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Final Fantasy X|X-2 HD Remaster - Análise

"É agora. Esta é a tua história. Começa tudo aqui."

Quando penso em Final Fantasy X, penso num marco na história da indústria dos videojogos, pelo menos no Japão. Quando o jogo foi originalmente lançado, o Japão e a sua PlayStation 2 dominavam as atenções nesta indústria e este foi uma referência para demonstrar o poder da, na altura, mais recente consola da Sony. Se tivesse que definir o jogo em duas palavras provavelmente teria que usar fascínio e encanto pois há 12 anos atrás era precisamente assim que me sentia. Inspirado e encantado com o poder da PlayStation 2, com a sua capacidade para apresentar personagens tão credíveis, tão humanas, com uma incrível facilidade para transmitir emoções mas também para criar laços com o jogador. Final Fantasy X pertence a uma outra geração e isso nota-se bem. Pertence a uma era na qual os jogos eram seguidos nas revistas ao longo de meses, ou anos, e depois jogados por mais meses ou anos. A indústria era mais inocente, se esta é a palavra certa, o consumismo e imediatismo não existia nesta forma atual, os jogos precisavam da capacidade para durar meses conquistada pelo talento e não pelo marketing. Este foi um desses exemplos que resistia ao duro teste do tempo.

Se em Final Fantasy VIII a Square havia experimentado personagens de imagem mais adulta e temas adolescentes ou até mais maduros, um pouco distantes da fantasia até, em Final Fantasy X tivemos Yoshinori Kitase e Hironobu Sakaguchi, juntamente com Tetsuya Nomura, a apostar num enredo teen teria que ser mais envolto em fantasia. Penso que este jogo é um dos melhores exemplos de um produto que foi feito para promover as capacidades técnicas de uma consola que pelo seu lado permitiu que um produto se elevasse bem acima dos anteriores. O impacto visual, o dramatismo do enredo, a fluidez dos combates e todos os profundos sistemas de jogo que aqui foram introduzidos tornaram neste jogo numa referência na história dos JRPGs. Isto foi em 2002, quando Final Fantasy X chegou à Europa e agora, em 2014, temos uma versão remasterizada em alta definição que junta o jogo e a sequela num só pacote.

"É agora. Esta é a tua história. Começa tudo aqui," diz Auron a Tidus antes de Sin o sugar e enviar para um outro mundo, ou será que é para o futuro? Assim tem início a jornada do jogador que irá conhecer Spira, o mundo desconhecido que desejará salvar com todas as suas forças...mas a custo do amor da sua vida? O que fazemos quando sabemos que vamos perder alguém que amamos? Esta é uma das principais temáticas de Final Fantasy X e todos os seus personagens lutam para não perderem tudo mas também lutam porque já perderam algo. Amor, sacrifício, dor, perda, coragem, e o desejo de querer fugir a um amargo destino que ameaça ser demasiado forte para ser contrariado, o enredo desta aventura envolta em fantasia quase que poderia servir como pano para uma qualquer realidade.

Ao longo da sua jornada por Spira, Tidus irá encontrar vários companheiros e a cada novo passo o jogador é maravilhado e a fórmula Final Fantasy glorificada, apesar de várias modificações. Podemos desde logo começar pelo sistema de combate onde o Active Time Battle deu lugar ao Conditional Turn-Based Battle. Apesar de continuarmos a controlar cada um dos nossos personagens num combate por turnos, agora é possível trocar de personagens a meio da batalha e o sistema não mais era em tempo real. O tempo pára enquanto escolhemos a ação e existe uma cronologia com a ordem de quem vai atacar, o que nos permite gerir os combates de acordo. Para quem vai a passo e passo ser conduzido pelos diferentes locais de Spira, a rápida passagem para as batalhas que se tornam intuitivas divertidas ajudam ainda mais a que tudo seja firme e coeso.

"Final Fantasy X ainda hoje permanece como um produto de elevada qualidade e sem igual em todo o género JRPG, mesmo passados 12 anos."

Há 12 anos foi uma afirmação de talento, poder e ambição. Hoje ainda consegue mostrar bem porque o foi.

