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Final Fantasy XV - Análise

Fantasia desconexa.

O desenvolvimento conturbado é visível num jogo remendado, cuja história não tem o impacto e ritmo devidos, afectando o que de bom faz.

Depois de dez anos em desenvolvimento, onde começou como Final Fantasy Versus XIII, a Square Enix conseguiu finalmente colocar Final Fantasy XV nas lojas, levando os fãs ao êxtase e permitindo descobrir qual o resultado de tão conturbado título. É quase impossível olhar para um jogo como este e não pensar na bagagem que acarta. Não só pelos anos em si, mas porque geralmente isso significa graves problemas para qualquer elemento da experiência. Quando Final Fantasy XV mudou de director, foi cortado e alterado, e ainda saltou de geração. Não é a melhor das situações para um título, para um director, para uma equipa de desenvolvimento, e desde logo é aparente que a Square Enix tentou fazer o melhor que podia nas condições precárias em que deixou o título. Pelo outro lado, é um título que acompanhámos ao longo de dez anos, no qual permitimos à nossa imaginação divagar, para o qual tivemos a necessidade de saciar a curiosidade em experiências como Kingsglaive e Brotherhood, e com o qual nos queremos apaixonar.

Final Fantasy sempre foi uma série especial e acarinhada pelos fãs, catapultada para o mediatismo Ocidental com Final Fantasy VII, e desde então promovida e publicitada com toda a força para as massas. Tal como o controverso Final Fantasy XIII, este novo jogo foi promovido como um título para todos, e isso talvez seja mais verdade do que nunca. Devido à natureza da experiência em mundo aberto, não totalmente mas já falamos sobre isso, e do sistema de combate mais focado na acção (Final Fantasy XV é um action-RPG), Final Fantasy está a evoluir numa entusiasmante direcção. Para um título mergulhado no inferno do desenvolvimento, é uma responsabilidade tremenda e talvez o mais aliciante fosse descobrir de que forma surgiu desse inferno. Será que realizou em pleno as suas ideias? Será que o sistema de combate é divertido? Será que o seu mundo aberto é entusiasmante? Será que a história está à altura de um épico? Estas eram as principais perguntas à espera de resposta.

Algo que é preciso desde logo dizer é que Final Fantasy XV é um jogo simplesmente desconexo, em que o todo parece ser composto pela soma de diversas partes que nem sempre encaixam, seja o design e estrutura da experiência, as missões secundárias, a história ou as personagens. Tal como vocês, já li muita coisa sobre o jogo e a verdade é que Final Fantasy XV não tem qualquer respeito pelos jogadores que gostam de histórias épicas, ou até satisfatórias, e um bom desenvolvimento de personagens. A ideia que fica é a de um enredo escrito por várias pessoas que nunca comunicaram entre si e apenas receberam ordens para escrever uma fatia específica de eventos. Só isso pode explicar muitas das situações e como temos momentos belos como qualquer fã desta série espera, metidos aparentemente à força no meio de acontecimentos estranhos e quase patéticos. Na verdade, Final Fantasy XV não parece ter respeito por ninguém, especialmente os que adoram mergulhar num mundo de fantasia incentivados pelos personagens e pelas suas motivações.

Final Fantasy XV deveria dizer aos jogadores que Kingsglaive, o filme CGI estreado em Agosto, não é opcional, é autenticamente obrigatório e uma fatia da história do jogo. Só assim terão uma melhor visibilidade sobre a história e personagens importantes, e entenderão muitas das referências presentes no jogo. De igual forma, Brotherhood, a série anime que podem ver gratuitamente no YouTube, é essencial se esperam criar qualquer elo emocional com os personagens e para estabelecer um fundo e realidade para Noctis, o protagonista do jogo e o futuro rei de Insomnia, e Gladiolus, Ignis, e Prompto, os amigos e protectores de Noct. Se pensarmos que estes dois produtos fazem um melhor trabalho para explorar as personagens e este mundo do jogo, começamos a ter uma ideia da trapalhada que a Square Enix conseguiu.

