aquém do pretendido pelos produtores e pelos fãs. A saga pelo realismo não se faz sem uma transição segura e firme e isso ainda não acontece nesta edição. É verdade que os jogadores receberam muitas novas animações e os seus comportamentos estão agora mais fidedignos e realistas. De tal modo que as repetições adquirem uma importância neste quadro ao ponto de terem sido transformadas em pequenos filmes com os melhores momentos do jogo. As camisolas mais justas exibem os músculos do abdómen, bem tonificados, assim como uma melhor definição de um peito musculado. Os calções deslocam-se e as camisolas movem-se na zona da cintura. Mas ainda há quedas que revelam uma aparente falta de peso dos jogadores, como se fosse um boneco insuflável a cair e algumas animações ainda revelam um ser robótico. O equipamento e a interacção deste com o corpo carece de mais trabalho.

O ambiente no estádio é espectacular. Há muita gente à volta do relvado e registam-se poucas quebras na frame rate. Porém, e apesar dos melhores jogadores contarem com rostos similares aos seus congéneres reais, a animação facial está longe de convencer. Nalguns casos só por suposição podemos equiparar certos jogadores, especialmente no que toca aos clubes portugueses. A EA Sports continua a dar particular relevo aos jogadores mais importantes dos clubes de top no quadro europeu, enquanto que os atletas secundários são relegados para um tratamento de ordem geral.

Quanto ao nosso país, lamenta-se a perda de comentários e texto do jogo em português. Trata-se de algo a que nos acostumamos a ter vai para bastantes anos, o que acaba por ser uma significativa perda, ao deixar de escutar comentários em primeira mão por um duo de conhecidos, nomeadamente o Hélder Conduto. Quanto à Liga portuguesa, encontra-se oficialmente representada, com os 18 clubes, embora e mais uma vez, sem nenhum estádio dos grandes clubes nacionais. Mais uma vez a EA Sports optou por favorecer a Premier League, acrescentando os poucos estádios que faltavam para os 20 e 200 jogadores devidamente modelados. Sendo o mercado britânico um dos grandes responsáveis pelo sucesso do jogo percebe-se facilmente o apoio, por oposição ao mercado português.

Ultimate Team continua a comandar nos modos de jogo

FIFA 15 herdou as opções de jogo de FIFA 14, muito significativas, especialmente dentro das opções online. No entanto, não oferece nenhum modo de jogo novo, revelando antes alterações e melhorias aos modos existentes. Entre os mais importantes destacam-se o modo temporadas (subir e descer entre 10 divisões, podendo ser desfrutado com outro amigo) e o Clubes Pro (competição de 11 contra 11 jogadores em rede), mas o destaque continua a ser o Ultimate Mode, baseado no plantel que construímos de raiz e nas saquetas de novos jogadores que adquirirmos a partir de somas financeiras obtidas pelos sucessos desportivos.

Preferencialmente online, o modo Ultimate Team conta com algumas novidades mas não modifica o essencial. Entre elas conta-se a possibilidade de experimentar por alguns jogos certo craque ou jogador relevante. O tempo de utilização dependerá das suas qualidades futebolísticas. É verdade que retira algum factor surpresa mas permite-nos ficar com uma ideia mais clara sobre a sua influência no seio da equipa e eventual futura contratação. Criar planteis com outros jogadores e experimentar diferentes soluções, constituem outras novidades. Além disso, o "tutorial" está melhor.

FIFA 15 para a Xbox One apresenta algumas lendas como Pelé ou Nedved.

Os modos carreira de treinador e jogador não sofreram grandes alterações, já os jogos de habilidade subiram para 56 opções, bem úteis para apurar os comandos e movimentos do jogador, sem esquecer a competição com os amigos através das pontuações máximas. Os menus foram revistos e oferecem uma navegação mais fluida mais ainda não inteiramente intuitiva. A arrumação dos quadros e opções de jogo podia estar melhor.

Isto posto, FIFA 15 é uma experiência futebolística claramente alicerçada na nova geração de plataformas mas não isenta ou suficientemente demarcada das anteriores. A EA Sports optou, nesta fase, por concentrar o esforço na melhoria dos gráficos, ambiente dentro do estádio e pormenores com reflexo na jogabilidade, mas em nenhum destes tópicos atinge o grau de proximidade com as expectativas que edições anteriores da série alcançaram, nomeadamente as edições 13 e 14. É inegável que o jogo está mais bonito sobretudo na comparação com as versões (old-gen), apelativo e continua a proporcionar uma jogabilidade muito forte mas ainda há falhas em termos gráficos, e as mesmas opções de jogo, apesar da boa quantidade, não passam de uma revalidação. Talvez o menor tempo de produção ( aproximadamente 10 meses) tenha impedido os produtores de irem mais adiante. Não deixa de ser uma experiência que muitos fãs vão apreciar mas depressa vão detectar que a evolução não é muito acentuada.

8 / 10

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