Apesar de altamente dinâmico e veloz, rapidamente descobrimos que existe profundidade e uma grande dificuldade neste sistema de combates, até na forma como o jogo está estruturado. Spira, tanto no original como na sequela, vai-se abrindo ao jogador aos poucos e poucos enquanto este avança mas existe uma diferente personalidade entre os dois jogos que afeta de forma fundamental toda a sua estrutura e mecânicas. Enquanto Final Fantasy X consegue ser dramático, profundo e até chocante (principalmente na jornada de Yuna para se sacrificar e derrotar Sin) a sequela é mais colorida, mais ligeira e aventureira. Uma das diferenças fundamentais entre original e sequela é que em X-2 apenas temos três personagens, a profundidade ou desafio recai na escolha de diferentes fatos para as três protagonistas, permitindo assim acesso a novas habilidades e melhor preparação para determinado inimigo.

Voltando ao original, este CTB permite ainda que o jogador despolete ataques especiais conhecidos como Overdrive, também aqui uma mudança sobre o passado da série. Estes ataques especiais testam a atenção do jogador pois são interativos e pedem que seja executada uma qualquer ação para decorrerem com maior sucesso. A ação difere de personagem para personagem e em alguns casos pode ser fulcral não falhar. Outra das grandes novidades na altura e um dos elementos principais nos combates de Final Fantasy X são os Aeons, criaturas mágicas que conhecemos tão bem na série que aqui são invocadas e substituem toda a party.

Sem dúvida que existia aqui suficiente profundidade e variação nas mecânicas de combate para que este jogo fosse um dos mais brilhantes jogos na série, hoje prova porquê. Todo o dinamismo e velocidade a que tudo decorre encaixam que nem uma luva em todo o aparato e espectáculo visual. Outra separação das raízes da série é o sistema de evolução de personagens, ao invés de experiência ganha no final de cada combate nos permitir subir de nível e melhorar atributos automaticamente, aqui temos a Grelha de Esferas na qual podemos avançar ao obter Pontos de Habilidade no final dos combates.

Inicialmente cada personagem tem um percurso pré-determinado que teremos que percorrer para obter novas habilidades únicas e específicas a esse mesmo personagem. Após algum tempo a grelha ficará livre para ser percorrida para qualquer lado e o jogador ganhará alguma liberdade para definir o personagem como quiser. Caso queira pode ainda escolher um modo avançado e desde logo começar a personalizar os personagens. Existe aqui uma certa liberdade que se torna crescentemente fascinante e sentir que decidimos como seguirá a evolução ajuda a envolver-nos em todo o processo.

Os gráficos de cair o queixo, a banda sonora envolvente e emocionante, os combates velozes e dinâmicos que o CTB permite, os personagens, os locais, o enredo e toda a mitologia criada para dar vida a Spira, o sistema de evolução na forma da grelha de esferas e vários momentos icónicos são os principais pontos que suportam esta aventura para que se possa erguer e ascender como um dos produtos mais fascinantes na série Final Fantasy. Quebra com muitas das bases da série, rompe com muitas tradições mas nem por isso deixa de ser tão bom e só é pena que tenha mostrado uma janela para o futuro que não soube ser aproveitada de melhor forma. Principalmente olhando para a sequela que sendo um bom jogo é um Final Fantasy menor.

No entanto, ao analisar uma remasterização para a alta definição não estamos verdadeiramente a analisar o produto mas antes sim o trabalho da conversão em si. Final Fantasy X|X-2 HD são jogos que a grande maioria do público alvo já conhece e respeita, um mais do que o outro. O desejado aqui é perceber até que ponto a Square Enix respeitou e elogiou o trabalho distinto levado a cabo no original. Na altura foi uma verdadeira afirmação de poder e ambição por parte da companhia Japonesa e pela Sony mas agora será que o tempo permitiu que brilhe novamente?

Esta conversão para HD é altamente competente. Sendo mesquinhos percebemos que existem partes dos cenários em alguns momentos que estão bem básicos comparado com os padrões atuais mas no geral o resultado surpreende. Já os personagens são um claro destaque e até quase nos enganam em relação à sua idade, exceto algumas expressões faciais menos bem conseguidas e estranhas. Ainda assim, existem momentos que quase nos enganam e fazem acreditar que o jogo foi feito para esta anterior geração, com melhor qualidade visual do que muitos jogos de 2013. Isto fica ainda mais reforçado quando o seu sistema de combate, sistema de esferas e enredo estão bem acima da grande maioria dos JRPGs. É o perfeito cumprimento de mão entre criatividade, engenho e poder tecnológico em 2002 que aqui é recuperado.

