FIFA 17 - Análise
No caminho das estrelas.
Foi a 15 de Julho de 1993 que a EA Sports lançou o primeiro jogo de futebol: FIFA International Soccer. À luz da sua época foi um jogo marcante. Detentor de uma jogabilidade interessante, apesar de todas as limitações, até mesmo em termos de licenças (na selecção das quinas encontravam um jogador chamado Luís Figarros), depressa conquistou as preferências dos jogadores (nesse ano foi um dos jogos mais vendidos no Reino Unido). Em 23 anos, a série FIFA evoluiu, cresceu e é hoje quase uma enciclopédia do futebol moderno, especialmente através dos seus diferentes modos de jogo, que conjugados com uma jogabilidade refinada tornam o conjunto uma proposta muito atraente.
De facto, mais ficou quando em Junho a EA Sports anunciou a adição de um novo modo de jogo, designado Journey ou A Caminhada (só para Xbox One, PS4 e PC), se preferirem a tradução portuguesa. Na verdade, trata-se de um segmento narrativo que leva o jogador a experimentar a vida e as incidências, ao pormenor, de um jogador inglês chamado Alex Hunter. Não é uma novidade em jogos de desporto. Outras produções de diferentes modalidades desportivas contemplam esta vertente narrativa, mas não deixa de ser uma realidade que pode ser experimentada pela primeira vez por todos os fãs da série. Desde logo porque se oferece como uma alternativa para quem jogue FIFA, embora seja uma boa opção para quem jogue pela primeira vez, pois há toda uma base de aprendizagem que é posta em prática durante as primeiras horas de jogo.
A isto a EA Sports acrescentou um novo e poderoso motor gráfico: o Frostbite. Trata-se do mesmo motor que equipa séries propriedade da editora canadiana como Need For Speed, Battlefield e Mass Effect, o que significa a associação do jogo de futebol à tecnologia de ponta. A performance do jogo é significativamente melhor face à edição passada. Os efeitos de luzes estão melhor, os contrastes são mais evidentes e o aspecto e modelos dos atletas são mais convincentes, mas é especialmente no modo Journey que o impacto causado pelo novo motor se faz sentir.
Aliás, a sensação que fica neste primeiro ano de FIFA com Frostbite é que todo o esforço se canalizou para o novo modo de jogo. Este modo traz-nos personagens detalhadas e toda uma componente cinematográfica, quase como uma aventura, um pouco à semelhança daqueles segmentos narrativos em Mass Effect quando não estamos a combater e tomamos uma série de decisões. Pondo em evidência a vida fora das quatro linhas e a rivalidade que se estabelece no balneário, o trajecto que Alex Hunter se sujeita é extenso, assente em muitos desafios, contrariedades e vitórias. Até ao derradeiro triunfo passam várias temporadas. É um guião com segmentos dados a cliché, sequências algo previsíveis, mas bem construídas e geradoras de um desafio mais interessante.
A limitação mais evidente nesta parte é a restrição do modo aos campeonatos ingleses. Alex Hunter pode mudar de clube, ser emprestado e transferido, mas apenas entre clubes das ligas inglesas. Nem sequer existe um editor de personagem que deixe criar o nosso "avatar", algo que seria mais interessante, ter o nosso rosto num jogador de futebol virtual. Claramente daria outro impacto. É algo que a EA Sports acabará por introduzir, mais cedo ou mais tarde.
Sem vos contar como começa a história para não estragar a surpresa (se jogaram o modo Journey da demo, a fase narrativa é mais avançada), fica aqui um sublinhado relativo ao que se passa para lá das quatro linhas. Existem diferentes contextos: familiar, competição na academia e os primeiros testes que servem de vínculo profissional. Nem todos os jogadores conseguem esse contrato, muitos ficam de fora (o guião exibe muito bem o drama vivido por muitos jovens atletas à espera de um contrato). Lutar por ele é o primeiro objectivo. De forma a maximizar o potencial desta vertente convirá jogar a partir do nível profissional. Os desafios são mais justos e terão mesmo de suar em campo para convencer o treinador, o empresário e superar os adversários.