O trailer Omen sugere uma história épica de contornos infelizes, apenas consegue numa dessas.Ver no Youtube

Final Fantasy XV transporta-nos para Eos, um mundo no qual o Império de Niflheim deseja ocupar Insomnia e conquistar o seu precioso cristal. Para reforçar as ligações entre diferentes povos, o príncipe de Insomnia irá casar com Lunafreya, uma jovem amiga de infância de Tenebrae. Noctis, esse príncipe, começa a sua jornada de carro pelo mundo de Eos com os três amigos e guardas, de forma a chegar a Altissia e a consumar o casamento. Esta é a premissa para uma história mal contada, que dependerá imenso da quantidade de exposição do jogador aos materiais derivados, como referido em cima, e que de forma muito pobre atira para debaixo do autocarro o desenvolvimento dos personagens e o aproveitamento do mundo em si como palco para uma história que até é épica, mas não da forma que é contada. O jogo é composto por 15 capítulos, e até ao capítulo 8 a história é quase inexistente. A partir do capítulo 9 entramos num modo autenticamente "on-rails" até ao capítulo 14 para ser tudo ser finalizado de forma épica e brilhante no capítulo 15. Isto é muito mais danoso do que podem pensar, pois cria uma experiência inconsistente em que somente o nosso encanto nos motiva a continuar. Especialmente no capítulo 13 que consegue ser um dos momentos mais negros na história da série.

"Metade de Final Fantasy XV é uma espécie de corredor, quase feito à pressa, em que o jogo nos atira diferentes situações quase sem nexo"

Como podem perceber, metade de Final Fantasy XV é uma espécie de corredor, quase feito à pressa, em que o jogo nos atira diferentes situações quase sem nexo e sem despoletar todo o potencial de cada uma. Personagens são despachados, outros são esquecidos, uns são inseridos só porque sim, criando algo que não satisfaz. Penso que a melhor analogia para Final Fantasy XV é a cidade de Altissia, uma cidade deslumbrante e imaginada por mentes brilhantes mas que simplesmente desperdiça todo e qualquer potencial. A dado momento no jogo, Noctis e amigos vão a Altissia para um momento importantíssimo, o objectivo da sua viagem, e nessa cidade deslumbrante apenas se vão sentir confusos. Esta espécie de Veneza é utilizada apenas em 30 minutos de jogo porque não temos nada para fazer lá. Toda uma imponente cidade à nossa volta, do melhor que jamais foi feito na série, e apenas podemos passear e saborear os visuais, porque de resto não existe substância em Altissia. Este é provavelmente o momento mais marcante no jogo, pois não temos nada a fazer na cidade, e a partir daí o jogo entra em modo "on-rails", quando até agora nos havia colocado num gigantesco mundo, sem nada de divertido para fazer.

Se uma parte da recta final é a Square Enix a ofuscar a linha entre diferentes géneros, Final Fantasy XV mais parece um jogo de acção e aventura do que um JRPG. A primeira metade é a companhia Japonesa a seguir numa direcção que há muito tem sido investida pelas editoras Japonesas: mundos abertos. Final Fantasy XV transporta o jogador para um enorme mundo aberto (com algumas limitações estranhas), onde pode caminhar ou viajar de carro. Os controlos são um pouco rígidos e existem diferentes regras a cumprir, mas o mundo de Final Fantasy XV até consegue ser divertido, pena que o preço do incrível tamanho seja uma menor sensação de vida. Seja a andar de Chocobo, a explorar masmorras para encontras as lendárias espadas da linhagem Lucis, para Noctis ficar mais forte, ou a atacar bases imperiais, existem diversas actividades, e é até fácil para o jogador se perder neste mundo. Pena que as missões secundárias não estejam melhor contextualizadas com o enredo (nem estão sequer) e o mundo em si não seja um maior reflexo do enredo.

Noctis depois de uma reunião séria em que descobre que a sua noiva pode morrer minutos depois.

A dada altura, um Tipster (os donos dos cafés que nos dão missões secundárias, hunts e pontos de interesse no mapa) pede a Noctis para ir buscar um tomate a outra cidade para ocupar a cabeça com outra coisa e aliviar a dor de um evento trágico que aconteceu na sua vida, e o marcará para sempre. Noctis agradece quando entrega o tomate, e pelo caminho tirou boas selfies com os amigos. Perante tamanha diversão, ninguém diria que sofreu um golpe devastador na sua vida, quanto mais aliviada pela busca de um tomate a outra cidade, quando a maioria até para descer a rua se queixaria.