"Além do inevitável dano que o tempo causou, a grande falha desta conversão para HD é a ausência das vozes Japonesas. Extremamente irritado por voltar a ouvir este Tidus."

Se existe falha que possa apontar ao jogo esta está na ausência de vozes Japonesas. Estas são as vozes que conheci há 12 anos atrás, o que me permite relembrar vários diálogos e momentos mas nada mais me daria gosto aqui do que ter as vozes originais. James Arnold Taylor que me perdoe mas para mim conseguiu arruinar Tidus, tornando-o num menino mimado e inconveniente enquanto Masakazu Morita entrega um Tidus que parece adulto e relacionável. O mesmo poderá ser dito do restante elenco, apesar de competente, a versão Inglesa em nada prende o jogador enquanto o talento Japonês simplesmente transmite de melhor forma a personalidade de cada personagem. Ao ponto de parecer que a voz nasceu primeiro que o personagem. Fora isto talvez apenas alguns ecrãs de carregamento possam quebrar o ritmo da experiência mas de resto temos algo fantástico.

Junya Nakano, Masashi Hamauzu e Nobuo Uematsu assinam a banda sonora de Final fantasy X, aqui numa forma que conta com alguns temas com novos arranjos. Poderá existir alguma contestação quanto a esta decisão mas confesso que após anos e anos a ouvir os originais, que ainda os podemos ouvir na sua banda sonora, foi refrescante ouvir os novos temas. Alguns deles, como o Tema de Tidus ou Besaid Island são igualmente espantosos como os originais e este tema controverso para mim passa-me ao lado pois fiquei fã destes novos arranjos. Noriko Matsueda e Takahito Eguchi assinam a banda sonora de Final Fantasy X-2 e estas refletem na perfeição o ambiente diferente e mais aventureiro da sequela. Também este jogo com alguns temas com novos arranjos e também eles encaixam bem para modificar levemente o tom e imprimir alguma curiosa novidade.

Cada um destes jogos pode ascender a 80/100 horas para serem dominados em pleno. O facto de a Square Enix ter levado tão a sério os troféus é ainda mais gratificante pois podem contar com muitas horas de jogo. Muitos, tal como eu, vão agora iniciar um novo jogo pela quinta/sexta ou até décima vez e isso mostra bem a coesão e firmeza deste produto. Mostra bem como é agradável a combinação de todos os seus elementos. Com uma suavidade e fluidez que lhe encaixam na perfeição, estes dois jogos podem apresentar alguns momentos menos interessantes, especialmente na sequela, mas pelo preço de um recebemos dois e um deles é um dos mais importantes jogos da sua geração.

Final Fantasy X/X-2 HD Remaster é um pacote de luxo que irá permitir a muitos jogadores libertarem uma explosão de nostalgia muito mais do que merecida. Para uma outra geração é um encontro mais do que obrigatório pois está aqui um dos melhores produtos que o Japão deu à indústria. O enredo, os locais que conhecemos, o desempenho técnico, os visuais, o sistema de combate, a música, os personagens, os desafios extra história principal, Final Fantasy X é um trabalho de génio que nasceu de uma conjuntura de fatores, criatividade e talento que não mais terá direito a uma segunda chance.

Este é um pacote verdadeiramente obrigatório e com toda a sua justiça, Final Fantasy X HD já valeria o preço que é pedido quanto mais quando acrescentamos a sequela. X-2 pode ser descartável para uma grande maioria mas como jogo consegue ser divertido, se não pedirem muito do enredo e desfrutarem do sistema de combate. A qualidade do trabalho de conversão deixa a desejar em alguns pontos mas não podemos pedir muito de bens com mais de 10 anos e em alguns momentos o jogo consegue ser bem melhor que muitos outros lançados em 2013 na agora anterior geração. Este é um produto singular, emocionante, viciante, envolvente e apaixonante por isso não hesitem, desviem-se do relâmpago, defrontem os Dark Aeons, salvem Spira e assobiem, mas vivam esta fantasia.

9 / 10

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