Embora possam sentir curiosidade sobre se uma acção menos proveitosa levará a uma mudança de rumo drástica na história, parece-nos que o guião é pouco flexível em trajectos alternativos. A diferença maior está em mudarem de clube. Se jogarem nos melhores clubes ingleses terão desafios maiores e passarão mais tempo no banco. Não pensem que jogam logo a titulares, mas se conseguirem contrato com equipas menos cotadas e até da segunda divisão o vosso papel pode ser maior, assegurando dessa forma a base para sucesso num grande clube.
A isto acresce o vosso comportamento e postura fora do campo. Em momentos decisivos terão conversas e alguns desafios com outros atletas. Numa abordagem algo similar aos jogos da BioWare podem optar por uma postura mais justa e neutra ou então seguir um caminho mais arrogante e desafiante, pondo o adversário a ferro e fogo. As conferências de imprensa são um teste grande nesse sentido. Claro que isso afectará a forma como a personagem terá que lidar com as situações, mas quando tiverem que desafiar os jogadores mais cotados e conhecidos mundialmente o desfecho pode ser drástico.
O mais interessante neste modo passa pela experiência sentida por um jogador e suas dificuldades num trajecto repleto de dificuldades até ao sucesso. Desde cedo é-vos dada a possibilidade de definição da posição na formação da equipa, condicionados ao meio campo e ataque; podem jogar como extremo, médio criativo ou ponta de lança. Podem ainda optar por controlar a equipa como num jogo normal ou só o Alex Hunter, esperando que o computador faça o trabalho de casa quando estão sem bola. Para evitar algumas situações incómodas optei por controlar a equipa.
Muitas vezes terão apenas 10 minutos de jogo para fazer a diferença e conseguir os objectivos pedidos. Só assim asseguram a progressão. Entretanto podem melhorar as habilidades e a pontuação do atleta, cumprindo os treinos e assegurando bom desempenho. A evolução é progressiva e ainda que muitos resultados não sejam imediatos, a progressão até pode ser mais rápida se formos eficazes. Em suma, trata-se de uma adição bastante relevante, bem conseguida, com um guião repleto de momentos dramáticos, uma visão "insider" do futebol e capaz de nos levar a experimentar os desafios e dificuldades de um jovem jogador de futebol.
No que respeita à jogabilidade, FIFA 17 não representa uma alteração drástica face ao sistema anterior. A jogabilidade é tipicamente FIFA, ou seja a pender para o realismo e profundidade em termos de habilidades, sendo que as novas opções enquadram-se bem nesta oferta. Sobretudo temos uma melhor inteligência artificial e análise do computador diante dos diferentes contextos e jogadas, nos jogos contra o computador. Pessoalmente parece-me que o ritmo das partidas está melhor. Não existem muitos espaços e carregar sobre o adversário pode ser uma oportunidade para perder a bola. Optando pela circulação e passes há mais vantagens. O ritmo pode ser rápido ou lento consoante a nossa capacidade para encontrar uma abertura.
Se jogarem contra equipas bem organizadas defensivamente é natural que encontrem mais dificuldades. Relembramos que este modelo de jogo e estas incidências são mais visíveis num quadro de dificuldade a partir do nível profissional. Menos que isso não terão grandes dificuldades em rematar à baliza com sucesso. As defesas organizam-se melhor e fecham o espaço, muitas vezes com três jogadores à volta do jogador com a bola, fechando as linhas de passe. Recuperando a boa a organização ofensiva é imediata e podem atingir a vossa baliza num instante. Claro que podemos adicionar mais intensidade de jogo (eu gosto muito de usar o passe curto com força para uma troca rápida de bola), especialmente se tiver na equipa bons e rápidos jogadores.