Enquanto exploram o vasto mundo de Eos ao vosso dispor, vão encontrando monstros selvagens que precisam despachar para ganhar EXP, algo que de outra forma só nas missões principais e secundárias conseguem. Isto permite-nos conhecer o sistema de combate mais virado para a acção e que de várias formas rompe com o passado. Muito similar a Kingdom Hearts, o jogador martela o botão de ataque, ou mantém pressionado, e Noctis encadeia ataque após ataque. Assistido pelos três colegas controlados pela inteligência artificial, o jogador apenas os pode influenciar através de acção conjuntas (chamadas de Técnicas) nas quais uma personagem executa uma acção especial e Noctis termina. São belos momentos que aprofundam um sistema de combate simples, dinâmico e eficaz, manchado por uma horrível inteligência artificial. Para usar magia, Noctis precisa recolher os elementos nos acampamentos (onde os personagens descansam da noite perigosa e ganham experiência e comem para obter benefícios temporários) que são colocados em frascos que podem ser equipados nos outros personagens. Apenas desta forma podem usar magia, e toda a cura é feita através de uma técnica de Ignis ou dos itens.

Até os Summons só podem ser usados por Noctis, uma vez que é a única personagem controlada pelo jogador, e entre os quatro disponíveis (esqueçam Bahamut) a forma aleatória e confusa com que são invocados apenas tira brilho a este lado fundamental da essência Final Fantasy. Uma vez que os combates são altamente dinâmicos e velozes, a grande dificuldade estará em lidar com a má inteligência artificial que parece que não faz nada. Na maioria dos combates nem vão notar isso, especialmente perante inimigos banais, mas nas lutas mais exigentes, como bosses por exemplo, ou se quiserem arriscar perante inimigos de maior nível, o jogo torna-se uma irritante e sistemática utilização de itens para os personagens voltarem à acção. Isto tirou muito do prazer que senti inicialmente pelo sistema de combate, banalizou-o até. Senti que não tinha ajuda, à excepção das Técnicas, e que os outros personagens estão ali apenas para te obrigar a usar itens e para te ajudarem quando ficas sem energia.

Noctis é altamente ágil e pode trocar entre quatro armas de forma instantânea para criar belos combos. Visualmente é uma delícia, mas a profundidade é mínima e somente no aproveitamento dos Warp-Strikes, ataques em que Noctis investe a toda a velocidade sobre um inimigo, e os Blind-Strikes (ataques pelas costas do adversário que podem ser executados num belo combo de os companheiros estiverem ao nosso lado). É aqui que Final Fantasy XV tenta escapar ao incessante martelar do mesmo botão, pedindo ao jogar para executar acrobacias e procurar atacar os inimigos pelos flancos. A possibilidade de Noctis desviar-se dos ataques ao pressionar o botão no momento certo é outra das mais valias do sistema de combate, criando belo ritmo, e exigindo perícia ganha com o tempo. É satisfatório mas é pena ver a IA manchar este dinâmico sistema de combate. Isso e a aparente negligência pela destreza do jogador, que sentirá não existir qualquer estratégia ou profundidade quando investir sobre adversários mais poderosos.

Uma boa parte de Final Fantasy XV decorre numa zona imensa, mas sem vida e inundada por tarefas repetitivas e banais.Ver no Youtube

Tal como tudo o resto, também os visuais apresentam um resultado oscilante, capazes de agradar mais a uns do que a outros. Apesar do incrível tamanho de Eos, especialmente em Duscae, o mundo é desprovido de vida, e a qualidade gráfica sofre com uma imagem suavizada e sem a nitidez que prezamos em jogos de mundo aberto. É normal assistir a momentos de belo detalhe visual para logo em seguida vermos texturas básicas e momentos nada impressionantes. É o preço a pagar pela ambição mas nem isso consegue parece capaz de justificar as inconsistências de Final Fantasy XV. Se Altissia foi referida como um exemplo de bela qualidade visual, também Listallum o poderia (a outra cidade presente no jogo), mas é tão desprovida de vida (e a que tem é tão mecanizada) que corta muito do impacto que poderia ter. Tal como em todos os outros elementos, visualmente Final Fantasy XV é um jogo que satisfaz, mas que inevitavelmente nos deixa sempre a pedir mais. Belos cenários e lindos efeitos de iluminação conseguem fazer com que o jogador se apaixone por este mundo, mas também nos entristece ver tamanha inconsistência.