É um ponto diferenciador. Os jogadores mais cotados fazem a diferença e desequilibram no um para um, desde que não tenham à frente um defesa possante e igualmente bem pontuado. Aliás, é no confronto físico que se nota outra melhoria. Os contactos estão mais realistas e por vezes uma carga com o ombro pode destabilizar mas também pode suceder que seja o defesa a cair. A contenção com a bola é uma solução para atrair jogadores de forma a libertar um passe. Podem controlar a bola usando o corpo do jogador e o seu poder físico. As colisões, entradas e até mesmo a disputa da bola no ar foram melhoradas. Muitas vezes acontece um jogador cair quando salta para cabecear uma bola que lhe foge.
Os lances parados foram alvo de tratamento. Isto é visível no quadro de demonstração assim que começa o jogo, quando são chamados a marcar um canto ou a marcar o livre nos mini jogos que antecedem as partidas. Os novos pontapés oferecem mais precisão e podem até conseguir que a bola descreva um arco exterior na marcação de livres. Na marcação de cantos existe um sinal que ajuda a definir o ponto onde a bola vai cair, podendo imprimir mais força ou não ao cruzamento. Nos lançamentos laterais podem correr ao longo da linha e na marcação dos penaltis podem colocar o guarda-redes a efectuar movimentos ao longo da linha.
As situações ofensivas contam com mais iniciativas. Claro que este quadro de opções é visível quando assumem o comando de jogadores como Martial ou Zlatan Ibrahimovic. Podem efectuar novos remates e adicionar os clássicos chepéus, os remates artísticos ou rente à relva. O passe do extremo a rasgar a defesa é uma das novidades. A ajuda do guarda-redes através do pontapé para o avançado pode ser preciosa. Não é fácil mas é possível. E os cabeceamentos para baixo evitam o guarda-redes e criam mais dificuldades.
As animações e toques com bola foram melhorados. A postura dos jogadores, a sua movimentação com e sem bola é mais realista, ainda que continuem alguns comportamentos e reacções algo desenquadradas ou desajustadas. Embora muitas falhas neste apartado tenham sido corrigidas, certas situações parecem demasiado automáticas ou "scripted", com a bola um pouco mais presa ou atada quando isso sucede. Por outro lado os opositores tendem a guardar demasiado a bola e a transportá-la para espaços livres, nem sequer atacando o que nos obriga a pressionar e pressionar com o botão A de um lado para o outro, através de correrias constantes.
O outro grande bloco de FIFA, entre os principais modos de jogo é o modo FUT (Fifa Ultimate Team). Há jogadores que compram FIFA quase só para jogar FUT, tem sido assim nos últimos anos. Criamos uma equipa e usámo-la em desafios contra o computador e em confrontos com os nossos amigos ou jogadores instalados no sofá do outro lado do mundo. Este ano, entre as novidades, o destaque vai para a FUT Champions uma nova forma de competição semanal. Todas as semanas os jogadores podem qualificar-se para esta competição, a weekend league. Se tiverem sucesso podem ganhar valiosos prémios, e até competir em provas eSports. Essa é uma aposta que a EA Sports vai explorar.
"O outro grande bloco de FIFA, entre os principais modos de jogo é o modo FUT (Fifa Ultimate Team). Há jogadores que compram FIFA quase só para jogar FUT, tem sido assim nos últimos anos"
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Se possuírem a versão Xbox One terão acesso a um conjunto de lendas como Marc Overmars, o cérebro alemão Effenberg, o defesa central Puyol, Rio Ferdinand entre muitos outros. Ao desfrutarem deste modo terão que cumprir diversos objectivos. Este ano a produtora esmerou-se e adicionou mais desafios, especialmente na forma de recompensas. Por exemplo, se organizarem o plantel de uma determinada forma terão um objectivo atingido. Vão sentir que os jogadores excedentários podem assumir uma posição relevante, não tendo que os vender necessariamente. Os desafios são constantes e facilmente perdemos aqui umas valentes horas de jogo a organizar o plantel, adicionar pacotes de habilidade, ver crescer a química do 11 inicial e pôr tudo à prova num desafio. Agora, a partir de um determinado nível, a obtenção de novos jogadores é dada através de uma especial animação. Pequenos pormenores que ajudam a tornar a experiência mais interessante. Um dos modos de jogo a que nos habituamos mas que volta a permanecer como imprescindível em FIFA.
O modo carreira perfila-se como outra opção igualmente sólida. Entre as mudanças está o novo sistema de pesquisa de talentos através dos olheiros. É possível continuar a personalizar uma série de parâmetros e gerir as finanças do clube visando a dimensão mundial, em consonância um pouco com o actual futebol moderno globalizado, dos investimentos e da venda da equipa como produto. A isto acrescem os campeonatos e ligas oficiais, mais uma vez com todos os clubes portugueses presentes, com a excepção do Feirense. Pena que a EA Sports relegue para um plano secundário os modelos dos jogadores dos clubes nacionais. No Porto, por exemplo, à excepção de Casillas e Danilo, os rostos são muito diferentes dos congéneres. Na formação da equipa vemos os rostos reais, podendo ser uma desilusão quando os vemos em campo. Num jogo coloquei José Sá a titular e nem por sombras o atleta virtual se assemelha ao atleta aspirante a dono da baliza dos Dragões. Mas se estão inclinados para as ligas inglesa, espanhola e italiana terão motivos para satisfação. Este ano até a liga japonesa foi adicionada. Resta saber para quando a liga chinesa, onde militam jogadores como Jackson Martinez. Em termos de licenças o costume: equipamentos oficiais (novos e clássicos), muitos estádios verdadeiros (não está o Nou Camp nem o Vicente Calderón), cânticos, bandeiras e ovações.
Este ano agradam-me particularmente os menus. Nas anteriores edições, embora a navegação fosse fácil, era fácil perdermo-nos no meio de tanta informação. Agora as opções dividem-se por uma meia dúzia de quadros e sub menus que se abrem facilmente e com simplicidade à medida que avançamos até à opção pretendida. Uma navegação mais simples e cómoda, como se pretende. De resto e enquanto navegam nas opções e gerem o vosso clube ou equipa no modo FUT escutam uma banda sonora renovada e agradável.
Em termos gráficos FIFA 17 consegue um bom desempenho nas consolas da nova geração. Parece-nos, no entanto, que o potencial do Frostbite ainda está longe de mostrar aquilo que é capaz. Apesar da melhoria nos efeitos de luz, das novas animações, do aspecto das claques e do colorido que um estádio cheio exibe antes do apito de partida, a diferença para a edição passada não é muito grande. A boa performance é notória em termos de fluidez e cadência. As partidas decorrem de forma muito fluída e sem quebras. As repetições, especialmente quando conseguimos um bonito golo merecem um olhar atento e que nos mostram como as animações dos jogadores estão melhores, embora ainda possa ser feito mais no sentido de tornar os movimentos dos jogadores mais suaves e naturais.
De FIFA 17 resulta sobretudo uma impressão de grande robustez e dimensão. A EA Sports volta a entregar um produto dotado de uma forte e profunda jogabilidade, marcadamente realista, baseada num grande número de licenças dos principais campeonatos e modos de jogo atraentes, em especial o surpreendente e bem conseguido Journey, que para muitos será o baptismo de fogo em FIFA. Ainda há arestas a limar: certas animações dos jogadores perduram demasiado criando um efeito mais automático (podem sempre desligar os passes e cruzamentos assistidos, optando pelo passe manual) e o aproveitamento do Frostbite poderia ser mais evidente. Mas é este conjunto e pack de opções que tornam FIFA 17 um desafio bem à medida dos amantes da bola virtual, com tudo aquilo que existe sobre futebol. É talvez, dos últimos anos, o FIFA que chega mais longe.