A própria longevidade em si, um dos assuntos mais discutidos pelos fãs, é um indicador mais grave da inconsistência de Final Fantasy XV. Se seguirem a história, é perfeitamente possível terminar o jogo, em modo Normal, em menos de 20 horas. Como referido, a partir do capítulo 9 o jogo entra em modo "on-rails" e não podem fazer muito a não ser seguir a história, mas até esse capítulo, podem vaguear pelo imenso mundo, e aumentar exponencialmente a longevidade do jogo. No entanto, isto é feito através das Side Quests que conseguem ser do mais arrepiante que podem imaginar. Terminei a história com 30 horas de jogo, mas porque investi tempo a realizar mais de 45 Side Quests e várias Hunts (caça a monstros com estatísticas melhoradas para receber dinheiro e itens), mas rapidamente descobri que Final Fantasy xV nos mergulha num mar de Fetch Quests, as aborrecidas missões do "vai aqui, para ires ali, só para voltares onde começaste". Fosse apanhar sapos, recolher tomates em outras cidades, fotografar vida selvagem, ou recuperar dog tags, é neste tão importante elemento que a Square Enix mais revela falta de imaginação.

"Isto é feito através das Side Quests que conseguem ser do mais arrepiante que podem imaginar"

Prolongar artificialmente a longevidade com Fetch Quests é do mais arrepiante que pode existir num JRPG, e provavelmente a razão pela qual muitos de vocês não jogam outros jogos do género sem o nome Final Fantasy. Isto gera inconsistência pois após cerca de 10 horas a realizar estas tarefas, senti que estava a ficar aborrecido, e desgastado de um mundo vazio que quanto mais exploras mais fraquezas encontras, quando seguir a história era onde me estava a divertir. Claro que ao fazer isso a história termina mais depressa do que poderia prever. Uma vez que o jogo se adapta ao teu nível para a história, e o sistema de combate nada de difícil tem, investir em Side Quests para ganhar EXP e subir de nível pouco ou nada de valor tem, já que apenas conta para aumentar o valor no relógio, e não para a tua skill nos combates.

Se por um lado é um autêntico prazer analisar a nossa série favorita, aquela em que "papámos tudo", por outro lado é também um pouco complicado. Sempre adorei a forma como Final Fantasy vai mudando de jogo para jogo, mas mantendo os conceitos base que unem toda a essência da série. Por isso mesmo adorei as novidades introduzidas em Final Fantasy XV, ou o seu potencial, e fiquei entusiasmado com o sistema de combate. Também é por isso que me custa ver as ideias não alcançarem o seu potencial e perceber que a Square Enix tem apenas uma ideia em bruto, testada em XV, que possivelmente será aperfeiçoada em XVI. Talvez seja o melhor de Final Fantasy XV, que aos tropeções preparou o molde para o futuro de Final Fantasy enquanto série. Se assim for, o futuro parece bastante promissor, apesar do presente ser uma trapalhada.

Final Fantasy XV é um satisfaz que nos deixa a respirar de alívio, mas com o coração dorido porque esperava-se um excelente. É um jogo que consegue divertir imenso e de várias formas eleva a novos patamares muitos dos conceitos e referências que nos apaixonaram na série Final Fantasy, especialmente devido ao mundo aberto. No entanto, a história desconexa, o mau ritmo da experiência, o mau aproveitamento do lore e dos personagens, e acima de tudo um sistema de combate manchado por uma má inteligência artificial, fazem-nos acreditar que Final Fantasy XV está muito abaixo do potencial. É um diamante que ficou por polir, repleto do brilhante potencial mas sem o refinamento que merecia. A Square Enix e a equipa de Hajime Tabata têm todo o nosso respeito nesta árdua tarefa, e conseguem um belo final, mas sendo um trabalho desta casa e nesta série, é preciso algo mais coeso, robusto e satisfatório.

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